Cidade de Deus, de Fernando Meirelles
A realidade da favela carioca serve como palco para uma história eletrizante sobre guerra de gangues do tráfico de drogas
Cidade de Deus foi o grande acontecimento do cinema brasileiro dito "da retomada" (ocorrido a partir dos anos 1990, com a quase suspensão da produção nacional pós-fechamento da produtora estatal Embrafilme). O longa de Fernando Meirelles foi dos mais populares trabalhos nacionais dos últimos anos. Além de aparecer com destaque na mídia internacional, fomentou uma larga discussão acerca de qual seria o "filme ideal" capaz de representar o Brasil e seus problemas sociais. Ao tocar em assuntos centrais do país (miséria e criminalidade), a obra rachou os intelectuais. Uns viram suas qualidades de entretenimento. Outros apontaram uma negação ao que o cineasta Glauber Rocha propôs como estilo adequado de retratar a pobreza do país - a chamada "estética da fome". O estilo aqui estaria mais próximo do cinema de ação de Hollywood, como um filme de gangues à brasileira.
Parte da eficácia da proposta e do resultado de Cidade de Deus deve-se, sobretudo, à utilização de um elenco amador, de moradores das favelas cariocas, meticulosamente treinado. Meirelles e a co-diretoria Kátia Lund pediram ao roteirista Bráulio Mantovani para se concentrar nos grandes acontecimentos da história, limpando os trechos de literatura poética e digressões do original, o livro homônimo de autoria de Paulo Lins. O filme acompanha o surgimento e recrudescimento da criminalidade na favela Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, dos anos 1960 aos 1980, indo do passado idílico ao inferno do tráfico de drogas. Um narrador, Buscapé (Alexandre Rodrigues), assiste quase à margem essa guerra entre bandos, um deles chefiado pelo malvado Zé Pequeno (José Firmino da Hora), um dos mais inesquecíveis personagens do cinema recente.
A fotografia "documental" de César Charlone, com imagem granulada e câmera de mão, virou referência no mundo, e ele foi convidado a trabalhar com cineastas como Spike Lee (no telefilme Código das Ruas, de 2004) e Tony Scott (Chamas da Vingança, de 2004). Boa parte dos mais de 3,5 milhões de brasileiros que foram ao cinema viram algo de "real" no longa. Se não ganhou em nenhuma das indicações ao Oscar (Melhor Direção, Montagem, Fotografia e Roteiro Adaptado), o mundo, por outro lado, enxergou na estética e na violência extrema de Cidade de Deus um modelo de "realismo" a ser seguido.
* Revista Bravo!, 2007, p.101
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