Notas sobre “Três tristes tigres”, de Guillermo Cabrera Infante
Por William T. Little
Três tristes tigres, um romance
hispano-americano por antonomásia, exemplifica a dificuldade (se não a
impossibilidade) de aplicar critérios críticos tradicionais a uma narrativa
inovadora sem prejudicar sua própria integridade estética. Se Joyce logra exaltar
o heroísmo humano dentro da vulgaridade mediante a mais circinal perfeição
artística, e se Cortázar logra reconciliar a busca de valores absolutos dentro
do caos metafísico com a técnica labiríntica, Cabrera Infante se propõe
problematizar (mesmo sem aprofundar no modo habitual) o enredo das aparências
superficiais da vida em Cuba.
À primeira vista a pirotecnia linguística é a
meta mais patente da obra. Mas, sem dúvidas, como Gargantua e Pantagruel, As
viagens de Gulliver e Alice no país
das maravilhas, Três tristes tigres é
um romance humorístico de lances simbólicos. Além disso, estas quatro obras
apresentam uma trajetória lógica do mundo gigantesco de Rabelais, passando pela
alegoria política de Swift, até a fantasia parabólica de Lewis Carroll; Cabrera
Infante representa o último passo onde estes mundos ficcionais deixam de ser
espelhos intelectuais da realidade para ser a única realidade capaz de ser percebida
ou vivida. Enquanto que os outros autores mencionados usam a linguagem com fins
filosóficos e políticos, o romancista cubano apresenta um mundo que não pode escapar
da armadilha de sua própria linguagem.
O tema central, não obstante, é mais complexo
que o do Vanitas vanitatum et omnia
vanitas. Não se trata de um narrador onisciente que observa a ausência de
valores existenciais no mundo de suas personagens (como acontece em Sobre heróis e tumbas, de Sábato), mas
de círculos criadores em torno do tema de traduttore
traditore: isto é, predomina o pressentimento de que as personagens traem
sua essência no ato mesmo de se expressar; da mesma maneira o romancista
deforma a realidade ao recriá-la artisticamente.
Ao contrário de Rabelais,
Swift e Carroll que dão ênfase na separação absoluta entre a realidade e a ficção
para aumentar a intenção satírica, Cabrera Infante emaranha totalmente estas
duas categorias, e ao contrário de Ulysses
e Finnegan’s Wake, onde a arte é um
valor salvador e independente da realidade, a criação romanesca e o mundo recriado
são uma unidade inseparável neste romance cubano. Ao negar que o idioma e a
arte podem refletir a realidade de fora se destrói a possibilidade de empregar
a técnica da perspectiva narrativa (cf. Wayne Booth, The Rhetoric of Fiction). O resultado é uma obra em que os jogos
linguísticos se amontoam ad nauseam,
as novidades estruturais proliferam e as personagens pateticamente encarnam uma
auto-zombaria da qual só escapam na morte. Neste sentido Três tristes tigres é um autêntico anti-romance.
O próprio
título indica um enredo lógico. Superficialmente não é mais que um
trava-línguas dito num momento de diversão por Bustrófedon: neste caso recorda
a frivolidade do título do anti-drama de Ionesco, La cantatrice chauve. Ao contrário, é possível interpretar os três
tristes tigres como Eribó o músico, Códac o fotógrafo e Bustrófedon o homem dos
jogos verbais e mentais. De acordo com esta interpretação, as três personagens
aproximam-se, pelo seu modo de expressão, ao tema geral do problema da comunicação.
Mas neste caso surge claramente a multiplicação infinita de interpretações. A
solução mais segura é vincular a complexidade ao propósito humorístico-simbólico
sem buscar um simbolismo sistematicamente rígido.
O parentesco
desta obra com Lewis Carroll se manifesta na citação do autor colocada antes do
Prólogo: "E tentou imaginar como seria vista a luz de uma vela quando
estivesse apagada”. Além da importância temática do ritual afro-cubano, o romance
em si é um rito de iniciação na vida noturna de Havana e de consagração dos
segredos indecifráveis da fala cubana. A vela apagada simboliza tanto a ausência
de fogo vital nas personagens como a decadência cubana em geral.
