Mostra de poemas de Adília Lopes

Pedro Fernandes

A poesia de Adília Lopes entra por terras brasileiras, tudo indica, pelas páginas de Inimigo rumor. É na edição n. 9, publicada em novembro de 2000, que aparecem dois de seus poemas: “Elisabeth foi-se embora” e “Os desastres da boneca de Sofia”. Quem fez as honras da casa, curiosamente, foi outra voz estrangeira: o amigo e escritor Valter Hugo Mãe. É ele quem sublinha o interesse pelo cotidiano como uma qualidade da poesia então apresentada.
 
Adília Lopes continuou a aparecer noutros números da revista, até avançar com esta antologia publicada há seis anos numa coleção de complexa e irregular faceta — em amplo sentido. A ordem dos escolhidos e dos conteúdos parece ser aleatória e sem buscar qualquer objetivo que não o de oferecer poesia; além disso, os livros ocupam projetos editoriais e gráficos diferentes quase ao gosto dos editores. A linha que traz a poeta portuguesa, por exemplo, pertence aos livros com acabamento inglês: sóbrio, capa dura revista em tecido.
 
O livro diz a que se propõe: intitula-se Antologia. Estão selecionados poemas de Um jogo bastante perigoso (1985), O poeta de Pondichéry (1986), A pão e água de colónia (1987), O marquês de Chamily (1987), Decote da dama de espadas (1988), Os 5 livros de versos que salvaram o tio (1991), Maria Cristina Martins (1992), O peixe na água (1993), A bela acordada (1997), Clube da poetisa morta (1997), Sete rios entre campos (1999), Florbela Espanca espanca (1999) e O regresso de Chamily (2000). Apesar da ordem cronológica, os livros parecem escolhidos de maneira livre, porque vários títulos ficaram de fora, incluindo as publicações dos dois anos que antecedem a antologia brasileira.
 
De toda maneira, é a  primeira presença mais afirmativa da obra de Adília Lopes por aqui — obra que, como se percebe, segue o curso dos poetas de criação prolífica. Não sabemos qual o responsável pela seleção da Antologia; se a própria Adília; se o coordenador da Coleção Ás de Colete, o também poeta Carlito Azevedo; se alguém do conselho editorial; se Flora Süssekind, a autora do posfácio “Com outra letra que não a minha”, um ensaio completo que perscruta as principais linhas de força criativa, expressiva e formal, acentuando o tônus ficcionalizante com o qual a autora engendra sua poesia.
 
Adília Lopes é de Lisboa. Nasceu no dia 20 de abril de 1960 e mergulhou na atividade criativa quando uma enfermidade a afastou dos estudos em Física. O encontro com a poesia, revelado ao público no coletivo Anuário de poetas não publicados, conduziu, em parte, a decisão por um novo curso superior na mesma Universidade de Lisboa, agora, em Literatura e Linguística. Que sua obra, estabelecida nos anos 1980 e 1990, seja uma das revelações de uma pátria que não deixa de nos oferecer tantos poetas de extensa força, não é surpresa. Resta, desta Antologia, continuarmos olhando os passos dessa senhora. Como primeiro gosto, ficam três poemas colhidos aleatoriamente da Antologia:




 
A minha Musa antes de ser
a minha Musa avisou-me
cantaste sem saber
que cantar custa uma língua
agora vou-te cortar a língua
para aprenderes a cantar
a minha Musa é cruel
mas eu não conheço outra
 
 
Autobiografia sumária de Adília Lopes
 
Os meus gatos
gostam de brincar
com as minhas baratas
 
 
A cura
 
1
O poema
é mais emblema
que lema
no meu deixo
uma lesma
sempre a mesma
lesma é o meu lema
 
2
O poema não é
forma de bolo
é barca de tolo
(o tolo saúda o velho mar
a seguir despede-se ou despe-se)
 
3
O poema é
esconjuro do escuro
ao meio-dia
coisa de Kepler
e de bruxas
(eclipses e elipses)
 
4
Vão-se os poemas
fique o poeta
por muito pateta
para bater na neta
 
5
A ira
pôs-se a dançar
o vira
(só a coitada
fica sentada)

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