Quatro nomes da Segunda Geração do Romantismo no Brasil: Álvares de Azevedo



Amor e morte como temas românticos

ADEUS MUNDO

Já sinto da geada dos sepulcros
O pavoroso frio enregelar-me...
A campa vejo aberta, e lá do fundo
Um esqueleto em pé vejo a acenar-me...

Entremos. Deve haver nestes lugares
Mudança grave na mundana sorte;
Quem sempre a morte achou no lar da vida,
Deve a vida encontrar no lar da morte.

(Laurindo Rabelo)

Os versos de Laurindo Rabelo expõem o que podemos chamar de exaltação à morte. Ela fascinou e ainda fascina vários escritores da literatura mundial. Teve seu apogeu, certamente, no decorrer do que a história literária denomina de Segunda Geração do Romantismo, uma fase que aprofundando os interesses sentimentais, os escritores terão se interessado por uma extensão do fúnebre e satânico. A morte se apresenta quase que como uma constante nas obras literárias. Isso ocorre, atribui alguns críticos, como solução ao sofrimento imposto pela impiedosa e desumana sociedade burguesa. Talvez seja verdade. Nota-se nesse período a preponderância de outras características que reforçam essa tese, tais como a fuga para a infância, a criação de lugares outros, ermos, ou ainda a idealização de determinados aspectos.

Também se assiste por essa época uma valorização e atração pelo desconhecido, pelo indefinido, que, como tudo o que não tem forma certa, pode ser moldado aos desejos e fantasias de cada um. Assim, a morte passa a ser vista como um alívio, almejada pelos jovens artistas dessa geração, desiludidos com a vida. Tal como Álvares de Azevedo, o primeiro nome que talvez nos venha a mente quando recobramos esse momento, Junqueira Freire, Casimiro de Abreu, Laurindo Rabelo, Aureliano Lessa, entre outros, eram jovens escritores que se viam atraídos pela possibilidade de expressão de um subjetivismo exacerbado e pessimista. Eram leitores ávidos de nomes como Lord Byron e Alfred Musset, nomes importantes, ídolos, podemos assim dizer, daquela turma. Pois bem, influenciados por nomes como estes, se punham a compor uma poesia que antes de tudo descrevia suas desilusões e fantasias como expressão das próprias emoções. Aliás, as emoções eram a razão de suas vidas.

Porque esta é, sem dúvidas, uma das épocas mais ricas da Literatura Brasileira, pensando que agora já tínhamos uma produção literária em consolidação, ainda que eivado da frente literária europeia, dedicamos uma visita a quatro nomes da Segunda Geração do Romantismo, a começar pelo nome que é considerado o mais significativo, o do poeta Álvares de Azevedo, descrito por Antonio Candido como "menino-prodígio" que melhor representou essa escola no Brasil.

Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo, mas aos dezesseis anos, quando concluiu o Bacharelado em Ciências e Letras no Colégio Pedro II foi para o Rio de Janeiro, onde se matriculou na Faculdade de Direito. Não chegou  a concluir o curso porque adoeceu de tuberculose e voltou à capital carioca, onde morreu em 1852.

Teve uma vida boêmia e tumultuada, segundo alguns; Manuel Bandeira o teve como alguém concentrado numa exacerbada saudade de casa, da família, sobretudo da mãe e de um irmã ainda criança, que foram seus afetos mais profundos. E, claro, esteve tomado por uma "estranha ausência de qualquer sentimento amoroso bem definido", assinala.

Não viu publicada nenhuma de suas obras: da poesia, Lira dos vinte anos, 1853; Conde Lopo, 1866 (deixado incompleto); da prosa, Noite na taverna, de 1855 e do teatro, Macário, de 1855. Obra integralmente assinalada pelo "seu erotismo entravado pela timidez, as suas afeições familiares, os pressentimentos melancólicos derivados de uma saúde precária, a obsessão da morte", tal como ressalta Bandeira.

