Literatura e cidade: dez livros da literatura estrangeira
Há algum
tempo aventuramo-nos na ideia de organizar duas listas de leituras com obras
que tragam como espaço alguma cidade das inscritas no mapa-múndi; isso nasceu
desde quando editamos outra postagem sobre a relação entre literatura e viagem.
Na primeira
lista, exploramos obras da literatura de língua portuguesa; agora continuamos a
ousadia com a apresentação de livros de outras literaturas cujo foco é este, a
relação entre literatura e cidade.
Como lembramos
todas as vezes ao nosso leitor, está não é uma lista definitiva e sim um breve
guia através do qual poderá encontrar portas de acesso ao universo da leitura
literária; também não é nenhum um ranking;
e as sinopses são, em grande parte, copiadas daquilo que apresentam as
editoras.
1. Paris é uma festa, de Ernest Hemingway: esta
obra revela o nascimento do escritor
e sua obra. Na cidade luz, o estadunidense lê, pela primeira vez, clássicos
como Liev Tosltói, Fiódor Dostoiévski e Stendhal, além de, conviver com gente
como Gertrude Stein, James Joyce, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald. Paris e toda
essa verve lhe deu fôlego para acreditar na literatura como um exercício sério.
A cidade de Hemingway é preenchida por uma série de afetos: da melancolia à
crueldade. o livro começou a ser escrito em 1957, quanto estava em Cuba e foi concluído
três anos depois; a obra não deixa de ser um encontro entre o escritor o fascínio
da cidade já cantada por Charles Baudelaire. “Se você quando jovem teve a sorte
de viver em Paris, então a lembrança o acompanhará pelo resto da vida, onde
quer que você esteja, porque Paris é uma festa ambulante”.
2. Ensaios, de Truman Capote: o motivo de
citarmos esse livro nesta lista é único, a presença do ótimo “Ouvindo as musas”.
O livro reúne 42 peças escritas entre 1946, quando o autor era ainda um jovem
escritor até sua morte; são perfis, crônicas, notas autobiográficas e relatos de
viagem, a maioria publicados em revistas como The New Yorker e Esquire. “Ouvindo as musas” é o relato da turnê de
uma companhia negra de ópera estadunidense pela ex-União Soviética. Pequenos dramas
humanos se desenrolam numa sucessão de desencontros, como se fosse uma comédia
cujo pano de fundo é Guerra Fria.
3. Grandes esperanças, de Charles Dickens:
aqui poderíamos indicar vários títulos do escritor inglês, afinal toda sua obra
pode ser lida como um vigoroso retrato sobre a sociedade inglesa do período da
Revolução Industrial. Mas, ao contrário do que possa pensar o leitor mais ingênuo
não há aqui nenhum resquício de encantamento ou sedução pela cidade; ao
contrário, ela é sempre um covil de abandonados e gente miserável que tenta escapar
da melhor maneira possível; nessa mesma linha, o leitor pode apostar em textos como
Os miseráveis, de Victor Hugo, que descreve uma Paris entregue a essa
mesmo condição desastrosa de um dos períodos mais negros da relação entre o
poder capital sobre a gente simples; ou a Lisboa oitocentista de José Saramago
em Memorial do convento.
4. Os filhos da meia-noite, de Salman
Rushdie: este livro foi o que rendeu o Booker Prize ao escritor em 1981. Aí está
a cidade de Bombaim como cenário para o drama vivido pelo muçulmano Salim
Sinai, quem narra a história em primeira pessoa. Ele é um dos nascidos à
meia-noite do dia 15 de agosto e a uma hora da madrugada de 16 de agosto de
1947, instante em que a Índia conquistava sua independência e todos os nascidos
nesse intervalo desenvolveram algum tipo de poder especial; o de Sali é a
telepatia, o que lhe permite reconstruir a história de sua família desde 1910 e
a buscar compreender o drama de ter sido trocado na maternidade por outro
recém-nascido. Ele, na verdade, deveria ter sido um hindu de família pobre.
