Biografia de Saramago

Por Ana Dias Cordeiro




Para conhecimento do escritor, tinham já sido escritos vários livros, alguns de entrevistas, ou teses de doutorado sobre José Saramago e a sua obra. Hoje é lançada a Biografia - José Saramago pelas Edições Pluma/Guerra e Paz, “a primeira”, segundo o autor João Marques Lopes, por ser até hoje a única a analisar a obra completa do escritor nascido em 1922.

A biografia, diz João Marques Lopes, lembra, além das obras, o papel da poesia, das crônicas no Jornal do Fundão e na Capital e da crítica literária na revista Seara Nova ou dos editoriais no Diário de Lisboa no percurso de José Saramago.

E retrata a infância na aldeia ribatejana da Azinhaga, em Golegã, a morte trágica do irmão mais velho quando Saramago tinha apenas quatro anos, a juventude em Lisboa e as adversidades da família, a importância de cada um dos seus familiares como a avó Josefa e o avô Jerónimo “capaz de pôr o universo em movimento apenas com duas palavras”. Conta, muitos anos mais tarde, o encontro com a segunda mulher, Pilar del Río, após o divórcio de Ilda Reis e uma longa relação com Isabel da Nóbrega e a ida para Lanzarote.

Mas o livro debruça-se, sobretudo, sobre o mundo e as personagens dos livros de Saramago e a realidade política que moldou o militante para além do escritor, poeta e dramaturgo que foi também crítico literário, cronista e pensador. Saramago como Jean-Paul Sartre são “intelectuais totais”, escreve Marques Lopes. Com uma diferença: Saramago, ao contrário de Sartre, partiu do nada como revela a impossibilidade de tirar um curso superior ou a necessidade, já referida pelo próprio em Cadernos de Lanzarote, de ir à Sopa dos Pobres.

O livro põe em perspectiva essa imagem de um sobrevivente e autodidata - nota o tempo passado nas bibliotecas - que supera críticas e adversidades e é distinguido com muitos outros prémios antes de receber o Nobel da Literatura em 1998.

João Marques Lopes - que tem publicadas biografias de Almeida Garrett, Fernando Pessoa e Eça de Queirós - nota episódios menos conhecidos de Saramago como a recusa de uma oferta milionária para a adaptação de O Memorial do Convento para o cinema.

E realça o lado humanista do escritor que transporta para os livros personagens simples e anônimas, próprias de uma rudeza da vivência rural. “Sobre todos [os familiares mais próximos], Saramago deixaria algo escrito”, lê-se na biografia.

O livro retrata com algum pormenor o percurso político do escritor, com a sua ligação ao PCP, a passagem pela direcção do Diário de Notícias, que coincidiu com o PREC e o Verão Quente de 1975 e que motivou acusações contra Saramago de ser um agente mandado para impor uma política ditada pelo PCP. Nesta passagem, o livro foca em especial o caso do saneamento dos jornalistas que se opunham à linha editorial do jornal e explica que o papel do escritor nesses saneamentos foi enquanto participante num “ato coletivo” e não como responsável. Essa é uma das duas polêmicas no percurso de Saramago referidas em pormenor neste livro. A outra é a do veto do Governo português em 1992 à candidatura do livro O Evangelho segundo Jesus Cristo para o Prémio Literário Europeu.

O autor escreve com base nos livros já escritos sobre o escritor, nas suas obras, nas suas crônicas e em conversas com pessoas que lhe são próximas mas que não revelam o nome. Os pedidos de entrevistas ao escritor ficaram sem resposta.

Embora João Marques Lopes recuse a ideia de esta ser uma biografia em homenagem a Saramago, nota-se neste retrato um tom de elogio - o mesmo que o autor confirma em entrevista ao P2 ao realçar “a capacidade do escritor em se fazer a si próprio” e “a firmeza e a confiança de Saramago nos seus projectos literários”.

Saramago começa com Terra do Pecado, em 1947, e mais tarde, em textos de prosa e poesia, mostra-se alheio às tendências da literatura, mas resiste e afirma-se, em 1980, com Levantado do Chão e, depois, Memorial do Convento, como portador de uma inovação criadora e um estilo único com nome próprio - “estilo saramaguiano”.


* Texto publicado inicialmente no diário português P2.

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