Os livros mais bacanas de 2009

Por Pedro Fernandes



No fim de ano são colocadas em pauta, de papel ou de mente, os feitos e os desfeitos do ano que termina e projetam-se novas possibilidades para o ano que se inicia. Tem sido sempre assim e escapar desse ciclo, me parece, é tarefa fadada ao fracasso. Em 2008, aderi à moda das listinhas e coloquei aquilo que a meu ver foram as grandes presenças que me marcaram. Como tudo é cíclico, cá estou de novo a apontar os feitos que me serviram para ser a pessoa que hoje sou. Limito-me aos livros. Li muito esse ano, creio que mais ainda que nos outros anos, e cito algumas obras geniais, por tudo que este termo abarque. Não é, portanto, esta lista, uma que vise destacar aqueles títulos publicados no ano, mas aqueles que li e deixo o registro em sintonia com a recomendação.

1. Os sertões, de Euclides da Cunha: desde quando cursava o Ensino Médio que ouvia da professora de Língua Portuguesa que este, juntamente com a obra de Machado de Assis e de Guimarães Rosa (e não sei essa professora era, de fato, uma leitora) estava no rol dos livros mais difíceis de ler. Depois que li dois romances de Machado de Assis e alguns contos de Guimarães Rosa pude constatar que não é bem esse o termo, dificuldade, a definição mais bem apropriada para a literatura desses escritores. Cada um tem suas peculiaridades e são elas motivadoras para a existência de determinadas barreiras que cabe ao leitor ultrapassá-las a fim de alcançar uma leitura mais ou menos acabada da obra. O livro de Euclides da Cunha era o último que me faltava para ter essa conclusão contrária à de minha professora no passado. Dividido em três partes, como se o escritor preparasse o terreno para a construção de um grande universo narrativo (caso que se desenrola na terceira parte), o livro é, talvez um dos mais completos da literatura brasileira, se pensarmos na própria indefinição se estamos mesmo num livro literário ou não. E a maior força da obra está na capacidade linguística que, como em Guimarães Rosa, constitui-se num caso à parte na nossa literatura.

2. Fogo morto, de José Lins do Rego: alguma vez eu escrevi sobre minha relação preconceituosa (e da qual hoje me envergonho) em subestimar algumas produções da literatura brasileira porque estava tomado, sobretudo, pela posição irrisória de uma parte da leitura crítica do centro-sul do país. Isso se deu principalmente com Jorge Amado (autor que tive o privilégio de redescobri-lo sem os olhos alheios muito recentemente); e aconteceu também com José Lins do Rego, autor de uma obra para a qual sempre fiz uma cara vazia ante algumas leituras que pude acompanhar em congressos que frequentei nesses últimos anos. Mas, o acaso me fez quase obrigar a ler Fogo morto. E qual foi a minha surpresa? Uma obra que, a modo da obra de Jorge Amado, descobre (ou registra) uma parte esquecida ou pouco-quista do Brasil para o próprio Brasil. Que o tempo me permita voltar mais vezes a obra do paraibano. O que me chamou atenção no romance, foi a capacidade de José Lins reengendrar a ideia de linearidade da narração.

3. Leite derramado, de Chico Buarque: Desde a publicação de obras como Budapeste, que o nosso maior compositor é também um dos escritores mais inventivos da literatura brasileira contemporânea. Este romance, lido por nomes como Leyla Perrone-Moisés como o que integra uma linha de obras como a de Machado de Assis, por exemplo, reforça ainda mais essa ideia. Chico-romancista veio para ficar. E é bom! E, não é apenas essa integração à tradição literária brasileira; é a capacidade de reinventar a forma romanesca pela interseção estrutural dos gêneros textuais diversos. No caso desse romance, a saga familiar é tornada forma para o romance; dessa relação, Chico ainda reconstrói aquilo que parece nos faltar desde Machado, um bom narrador. E é com esse tipo muito bem construído que consegue reapropriar-se dos mais de quinhentos anos de história do Brasil sem ser longo, prolixo ou cansativo.

4. Dom Quixote, de Miguel de Cervantes: A obra dispensa apresentações porque é, para grande parte dos estudiosos da literatura, a novela que deu forma à nova maneira de construção do romance. As aventuras do cavaleiro e seu fiel escudeiro estava na lista dos clássicos que preciso ler. E, num momento muito singular, consegui ir até o outro lado desse itinerário dividido em duas partes e constituído de mais de novecentas páginas (a edição que li, confesso, não me ajudou muito o que tornou em parte uma leitura tão divertida num certo suplício; é a edição publicada pela Aguilar em papel bíblia e com aquela fonte de deixar qualquer vista cansada, por isso recomendo a edição da Editora 34). O livro de Cervantes confirma ser uma das obras necessárias a todo leitor, sobretudo, se ele já dispõe de uma maturidade leitora mais ou menos formada.

5. Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski: Quase todo mundo começa a ler o escritor russo a partir de Os irmãos Karamazov. Aí para contrariar um tanto essa estatística resolvi começar por um romance sempre descrito como cansativo pela engenharia psicológica construída por um narrador que torna livre a personagem e busca apreendê-la em sua diversidade e contradição. Sim, o que mais perturba é esse exercício psicológico único na literatura; somos capazes de estar ao lado de Raskolnikov, sentir sua respiração ofegante e, claro, ir parar na Rússia descrita por Dostoiévski. Receio que nunca mais encontrarei nada igual na literatura. Se do livro de Cervantes indiquei a edição publicada pela Editora 34, volto a recomendar a tradução de Paulo Bezerra publicada pela mesma casa. Não sou nenhum leitor de russo que possa dar pitaco se esta é ou não a melhor tradução de Dostoiévski no Brasil; mas é, sem dúvidas a mais confiável pela experiência grandiosa de Paulo, além do que, há uma coisa que me atrai nos livros dessa editora (sem merchandising) e é a qualidade das edições.

6. A metamorfose, de Franz Kafka: Este livro eu li ainda quando estava no primeiro ano da minha graduação em Letras. Foi o primeiro do escritor tcheco; depois li O processo, Carta ao pai... E agora em 2009, bateu-me o desejo de reler alguma coisa de Kafka, embora esteja pousado na estante o romance inacabado O desaparecido ou Amerika. Daí voltei à vida desse sujeito Gregor Samsa que tanto tem servido aos leitores iniciantes da obra kafkiana. O bom das releituras, além de rever alguns coisas que ficaram despercebidas, é o de reavivar determinadas sensações despertadas pela obra; por exemplo, a opressão claustrofóbica que Kafka imprime ao drama de sua personagem, ela voltou a se fazer presente como há cinco anos.



7. Caim, de José Saramago: Este foi o último romance que o escritor português publicou em vida. Apenas essa consideração é suficiente para despertar no leitor a curiosidade pela sua leitura. Principalmente quando sabemos que o autor, além de ter sido o primeiro que escreveu em língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel da Literatura, é desde a escrita de obras como Memorial do convento, O ano da morte de Ricardo Reis e O evangelho segundo Jesus Cristo um dos maiores nomes da literatura universal. O livro é breve, divertido e carregado da acidez de José Saramago contra o discurso da religião que tem pela Bíblia um mapa de salvação e de redenção do homem. Evidentemente que não é uma obra de grande fôlego como os romances antes citados, por exemplo, mas é, sem dúvidas o fechamento de outro círculo para além do seu projeto literário: o retorno ao tema fundamentado em O evangelho. Claro que li outros livros de Saramago neste 2009. Mas, preferi escolher este para completar essa breve lista.

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