Entrevista com Leontino Filho
No domingo, dia 01 de novembro, o Caderno Universo, do jornal O Mossoroense, publicou entrevista da jornalista Larissa com o poeta Leontino Filho. Vale a pena ouvi-lo, ou melhor, lê-lo. Por isso, recortamos a entrevista para os leitores deste espaço e, claro, como uma alternativa de que ela, acontecimento raro, circule em mais espaços na web. Antes, deixa eu apresentar quem é o poeta (de quem sou devedor de uma post neste espaço há muito prometida): além de ter sido meu professor, orientador e fiel conversador de corredor sobre Literatura e quem deu gás a publicação do jornal Trabuco (que a essa altura não sei como anda), Leontino é poeta (e dos grandes). Autor de obras como Cidade íntima, que li e recomendo, Atualmente seu novo trabalho é o Geometria do fragmento, livro de ensaios sobre poesia e literatura.
Você
publicou seu primeiro livro com 22 anos de idade. Descobriu cedo o talento para
a poesia e as letras?
Sim, principalmente como leitor. Muito cedo acabei me identificando com a
poesia. Foi assim a partir dos 14, 15 anos. Também tem a ver com a educação.
Estudei no Colégio Marista e lá sempre tinha rodas de poesia. Assim acabei me
identificando com o texto poético.
Por que
a predileção pela poesia?
Eu acho
que a poesia é um texto que trabalha mais com a acuidade. A poesia trabalha com
a palavra na sua densidade maior. Existem romances que também fazem esse jogo
com as palavras. Mas no caso da poesia, é o trabalho com a linguagem de
carregar as palavras com a questão da vida, do sentimento... Então eu reputo à
poesia o exercício máximo da linguagem. E esse exercício máximo da linguagem é
um desafio pra gente. Quer dizer, retratar as questões da existência humana, da
minha existência, através de um trabalho com a linguagem.
A
linguagem liberta?
Ela
pode lhe libertar, mas pelo que ela significa. Quer dizer, a linguagem é a
significação da gente. Nós existimos através dessa significação da linguagem,
seja ela de que tipo for: verbal, ou não verbal. A gente só é significante a
partir da linguagem. Só nos reconhecemos através da linguagem. Mas ela
aprisiona porque quando você não consegue se expressar, você se limita.
Quer
dizer que a pobreza do vocabulário aprisiona e a riqueza favorece essa libertação.
É.
A literatura não se faz com pobreza de linguagem. Não existe literatura pobre.
Não é arte. Quando se diz que linguagem de fulano é pobre, no sentido de que
ela é reduzida, deixa de ser arte, deixa de ser poesia, deixa de ser romance.
Na poesia a linguagem é trabalhada no sentido de dar significação à existência
da gente, à experiência da gente. É nesse sentido que eu falo.
Nas
suas poesias, qual a mensagem, a motivação?
A
gente costuma dizer que só deve se manifestar quando se sente feliz com aquilo.
O que motiva alguém a escrever? É a necessidade. Em tudo você só faz quando
precisa. Então a poesia, a arte de forma geral, não pode ser forçada. Por isso
a pessoa às vezes passa muito tempo sem escrever nada. Mas chega um momento em que
sente necessidade de dizer. Só que está tudo trabalhando dentro do texto, da
sua vida... Quer dizer a vida pede para você dizer aquilo, pra você se
manifestar sobre a existência, sobre o amor, sobre a morte... São os temas
sempre usados, em todos os tempos. Agora, cada um vai significar esses temas
recorrentes.
Assim
pode-se dizer que os temas se repetem.
Claro. Agora a forma como eles fazem é que os diferencia. É como se fosse um
trio: se fala de vida, amor e morte. Então tem o texto trágico, o romântico.
Tudo depende de como você vai tratar disso. Como um romance, uma peça de
teatro, uma poesia. Por exemplo, Maiakóvski diz que todas as cartas de amor são
ridículas. Mas elas só existem porque ele vai dizer que elas são ridículas. O
tema em si muitas vezes é o menos elegante da história. O que vai elevar esse
tema é a forma como você vai burilar. A arte como um todo é motivada por essa
paixão. Às vezes uma paixão doentia, quando se torna obsessão.
Quando
um poema termina de ser escrito, o que acontece?
Ele
passa a ter vida própria. Às vezes o próprio autor quando lê percebe coisas
novas. O grande texto de uma forma geral permite várias leituras. Ele se
pereniza através disso. Por que você lê um autor depois de 400, 500, mil anos?