Embora o romancista
compare a Cuba castrista com a vela apagada, o ambiente do romance não é o do comunismo
malogrado, mas o do cinema e da publicidade estadunidenses que converteram as
bases arcanas da cultura cubana numa monstruosidade híbrida. Esta influência nociva
aparece na superfície do Prólogo, o qual é a introdução bilíngue a um espetáculo
noturno no Cabaré Tropicana. Esta cena inicial é, na realidade, a entrada ao
labirinto teatral de máscaras, cosméticos e falsidade. O mestre de cerimônias traduz
mal e, com muito mal gosto, prepara o ambiente de espelhismos ao apresentar ao
público várias personagens que voltam a aparecer: por exemplo, Mr. Campbell,
apresentado como o chefe da empresa de sopas, não é mais que um turista
estadunidense. Ao terminar seu discurso o mestre de cerimônias diz que procederá
sem mais traduções. Mas, não cumpre a promessa. Assim é que o romance inteiro é
uma série de traduções, ou seja transposições existenciais, linguísticas e
artísticas que apontam implacavelmente para a última palavra: Tradittori (sic.) Apesar de várias
tentativas de evitar a mediação na comunicação (notavelmente La Estrella, que canta
sem instrumentos, e Bustófedon, quem cria verbalmente sem escrever) todas as
personagens estão condenadas à inautenticidade e à impossibilidade de penetrar
a superficialidade.
Entre o
Prólogo e o Epílogo oculto mediam oito seções de extensão desigual, dentro das
quais se intercalam oito fragmentos de “Ela cantava boleros” e onze de uma
mulher em entrevistas com seu psiquiatra. O primeiro capítulo, seguindo o tema
do teatral exposto no Prólogo, se intitula “Os debutantes” e apresenta uma
narrativa breve por nove personagens distintas que participam ou na vida da
fofoca (como a menina aldeã) ou no ambiente misturado de cinema e violência
adventícia de Havana (como os dois irmãos) ou na espiral caótica do romance (como
Arsenio Cué buscando emprego). O estilo narrativo dos nove fragmentos deste capítulo
se ajusta à fala de cada narrador e varia do dialeto vulgar de uma mulher que
desabafa ao fluxo de consciência de Códac, o fotógrafo bêbado, e ao estilo
esmerado de Cué, o futuro ator. Apesar da aparente ausência de nexos lógicos,
todos estes episódios se ligam estruturalmente na necessidade do diálogo e
episodicamente na realidade cubana. Mas da mesma forma que os diálogos estão
truncados (por exemplo, só se escuta uma voz de uma conversa ao telefone), a
realidade concreta está marcada por falsificações.
Assim, numa carta uma mulher
explica a uma amiga que a filha desta, ao tornar-se famosa como modelo de
propaganda comercial, mudou seu nome de Gloria Pérez para Cuba Venegas. Através
de toda obra se repete o equívoco e a interpenetração da personagem Cuba e o
país: os dois são postiços. Isto é, a direção não é sempre do autêntico ao
artificial. No primeiro capítulo Ribot é um desenhista negro que pede
inutilmente um aumento de salário; ao tornar-se um tocador de bongô sabe
expressar-se no idioma pessoal dos bongôs, mas esta auto-expressão excede os
limites da vivência individual. Seu amigo Bustrófedon reflete esta mudança de
profissão batizando-lhe como o novo nome de Eribó, que recorda o título do
segundo capítulo: “Sesiribó” significa tabu ou segredo no ritual de magia afro-cubana
cujo instrumento principal é o tambor.
Além da relação de Eribó com uma
realidade nacional e racial, ele se envolve na realidade linguística de
Bustrófedon, e sendo tocador de bongô à noite se vincula à vida estrambótica
dos que escutam ele tocar: Silvestre, Vivian Smith-Corona e Arsenio Cué. O
episódio em que este se torna ator ao simular a morte exemplifica o problema da
falsificação nos níveis da existência das personagens e da narrativa. Esta
seção termina com o aparente assassinato de um jovem recém-chegado a Havana. Compreende-se
mais tarde que Cué está narrando as raras circunstâncias que o fizeram ator,
mas se misturam a ficção e a narração na mesma situação referida pelas
personagens nas páginas nas quais aparece o episódio.
