A lista de leituras de José Saramago
José Saramago lê com Gael García Bernal As intermitências da morte no Teatro Diana. Guadajara (México). 2006 |
O texto a seguir é a entrada do escritor português escrita para o seu blog. E é muito válida sua leitura numa ocasião quando se faz listinhas para tudo, inclusive de livros mais necessários que outros.
Leituras de Verão
Com os primeiros calores, já se sabe, é fatal
como o destino, jornais e revistas, e uma vez por outra alguma televisão de
gostos excêntricos, vêm perguntar ao autor destas linhas que livros
recomendaria ele para ler no Verão. Tenho-me furtado sempre a responder,
porquanto considero a leitura actividade suficientemente importante para dever
ocupar-nos durante todo o ano, este em que estamos e todos os que vierem. Um
dia, perante a insistência de um jornalista teimoso que não me largava a porta,
resolvi ladear a questão de uma vez por todas, definindo o que então chamei a
minha “família de espírito”, na qual, escusado será dizer, faria figura de
último dos primos. Não foi uma simples lista de nomes, cada um deles levava a
sua pequena justificação para que melhor se entendesse a escolha dos parentes.
Incluí nos Cadernos de Lanzarote a imagem final da “árvore
genealógica” que me tinha atrevido a esboçar e repito-a aqui para ilustração
dos curiosos. Em primeiro lugar vinha Camões porque, como escrevi em O Ano
da Morte de Ricardo Reis, todos os caminhos portugueses a ele vão dar.
Seguiam-se depois o Padre António Vieira, porque a língua portuguesa nunca foi
mais bela que quando a escreveu esse jesuíta, Cervantes, porque sem o autor do Quixote a
Península Ibérica seria uma casa sem telhado, Montaigne, porque não precisou de
Freud para saber quem era, Voltaire, porque perdeu as ilusões sobre a
humanidade e sobreviveu ao desgosto, Raul Brandão, porque não é necessário ser
um génio para escrever um livro genial, o Húmus, Fernando Pessoa, porque a
porta por onde se chega a ele é a porta por onde se chega a Portugal (já
tínhamos Camões, mas ainda nos faltava um Pessoa), Kafka, porque demonstrou que
o homem é um coleóptero, Eça de Queiroz, porque ensinou a ironia aos portugueses,
Jorge Luis Borges, porque inventou a literatura virtual, e, finalmente, Gogol,
porque contemplou a vida humana e achou-a triste. Que tal? Permitam-me agora os
leitores uma sugestão. Organizem também a sua lista, definam a “família de
espírito” literária a que mais se sentem ligados. Será uma boa ocupação para
uma tarde na praia ou no campo. Ou em casa, se o dinheiro não deu para férias
este ano.
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