Doze livros fundamentais da poesia brasileira
Costuma-se
dizer que, no Brasil, de louco e poeta todo mundo tem um pouco. E tanto é
verdade que não precisa ser um leitor de poesia para saber que este é um dos
gêneros mais praticados por aqui; está em toda parte e todo mundo, mesmo quem
nunca terá se aventurado na oficina do verso, conhece alguém que o faz ou mesmo
já publicou livro.
E há uma
série de especulações possíveis para o fenômeno: um deles, é a dada graças à
própria língua. A proximidade entre oralidade e escrita no português é, certamente,
um dos fatores favoráveis à alta estatística de criação poética; outro, o primitivismo
do gênero – isto é, por mais que o poema cada vez mais se assuma como um texto fabricado e que exige longo tempo de
estudo e de leituras ainda se tem a noção de que para fazê-lo é suficiente está
munido de uma força subjetiva, seja qual for, e traduzir esses estados para o
papel; mais outro, e esse de cunho mais universal, todos passam em alguma vez
na vida por estágios de profunda transformação do eu, a dor da perda, o amor
resolvido ou mal-resolvido etc.
Mas, entre
tanta tinta e tanto papel que se gasta para guardar um poema, qual terá sido os
livros que compõem uma história do gênero no Brasil? Isto quais livros são indispensáveis
à nossa cultura poética e, claro, a todo aquele que se aventura na tarefa de escrever
versos? Eis uma pequena lista cujo interesse é o de saciar parte da curiosidade
levantada por essas duas questões.
- Poesias, de Gregório de Matos
Conhecido como
o Boca do Inferno, a extensa obra do poeta compõe as raízes da poesia satírica,
de piada, do erótico e de protesto no Brasil. A riqueza do seu trabalho está em
oferecer um painel multissignificativo do Brasil colônia, a denúncia que fez
sobre os desmandos numa terra ninguém e toda a sorte de vícios que historicamente
se estabeleceram com triste marca que carregamos ad eternum. É uma obra indispensável, pela maneira como o poeta consegue
equilibrar-se sempre num complexo jogo de antíteses que coloca em relação condições
como o sagrado e profano, o sublime e o grotesco, entre outras.
- I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias
O autor de
um dos poemas mais glosados da literatura brasileira, “Canção do exílio”, compôs
com esse poema uma síntese de seu trabalho poético-literário. Apresentado como
um marco do romantismo nacional e do movimento indianista, do qual o poeta foi
fiel representante, o poema é um retrabalho do épico e sua fusão como drama que
relata a bravura e a generosidade dos índios tupi e timbira.
- O Guesa,
de Sousândrade
Esta sempre
é definida como uma das obras mais complexas da nossa literatura poética. Trata-se
de um poema que bebe na fonte do épico; composto por 13 cantos, o texto se
baseia numa lenda indígena e irradia como um trabalho inovador tanto do ponto
de vista criativo, figurativo, linguístico e estético-formal. Trata-se de uma
obra que, por sua natureza heteróclita levou muito tempo até alcançar o devido
reconhecimento.
- O navio negreiro, de Castro Alves
Publicado a primeira vez no livro Os escravos, este é um
poema que assinala uma fase das mais significativas do nosso romantismo
– a de intervenção crítico-heroica – e da obra do seu autor. É um lamento de forte impacto sonoro e visual
sobre o trágico destino dos negros, milhões deles estão aí aglutinados, no período
selvagem da escravatura; quando eram raptados de suas terras para, se sobrevivessem
a uma longa travessia em mar aberto, terem uma vida sobre a qual o branco cometia
toda sorte de abusos simplesmente pela ganância da posse, do mando e do usufruto capital.
- Eu, de Augusto dos Anjos
“Vês! Ninguém
assistiu ao formidável / Enterro de tua última quimera”. Os versos desse poema,
“Versos íntimos”, é quase cantiga popular entre uma diversidade de gerações de
leitores. E Eu, a única obra do poeta
paraibano, é, certamente, uma das que mais circulam: tanto que sempre se publicam
edições por editoras diversas com atrativos de toda sorte e todas elas ganham o
gosto do leitor. O vocabulário saído de uma enciclopédia de medicina e os temas
nada usuais à poesia levaram o poeta a ser rejeitado por seus contemporâneos –
mas a maneira como se utiliza desses elementos para tratar sobre a degenerescência
da existência faz o leitor sempre irmanado com o objeto poético proposto por
Augusto dos Anjos.