O jogo de
números não se limita à consciência por parte das personagens de que são fictícias,
tampouco ultrapassa o diletantismo. Por exemplo, Cué se refere à “perfeição” de
números tais como 101 (duas unidades rodeiam o nada), 88 (dois números compostos
visualmente de zeros) e 69 (um número que se reflete vertical e
horizontalmente) etc. A complexidade numerária se destaca mais no motivo do
três que reúne os temas do cubano, da música, do jogo linguístico e da técnica
narrativa. Além de Silvestre, quem tem a tendência de fazer seus comentários em
séries de três, Códac, o fotógrafo da noite, representa a encruzilhada do
significativo e do superficial.
O fato de que só se atualiza embebedando-se, de
que só se conhece por seu mote burlesco e de que sua voz narrativa é a do fluxo
de consciência indica que sua profundidade é da casualidade intuitiva. Sua
função estrutural é desenvolver a figura patética de La Estrella, a gordíssima
negra que canta boleros nos bares noturnos de Havana. Ela simboliza hiperbolicamente
o prodigioso sensualismo do ritmo afro-cubano, além de cândida sensibilidade de
uma cantora ignorante que canta sem artifícios, sem acompanhamento arrivista.
Mas seu virtuosismo e sua ingenuidade são seu defeito trágico que termina
inevitavelmente em sua morte causada por uns empresários que a transformam ao convertê-la
num êxito comercial. Três tristes tigres
alcança sua maior transcendência na confluência de técnica caótica e de fundo
patético na história de “Ela cantava boleros”, tal como a interpreta Códac.
O
bolero é um baile que se compõe de três partes com a possibilidade de variações
sobre os temas centrais. Por isso, ante o fracasso da justiça humana, La
Estrella encarna a base da tragicomédia cubana vista em termos relacionados a
uma fortuna artística, o bolero. Com este motivo, Códac identifica a solidão
existencial de todas as personagens ao dizer que Cuba é uma “Ilha de músicos
solistas” e de equívocos ditos por um tartamudo. Complica-se o ambiente de
delírio kafkiano ao fixar-se na estrutura na base de três o patetismo existencial.
Códac assevera que “a vida é um caos concêntrico”. Ao ter em conta que três
pontos definem um círculo e que a imaginação geométrica de Bustrófedon concebe
o pesadelo como um espiral, se justifica (pelo menos ad hoc) a proliferação ao parecer gratuita de adjetivação triplicada,
do uso do parêntesis triplo e da importância da hora três. Se se valoriza todas
as vozes narrativas do romance como uma busca de um estilo autêntico e
duradouro, se compreende que a ação gira em torno da criação da identidade.
Depois
da morte de La Estrella, Códac nota diferenças de estilo musical da negra numa canção
de Irena; diz que seu estilo “é algo que dura mais que uma pessoa e que uma voz”.
La Estrella e Bustrófedon encontram a autenticidade ao morrer, e Silvestre, Códac,
Cué e Irena são seus continuadores dentro do caos pessoal e de Havana. Estas quatro
personagens vislumbram a possibilidade de forjar um estilo consistente porque conheciam
pessoas que poderiam reunir a aparência exterior e o caráter interior. A mulher
que visita o psiquiatra representa o fracasso da busca da identidade: na última
visita ela se pergunta se é ela mesma ou se é sua amiga. A voz feminina do
Epílogo (Cuba ou a da psiquiatra?) recalca este tom negativo; termina o romance
com a frase: “Já não se pode mais”.
O terceiro capítulo,
“A casa de espelhos”, começa com a viagem de Cué por Havana tratando de converter
o tempo em espaço mediante a velocidade – uma tentativa frenética de
experimentar a quarta dimensão einsteiniana. Este episódio se desenvolve mais
detalhadamente no último capítulo, mas aqui serve para preparar o tom de uma cena
burlesca que demonstra a contradição de profundidade e superficialidade na busca
da identidade. Cué visita o departamento de duas amigas que se desumanizam com cosméticos.
Ao invés de embelezar-se chegam a ser criaturas falsas, e ao invés de ver-se
integramente no espelho se veem refletidas num abismo infinito. O capítulo
seguinte trata o problema da tradução como uma máscara que desfigura a
realidade, por pouca mínima ou problemática que seja essa realidade. Trata-se
de um conto escrito por Mr. Campbell, o turista visto no Prólogo, com as
revisões de Mrs. Campbell. Seguem duas traduções de Rine Leal que só aumenta o
mau gosto, os descuidos gramaticais, a banalidade e mistura estúpida de duas culturas.
