A poesia de Agatha Christie

A jovem Agatha Christie, quando escreveu seus poemas.

O que talvez poucos leitores de Agatha Christie saibam é que o interesse pela escrita de um romance policial nunca passaria, ao menos quando passou, pela cabeça da escritora não fosse o desafio proposto pela irmã numa conversa informal de que ela [Christie] não conseguiria escrever uma obra dessa natureza.

Até então, Agatha tinha lido muita novela policial (as protagonizadas por Sherlock Holmes eram suas preferidas), mas o que havia escrito, além de um ou outro conto sem grande valia, tinha sido poesia. Sim, a Rainha do Crime aventurou-se pelo ofício do verso.

Na sua autobiografia, escrita já quando os livros policiais caíam de moda, mas só publicada depois da sua morte, ela comenta: “Também eu escrevia poesia – talvez todo mundo a escreva, aos dezenove anos. Alguns dos meus primeiros poemas são incrivelmente ruins”, e recorda os versos de um que fez quando tinha só onze anos:

“Conheci uma pequena primavera, e que linda flor ela era,
Mas seu sonho era ser uma campânula azul e ter um vestido dessa cor”

E, além dos dois versos usados para ilustrar o quão ruim era sua poesia desse tempo, Agatha relembra o que se não foi uma obsessão sua, foi um gosto por largo tempo. “Quando atingi os dezessete ou dezoito anos, contudo, consegui melhorar. Escrevi uma série de poemas acerca da lenda de Arlequim: a canção de Arlequim, de Columbina, Pierrô, Pierrette etc. Mandei um ou dois desses poemas para The Poetry Review.”

E com os dois poemas enviados Agatha conseguiu ganhar um prêmio; feito que se repetiu a partir da mesma revista que publicou mais poemas seus.

“De vez em quando sentia-me tomada por súbita exaltação, e corria a escrever o que sentia borbulhar em minha mente. Não possuía grandes ambições. Um prêmio de vez em quando, conferido por The Poetry Review, era tudo o que eu pedia.”

E, enquanto relembra seu passado de pretensa poeta, Agatha apresenta o que para ela não é um poema “de todo ruim” – “pelo menos, contém algo do que eu ambicionava expressar”.

No Bosque

Escuros galhos nus contra um céu azul
(E o silêncio dentro do bosque),
Folhas inertes que jazem a meus pés,
Ousados troncos esperando sua hora
(E o silêncio dentro do bosque)
A primavera foi bela, à maneira da juventude;
O verão, com os langorosos dons do amor;
O outono, com a paixão que se transforma em dor:
Folha, flor e chama – caíram e falharam.

E a Beleza – a Beleza pura é deixada no bosque!

Escuros galhos nus de encontro à lua louca
(E algo que se move no bosque),
Folhagem que sussurra e se ergue dentre os mortos,
Galhos que acenam lubricamente na claridade
(E algo que caminha pelo bosque).
Rangendo e rodopiando, a folhagem está viva!
Levada pela Morte em diabólica dança!
Os gemidos e o balanço das árvores apavoradas!
O vento que perpassa soluçando e tremendo...

E o Medo – o Medo nu sai do bosque!

Agatha abandonou a possibilidade de escrever poesia quando vieram as extensas recusas à sua escrita em prosa. “Por natureza nunca foi uma pessoa ambiciosa, e resignei-me a não lutar mais. Escrevi ainda alguns poemas de que gostava, e creio que mais um ou dois contos”, relembra.


Ainda publicou o conjunto de poemas, The road of dreams, depois reunido numa antologia com toda sua obra poética.


Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #610

Boletim Letras 360º #601

Seis poemas de Rabindranath Tagore

16 + 2 romances de formação que devemos ler

Mortes de intelectual