5. Anna Kariênina, de Liev Tolstói: qualquer
obra do escritor russo não usa apenas do espaço como uma categoria acessória,
mas peça para a composição da própria forma narrativa. Assim, a cidade é sempre
demonstrada de maneira atravessada, como um elemento revelado pela caracterização da personagem. Aqui se oferece não apenas um panorama sobre as
duas capitais da Rússia, Moscou e São Petersburgo, mas os contrastes entre a
cidade e a vida rural numa Rússia do século XIX. Estruturado em paralelismos, o
livro se articula por meio desses contrastes e leva o leitor a vida na alta
sociedade e a vida dos mujiques, do intelectual e do homem prático.
6. Quando éramos órfãos, de Kazuo Ishiguro: a Xangai do início do século é a cidade
recupera por essa obra que é considerada uma das principais do japonês. Christopher
Banks, um garoto inglês, fica órfão aos nove anos; essa perda repentina leva-o
de volta a Inglaterra onde se torna um detetive famoso que, vinte anos depois
voltará na agora Xangai tomada pela sangrenta guerra entre China e Japão. A
busca de Banks é uma vivência por uma cidade marcada pela ausência, pela
orfandade, pela sombra, tudo costurado com a matéria da dura realidade
encontrada por ele na cidade.
7. Caniços ao vento, de Grazia Deledda:
trata-se de uma das obras mais conhecidas da segunda mulher a receber o Prêmio
Nobel de Literatura. A narrativa usa o microuniverso sardo, utilizando as
paisagens física e cultural como retratos de uma Itália profunda e desconhecida;
tais elementos são trabalhados pela escritora para discutir questões humanas. Conta
a história das irmãs Pintor, imersas na ruína que também é personificada na
figura de Efix, seu leal serviçal, remanescente de um período abastança.
8. A insustentável leveza do ser, de Milan
Kundera: essa é talvez a obra mais conhecida do escritor, por causa, dentre
outros sucessos, da adaptação para o cinema. É um romance que combina uma
diversidade de temas, filosóficos, políticos, sobre as relações humanas e o
amor. Praga e Zurique de 1968 – período da chamada Primavera de Praga – são o
cenário e o contexto para que o narrador investigue a relação entre quatro
personagens, Tereza, Tomas, Sabina e Franz.
9. A trilogia de Nova York, de Paul Auster:
o escritor estadunidense foi sempre tido como o mais nova iorquino dos romancistas
dos Estados Unidos. Neste livro está reunido três histórias cujo tema principal
é o mistério da identidade, do conhecimento e da arte. Em “Cidade de vidro, um
escritor de romance policial é confundido com um detetive particular e passa a
encarnar a sério o papel; em “Fantasmas”, um detetive contratado para vigiar um
homem transforma a tarefa num caso de vida ou morte; e em “O quarto fechado”, o
amigo de um escritor desaparecido é atormentado pela culpa, depois que a
suposta viúva o encarrega de publicar os originais do marido. Nova York se
torna, aqui, a imagem de um labirinto mental feito de pistas falsas e
verdadeiras, de acasos e equívocos: é na própria cidade que Auster se apoia
para retrabalhar o gênero policial.
10. O sol é para todos, de Harper Lee: este
é considerado um dos livros emblemáticos da literatura estadunidense. O único
da escritora, mas que foi capaz de ser um meteoro na vida dos leitores que
encontram a obra pelo caminho. Entre as narrativas que dão forma ao romance,
está a de um advogado que defende um homem negro acusado de estuprar uma mulher
branca. O livro descreve com profunda atenção realista o cenário, a cidadezinha
de onde veio a escritora, Maycomb, do Estado do Alabama. Aqui, o espaço ganha forma
ou representação das cidades do interior do Sul dos Estados Unidos, marcadas
pela observação do tempo e da vida alheia, com pouco ou quase nenhum
acontecimento de relevante.
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