Porque ele se pereniza através do texto, das palavras. Por exemplo,
Shakespeare, Cervantes. Então o texto não acaba no ponto final. Ele se amplia
para o próprio autor e para o leitor.
Dos
livros que você publicou, qual você gosta mais?
Foi quando eu passei por uma fase de pulsão e fiquei vários dias, meses,
escrevendo. É o livro Cidade íntima. Mesmo assim foi uma coisa pensada,
meditada. E foi a partir dele que eu norteei outros textos que eu tenho hoje. E
tem também o Sagrações ao meio, que foi um livro artesanal, que produzi com
sobras de papel de uma gráfica lá de Pau dos Ferros. Este livro acabou saindo
tão bem feito como um objeto de arte.
A
maioria dos poetas sempre tem uma outra profissão...
Você pode ser uma jornalista e a poesia tomar conta de você. Eu, por exemplo,
sou professor. Porque não dá pra viver de poesia neste país. Os grandes poetas
brasileiros, os escritores, tinham outra atividade. Eles procuravam atividades
mais próximas a deles. Jornalismo por exemplo, professores. Drummond e Rubem
Braga eram cronistas. Mário Quintana era tradutor. No meu caso, sou professor.
Alguns dizem que atrapalha a poesia sendo professor, de tão enfronhado na
teoria, essas coisas. E quando fazemos a obra isso tudo vem refletido. Claro
que a obra, o formato, isso tudo reflete a vivência, a experiência que a gente
tem. Não há como fugir disso, há uma necessidade de traduzir isso, a própria
existência.
O
poeta, o artista... eles se expõem. É preciso coragem para isso, de se expor a
críticas, à opinião pública...
A
coragem de mostrar a verdade. E essas verdades têm suas ambiguidades. Mas você
precisa ser verdadeiro com você mesmo, de traduzir essa verdade, no sentido de
ser um fingimento verdadeiro ou uma verdade mentirosa. Porque a arte é
esse espelho, e que espelha várias verdades. Então a coragem é nesse aspecto, é
a pulsão de se expor. Há escritores que passam a vida toda sem publicar um livro,
um poema. O máximo que fizeram foi mostrar a um amigo, a um colega. Qual a
necessidade que eu tenho de expor aquilo que eu penso para alguém, para a
sociedade? É como eu falei: para ter uma significação, um sentido. Então essa
coragem se dar pela necessidade da busca de uma verdade, se essa verdade
realmente existisse. E a gente supõe que ela exista. E existem várias maneiras
de se dizer alguma coisa. Ao se buscar essa exposição surge um ponto muito
positivo que é a leitura, que pode ser totalmente diferente de uma pessoa para
outra. Às vezes você escreve uma frase e não acha muito legal, chega alguém lê
e se identifica. Isso é um prêmio! É ter uma ressonância, um “feed-back” de
algo que você criou.
Há muito
tempo que você não publica nada.
(risos) Na verdade, eu tenho pouca coisa publicada em forma de livro, mas eu
tenho muitos poemas que não têm sido publicados.
Não
está querendo se expor...
(risos) ... de não se expor em livros, Larissa! Porque eu tenho muitos poemas
que estão circulando na internet, em publicações esporádicas, revistas, sites.
É importante ter o livro porque ele facilita o acesso. Vai chegar uma hora em
que vou precisar organizar isso aí.
Falando
em linguagem e mudando de assunto. Que caminhos você vê para melhorar o nível
cultural do povo em geral?
Já
é redundante. Mas o único caminho é a leitura. Na verdade só existem duas
grandes atividades na área da educação: ler e escrever. Ou seja, a partir do
momento em que você reflete através da leitura, de certa forma ela lhe
encaminha e facilita as outras coisas. Não existem fórmulas mágicas, as pessoas
é que criam fórmulas mágicas só para não resolver. A leitura é que vai abrir
novos caminhos. E isso não afeta apenas as pessoas analfabetas. Há uma gama de
pessoas alfabetizadas, pós-graduadas e tudo mais que não fazem o exercício da
leitura. Não leem romances, não leem poesias. Essas pessoas contribuem e muito
para a falta do hábito da leitura, e para esse estado de coisas. Então, o que
faz melhorar o nível cultural das pessoas? Só a massificação da leitura. A
educação tem que estar destravada desses mecanismo de fórmulas mágicas, pois
isso não existe. Por isso que nunca se resolve isso. E a solução é simples:
massificar a leitura. Ou seja: quem é mais analfabeto? Quem não sabe ler, ou
quem sabe ler e não lê? Na minha concepção é quem tem todas as informações e
não lê. Que adianta isso? Continua aquela coisa bitolada, aquele conhecimento
estancado.
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