Alphonsus de Guimaraens

O poeta Alphonsus de Guimaraens e sua companheira.



Possivelmente, o maior nome (ou pelo menos o mais conhecido) que tivemos no nosso Simbolismo foi Cruz e Sousa, o poeta nascido de uma família de escravos alforriados que encantou-se por um mundo pálido e carnal ao mesmo tempo, cuja vida que levou parece-se muito com a de qualquer um daqueles nomes do Romantismo mais encruado. 

Mas, além dele, há um nome que deve figurar como o segundo mais importante que adotou um nome de constituição latina em 1894, certamente como uma maneira não de ter um codinome artístico, mas para fugir da trivialidade do nome de batismo: Afonso Henriques da Costa Guimarães. Além do que, o poeta ficou conhecido pelo gosto que tinha pelo latim, influência possivelmente puramente religiosa (estamos num tempo em que os cantos e as celebrações da Igreja eram feitas na língua clássica e, Guimaraens chegou a traduzir em versos, segundo nos informa Manuel Bandeira, o "Tantum ergo" e o "Magnificat".

Nasceu em 1870 e, como muitos do seu tempo, ingressou na Faculdade de Direito de São Paulo e fez o curso em duas parcelas: dois anos e, depois, talvez para ter uma profissão ou um diploma de nível superior, voltou e fez mais um ano e concluiu o curso. Nesse intervalo dos estudos, o poeta passou uma temporada no Rio de Janeiro, viagem que fez apenas com o propósito de conhecer Cruz e Sousa; uma vez concluído o curso voltou à sua terra, Conceição do Serro, Minas Gerais, onde serviu como promotor de justiça e depois mudou-se para Mariana porque foi nomeado juiz municipal da cidade; aí viveu até à morte, em 1921. Não terá mais saído daí para lugar algum; teve uma vida difícil depois que casou e não parou de ser pai: catorze vezes!

Manuel Bandeira chama atenção para o fato de que o próprio Alphonsus de Guimaraens não publicou a obra seguindo uma ordem cronológica. Em 1899 organizou num só volume dois títulos, Setenário das dores de Nossa Senhora e Câmara ardente, mas antes desses teria escrito Kyriale e Dona Mística (entre 1891 e 1895, quando esteve em São Paulo e Ouro Preto); esses títulos foram editados em 1902 e 1899, respectivamente. E o que marcam esses versos do então estudante de Direito é a música dos românticos: o amor e a morte. Temas, aliás, que são os enformadores de toda sua obra, construída por uma negação da rígida cadência parnasiana e com fortes traços de um leitor contumaz daquilo que se produzia na Europa.

A crítica considera que o verdadeiro Alphonsus de Guimaraens só se revela através da poesia religiosa do livro de 1899. Manuel Bandeira afirma que essa verve foi totalmente nova na cena literária brasileira, uma vez que, "nem os árcades, nem os românticos se tinham aproximado tanto do espírito da poesia litúrgica do catolicismo"; e acrescenta: "Em 49 sonetos distribuídos em sete partes de sete sonetos cada uma pôs o Poeta toda a humildade do seu coração de crente, e certo preciosismo ocasional de expressão não lhes tira a ingenuidade, tão inseparável de sua natureza era aquele preciosismo, revelado desde a escolha do seu nome literário. A publicação de Setenário e Câmara ardente, este, sentimentalmente, um complemento de Dona Mística, ambos inspirados pela morte de sua prima, impôs o nome do Poeta ao respeito dos meios literários, mesmo daqueles que eram adversos à escola nova."

À publicação de Kyriale seguiu-se um longo silêncio; outro título só viria depois de sua morte, Pastoral aos crentes do amor e da morte (1923) embora anunciado quando da publicação do livro de 1902; nessa mesma ocasião Guimaraens falou sobre o trabalho de tradução da Nova primavera, de Heine, obra que não viu ser publicada. Antes de Pastoral, estava na revisão de Pauvre Lyre, mas também não chegou a apresentá-la. O leitor já terá percebido que o poeta tem uma obra farta; bom, e não foram apenas esses títulos. Quando em 1938, o Ministério da Educação editou sua poesia completa, veio a lume mais dois livros (Escada de Jacó e Pulvis); essa edição foi revista pelo filho Alphonsus de Guimaraens Filho em 1955 e novamente ampliada, agora, para abrigar mais 19 novos poemas. 

Além disso há a extensa colaboração com os jornais Diário Mercantil, Comércio de São Paulo, Correio Paulistano, O Estado de S. Paulo e A Gazeta. Uma versão de sua obra completa foi publicada, enfim, nos de 1960. A contribuição que deixou para a cena literária do Brasil, extrapola o limite da estética a que pertenceu; o misticismo religioso terá sido a criação de uma criação poética inovadora para a poesia até nos dias atuais. Está fora o amor derramado e os acalantos da morte, porque isso, aquele grupo da Segunda Geração Romântica terá exercitado de boa maneira.

Publicado em Pastoral aos crentes de amor e da morte e depois incluído na seleção de Ítalo Moriconi como um dos cem melhores poemas brasileiros do século XX, talvez, o poema mais conhecido poeta seja "Ismália", reproduzido como ponto final destas notas:

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

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