De fato, encontraremos na poesia de Álvares de Azevedo um sem-número de virgens inacessíveis a povoar a imaginação de um eu lírico sempre frustrado pela impossibilidade de concretização daquele amor perfeito que ocupa seus sonhos. O poeta tomado pela leitura dos românticos de seu tempo, entre o desejo física e do tormento sobre a incapacidade de realizá-lo, por vezes, cai rol de negativas pelo enaltecimento e o desvario ante uma imagem de perfeição da mulher.

SONETO

Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! Na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d’alvorada!
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no peito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti – as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!

Reparem o modo como o eu-lírico apresenta a mulher. Pálida. Virginal. Angelical. Dormindo entre as nuvens do amor. É esse o contexto para a expressão do erotismo feminino. Há toda uma preparação de um espaço outro, onírico, para a exposição de uma beleza física que transcende a realidade para habita outro plano, o da imaginação. Outra. O valor dado a morte, quando no desfecho do "Soneto" o eu-lírico se expõe como disposto a morrer sorrindo, em sonhos, por essa beleza inacessível.

Para Bandeira, aí estão os elementos que garantiu ao poeta "um lugar de destaque entre os primeiros líricos inspirados da nossa poesia é a frescura das suas confissões de adolescente naqueles 'cantos espontâneos do coração', consolo que foram de uma alma 'que depunha fé na poesia e no amor', amor que tardava e nunca chegou a se concretizar numa dessas figuras de virgem tão frequentemente acariciadas em sonho."

Tudo é fruto ainda de certa insatisfação com o mundo ou posição deslocada dele. Nas correspondências, o poeta revela-se incomodado com certo modus vivendi das mulheres. Restava, então, sublimar. Construir pontos de fuga que alimentavam a atmosfera desse mundo desenhado pela poesia, afinal, se fora dele alguns aspectos conjugam para com a personalidade, outros colocaria o melhor dos psiquiatras ante um legítimo caso de dupla personalidade. Toda a efervescência erótica com a qual constrói seus castelos de palavras é diferenciada no toque não mais natural com que redige versos à mãe, numa tonalidade que beira ao estágio infantil.

Mário de Andrade é um dos que escreveram sobre a obra de Álvares de Azevedo designando-a como feita do "complexo do amor e medo", sentimentos comuns a qualquer adolescente, mas vividos ao extremo de suas fronteiras e num estado quase permanente pelo jovem poeta. "O adolescente é muitas vezes um ser dividido, não raro ambíguo, ameaçado de dilaceramento, como ele, em cuja personalidade literária se misturam a ternura casimiriana e nítidos traços de perversidade; desejo de afirmar e submisso temor de menino amedrontado; rebeldia dos sentidos, que leva duma parte à extrema idealização da mulher, e de outra, à lubricidade que a degrada.", discorre Antonio Candido. Teriam convicção, entretanto, sobre a alienação em que estavam metidos? Possivelmente não. Mas ousaram trazer para a vida a mesma aventura desregrada da imaginação.

E esse caráter apresentado na poesia azevediana, também é preponderante na sua prosa. Os contos de Noite na taverna, por exemplo, são igualmente marcados pela presença de criaturas marginalizadas que deslizam por espaços escuros, tétricos, e compõem-se imitações, cópia do tom cínico e sarcástico dos seus ídolos europeus. É necessário sublinhar, no quanto se distanciam (Álvares e amigos) do primeiro instante do romantismo, com a poesia épica (ou tentativa dela) e a afeição pelo mundo selvagem, primitivo do indígena, tal como o leitor encontrará num Gonçalves Dias, por exemplo, ou o arroubo político de um Castro Alves (da Terceira Geração) de Navio Negreiros.

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* Parte do texto é cópia ou base de ABAURRE, Maria Luiza; PONTARRA, Marcela Nogueira; FADEL, Tatiana. Português: língua e literatura. São Paulo: Moderna, 2000.

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