- Alguma poesia, de Carlos Drummond de
Andrade
Aqui poderíamos
escrever outros títulos do poeta como Claro
enigma ou A rosa do povo, duas
obras singulares da nossa literatura. Mas citamos esta porque nela está toda a
potência do poeta que explodida geraria um universo amplo, diverso e dinâmico capaz
de dar forma a esses outros títulos aqui citados. A sensibilidade do lírico, o
humor, a inteligência, e a maneira despojada de tratar do trivial – marcas de
sua poesia – estão em boa dose neste livro considerado um dos marcos do
modernismo no Brasil.
- Libertinagem, de Manuel Bandeira
O poeta, sem
dúvida, está entre os mais bem-quistos do leitor brasileiro. Manuel Bandeira escreveu
uma obra multissignificativa para a nossa literatura e foi também um dos que
tratou de organizar uma compreensão didática de nossa produção poética; neste
título, em específico, ele não apenas nos apresenta a outros nomes que poderiam
cair facilmente no esquecimento como compõe uma síntese fundamental a todo
leitor que decida fugir de listinhas como esta. Quanto a Libertinagem, trata-se de uma obra que rompe com os padrões regulativos do poético e, tal como Drummond,
mete-se com o tratamento de refigurar o cotidiano através de uma linguagem
simples e despojada.
- Pau-Brasil, de Oswald de Andrade
A consolidação
do poema-piada, da memória como trabalho do fazer poético, a atenção para com
situações que normalmente não seriam matéria de poesia e, claro, uma marca
desde o nome, do projeto idealizado pelo poeta com a Tarsila do Amaral, estão
neste livro genuinamente interessado em fazer uma poética verde-amarela tal como
sonhavam outros desde Gonçalves Dias. A obra de Oswald é fundamental ainda para
compreender o lugar de poetas como Paulo Leminski, Cacaso, entre outros da chamada
geração dos anos setenta cuja penetração tem sido cada vez mais recorrente
entre os leitores mais jovens.
- Pauliceia desvairada, de Mario de
Andrade
Se o livro
de Oswald é símbolo do projeto Pau-Brasil; este é símbolo de todo o modernismo –
ao menos daquilo que esteve em suas bases de criação. Nele o poeta refunda o
seu berço através de uma diversidade de olhares e de sentidos; transforma a São
Paulo dos anos vinte numa gigante capaz de produzir no transeunte toda a sorte
de vertigem que a Paris produziu para Baudelaire. O olhar do poeta não é o se
fixa mas o que percorrer desvairadamente o corpo desse espaço tornado objeto de
reflexão poética.
- Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima
Dez cantos
em estilo variado; textos marcados por toda a tradição poética ocidental – A divina comédia, a Eneida, Os Lusíadas – e uma
acurada atenção para a complexidade de nossa cultura e das camadas que se
entrelaçam na composição de nosso tecido identitário. Eis um dos poemas mais
importantes da nossa literatura contemporânea.
- Morte e vida Severina, de João Cabral de
Melo Neto
O poeta de
extremo cuidado com a linguagem; o poeta que buscou permanecer no projeto de
desautomatização do poema; o poeta que via o poema como um objeto de armar, de construir,
tal como um empreendimento, uma casa. Estas e outras características dão a João
Cabral o lugar entre os mais significativos poetas da literatura brasileira e
de língua portuguesa, pela maneira como terá produzido diversas outras linhas criativas
nascidas de sua percepção sobre o fazer poético. O livro aqui indicado é um dos
mais conhecidos do poeta e combina esse exercício rigoroso do verso com uma condição
de ser voz sobre uma parte invisível da nossa sociedade – tal como foi Navio negreiro com Castro Alves. Trata-se
de um conjunto de poemas dramáticos criados para um auto de Natal que narra a
saga de um retirante do Nordeste em busca de fugir da miséria.
- Xadrez de estrelas, de Haroldo de Campos
Esse é um
título nascido no interior de toda uma sorte de operações criativas gestadas
entre o trabalho com a palavra escrita e a imagem sonora e visual. O poeta é um
dos criadores da poesia concreta, um dos lugares-limite do exercício criativo.
Neste livro o leitor encontra uma seleção de seu trabalho de 1949 a 1974 sempre
marcado pelo excessivo exercício de burilar o linguístico na busca por uma nova
sintaxe – tanto para poemas curtos e longos – e estruturação da linguagem.
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