Importa notar que este capítulo destaca o defeito maior do romance: se dissolve
a sutileza do tema de traduttore traditor
ao insistir gratuitamente no fato de que a reprodução sempre adultera o
original.
“Quebra-cabeça”
é o eixo estrutural do romance e apresenta a personagem cuja personalidade enigmática
contém a chave ideológica da tênue relação entre fundo e forma. Um bustrófedon é
a escrita em que se traça uma linha da esquerda para a direita e depois da
direita para a esquerda. Bustrófedon é então um recurso rebuscado de retórica
ao mesmo tempo que é a personagem que trata de forjar seu próprio estilo vital
ao fixar-se nas infinitas combinações de linguagem. Enquanto que o capítulo
anterior carece de alcance transcendente, a imagem do quebra-cabeça reúne os
níveis literários, físicos e simbólicos já que, paralelamente à La Estrella,
Bustrófedon morre quando um médico trata de curar-lhe sua dor de cabeça. Mas neste
contexto os jogos linguísticos, pitagóricos e espaço-visuais ao parecerem insensatos
chegam a cobrar uma dimensão de fundo patetismo humano ao mesmo tempo que colocam
a questão da base metafísica da criação. É óbvio que o propósito de Bustrófedon
(e do narrador) é ampliar os limites da percepção mediante livres associações
que não reconhecem fronteiras entre idiomas nem entre categorias mentais nem
entre dimensões físicas.
Mas estes tateios intelectuais seriam gratuitos se não
fosse o fato de representarem um nexo da mais profunda relação. O capítulo começa
com a pergunta retórica “Quem era Bustrófedon? Quem foi e quem será
Bustrófedon?” e termina com sua morte trágica. Isto é, o tema três vincula o
problema da temporalidade da personagem; ao agregar a esta estrutura a noção de
que a personagem se identifica estritamente com sua linguagem se destaca a frágil
a união dos níveis de vivência e a descrição da vivência. Assim, ao inteirar-se
da morte de seu amigo, Códac ataca furibundamente aos que destroem a
espontaneidade e a chama criadora pela imposição de perspectivas rígidas. Para seus
amigos íntimos Bustrófedon encarnava o continuum
entre a criação genial, as peças do intercâmbio humano e a brincadeira
gratuita. Além disso, ele coloca em relevo a verdade de que o idioma falado é a
fonte original da criação literária. Por isso as variações engenhosas do tema
da “morte de Trotsky referida por vários escritores cubanos, anos depois – ou antes”
são transcrições de improvisações espontâneas de Bustrófedon. Códac esclarece
que “Bustrófedon não escreveu, de fato, mais nada, se descontarmos as memórias
que deixou debaixo da cama, sob um urinol que fazia as vezes de peso de papel”.
As três primeiras páginas de “Algumas revelações” são brancas e as duas
seguintes se refletem como um espelho.
No início do capítulo “Quebra-cabeça” o
fotógrafo opina que Bustrófedon é como “uma charada sem resposta”, e na página
que se reflete acrescenta: “Uma brincadeira? E a vida de Bustrófedon foi outra coisa?
Uma brincadeira? Uma brincadeira dentro de uma brincadeira? Então, cavalheiros,
a coisa é séria”. Este é precisamente o problema central da valoração do romance.
Como no caso de La Estrella a brincadeira nesta figura enigmática parece transcender-se
ao relacionar-se com a morte, a qual se concebe como “o vice-versa”, “o
negativo”, “a sombra”, e “o outro lado do espelho”. Sem dúvidas esta não é mais
que uma solução provisional. Cabrera Infante não indica dentro da obra que haja
uma solução concreta aos problemas estéticos e metafísicos que suscita. Deixa-os
plantados em forma de uma eterna pergunta retórica.
“Bachanais”,
o último capítulo, é uma fuga em dois níveis simultâneos: concretamente Silvestre
narra a odisseia frenética em companhia de Arsenio Cué através da Havana
noturna, e ideologicamente é uma farra intelectual em torno de sua identidade
e, por conseguinte, se põe em juízo a integridade em geral. Não se trata
somente do relativismo cervantino, mas do caos universal tanto na história como
na potência intelectiva do homem para comunicar ante a incompreensão circunstante.
