O princípio da desconfiança
Por Pedro Fernandes
Se queres prolongar o amor não permitas que a desconfiança te domine em relação à pessoa amada.
Ovídio
Esta post de hoje não teria vez neste espaço se o mantenedor dele não tivesse passando em sua vida pessoal por uma situação se não complicada, mas no minimo desconfortável. Não devo relatá-la porque isso, creio, é de meu interesse próprio e não deve ser ou vir-a-ser matéria de conversas alheias e creio que ao longo do texto claro ficará do que se trate a referida situação. Quero refletir acerca desse princípio que tem tomado dos pés à cabeça muita gente quando se trata da construção de uma nova cadeia de relacionamento amoroso.
Todo mundo já deve, em algum momento da vida, ter se envolvido o suficiente com uma pessoa a ponto de esquecer-se de si para dar lugar ao outro. Isso não é doença. É um sentimento a que se denominou paixão e que tem data de fabricação e validade por tempo determinado. Também creio que essa mesma pessoa em algum momento de sua vida tenha passado por uma decepção que lhe servirá de luz vermelha de alerta a todo e qualquer relacionamento que surgir depois do fatídico desfecho. Creio ainda que, no início do novo traço de amor tenha essa mesma pessoa estudado cuidadosamente o terreno antes de pisar - e tenha começado a pisá-lo pé ante pé, mas depois acaba por deslizar e não consegue mais estabilidade a ponto de novamente está envolvido totalmente como no caso do outro relacionamento. É, portanto, do interior dessa avalanche que nos leva sem destino mundo afora que brota o tal princípio da desconfiança. Geralmente surge da intrigante e filosófica pergunta - será que o outro tanto me ama quanto eu o amo ou será que tudo o que por ele faço não passa de troça e ele, na verdade, curte amar outra pessoa? Pergunta tão filosófica esta que deve está - e se não está deve entrar para - no rol das perguntas que movem a humanidade, como a clássica, quem somos? ou aquelas outras, de onde viemos e para onde vamos?
O tal princípio da desconfiança é do rol dos sentimentos mais crueis que já pudemos inventar; tem a ver com fidelidade; tem a ver com cumplicidade; tem a ver com a própria materialidade do curso da vida - essa lâmina incerta que de instante em instante acha de nos dá uma rasteira e cortar um pedaço de nós. Lembro-me aqui, e esse é o exemplo mais claro que se possa dar, do clássico texto de Machado de Assis, o Dom Casmurro, cujo princípio é posto ao limite próprio e em carne no corpo da personagem Bentinho em relação a adorável Capitu, a dos olhos de ressaca. Tomado pela paixão desenfreada, Bentinho vê e cria para si toda uma realidade outra de traição da sua Capitu com o seu melhor amigo Escobar; e no ínterim da sua desconfiança é levado ao trágico isolamento de si próprio. E no isolamento de si próprio sua vida transforma-se a ponto de desgastar-se, tornando-se palco de amargura - sentimento que mantém a caliça do romance machadiano.
Quando tomados por esse princípio da desconfiança nossa mundo se refaz às avessas - aquilo que vejo a pessoa amada me dizer pode ser tomado e é tomado sempre por um outro largo de leitura e desse dito uma outra realidade paralela se constrói; essa outra realidade é castrante. Ela vai como um besouro cavando a nós e nosso sentimento, a ponto de, aquele pilar que sustém a relação, o pilar da confiança, ser desgastado e ruir por terra. Uma vez por terra estamos outra vez sós. Impotentes perante a própria existência.
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