Com este motivo Cué comenta sem alardes de profundidade que “A histeria é um caos
concêntrico. A história, perdão”. O marco estrutural para este episódio épico-cômico
é a viagem de carro acompanhados de duas mulheres da vida que Silvestre e Cué
encontram em um bar. Elas encarnam a incompreensão total ante a rede incrível
que vão tecendo o ator e o jornalista à base de aforismos, disparates e
intuições de todas as categorias imagináveis. Referem-se à filosofia, à estética,
à moral, aos escritores internacionais, à personagens de outros romances e aos
do seu próprio mundo ficcional. Até mudam de personagem com tanta frequência que
num momento Silvestre exemplifica a crise do tempo narrativo: “Só então contei
a Cué. Quero dizer, agora”. Se o primeiro capítulo só apresenta diálogos truncados,
este capítulo não é, ao contrário, mais que uma longa conversa de dois homens
que buscam um estilo autêntico ao sondar as bases existenciais do diálogo. Concordam
que o homem individual deseja seja total, mas posto que é uma meta inalcançável
o ser humano é um “contraditório”. Se dão conta d que a única maneira possível
de buscar o estilo unitário (ou seja, a integridade pessoal) está no intercâmbio
vital. Os dois interlocutores enfocam esta dialética em problemas tais como:
Quem são? São pessoas ou ente ficcionais? São tradutores ou traidores? Concluem
que são pessoas só na medida em que refletem sua natureza contraditória.
Neste contexto
se apresenta provisoriamente a noção de que uma pessoa pode ser na verdade um “bustrófedon”,
isto é, um espelho vital. Cué sublinha que seu amigo prodigioso ignorou o palíndromo
por antonomásia: EU SOU. Semelhante aos episódios de La Estrella e de
Bustrófedon o episódio termina inevitavelmente na seriedade. A Silvestre
importa saber se Vivian é virgem porque deseja casar-se com ela. Cué diz que
morreria se fizesse uma mudança tão radical porque deixaria de cumprir seu
papel vital de ser contraditório. Silvestre volta ao seu departamento, e em
meio ao silêncio e a escuridão sonha com os falsos leões marinhos na piscina
onde viu Vivian. A última palavra do episódio que antecede o Epílogo, “tradittori”
(sic.), sugere que, de acordo com a teroia de Bustrófedon de que esta cifra
representa duas unidades perseguindo o nada, Silvestre se dá conta de que ele
que lhe havia servido de espelho vital havia lhe traído com relação à mulher com
quem havia desejado casar-se.
Trejo, o
redator da revista argentina Confirmado,
compreende Três tristes tigres da
seguinte maneira: “A excessiva ornamentação verbal do romance é ao mesmo tempo
seu próprio alimento, um infinito mordendo sua própria cauda... porque Três tristes tigres é um romance que
eternamente começa, um retrato poliédrico a partir de uma palavra que engendra
uma palavra que engendra uma palavra”. Este procedimento labiríntico se baseia
numa série de antíteses; a saber, a brincadeira e a seriedade, superficialidade
e profundidade, o mundo da arte e o mundo real, caos e unidade, destruição e criação,
e finalmente comunicação e incompreensão. Desde o simbolismo da citação inicial
de Lewis Carroll até o hermetismo críptico do Epílogo Cabrera Infante
desenvolve um tema que vacila entre a autoparodia e a universalidade. O procedimento
de embromar o argumento ficcional com a consciência simultânea do meio que cria
a ficção implica que o tema central é a artificialidade da linguagem. Silvestre
reflete esta conclusão que beira ao absurdo quando assevera que Cué “não queria
devorar quilômetros como se costuma dizer [...] estava, na verdade, percorrendo
a palavra quilômetro, e pensei que sua intenção é semelhante à minha pretensão de
gravar tudo na memória [...] ou à de Eribó, erigindo-se no som ambulante, ou à
do falecido Bustrófedon, que queria ser linguagem”. Por engenhosa que fosse
esta problemática não se resolve e se torna na espiral caótica e enigmática do
autêntico anti-romance.
* Este texto
foi publicado na Revista Iberoamericana e
traduzido para este blog.
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