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Mostrando postagens de julho, 2009

Os sertões, notas e impressões de uma leitura

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Por Pedro Fernandes A guerra de Canudos foi um refluxo em nossa história. Tivemos, inopinadamente, ressurreta e em armas em nossa frente, uma sociedade velha, uma sociedade morta, galvanizada por um doido. – Euclides da Cunha,  Os sertões Há alguns grandes livros da Literatura que são-nos custosos ler; parece que necessitam, por parte do leitor, de uma vontade que venha de fora para dentro para seu feitio.  Os sertões , de Euclides da Cunha, foi-me um desses grandes livros que teve de vir o incentivo de leitura da parte de fora para a vontade de lê-lo, já em tempos em mim, realmente fosse desperta. O que irei apontar nesse texto são notas resultadas da primeira leitura que fiz da obra. Logo, talvez, muitas das constatações sejam constatações corriqueiras, capazes de serem encontradas na próxima esquina que o leitor comum for, mas são constatações válidas, no sentido de que trazem o sentimento meu de leitor diante desse texto. 1 A primeira parte da obra, in

Querelle, de Rainer Werner Fassbinder

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Obra póstuma do diretor alemão aborda a visão pessimista sobre as relações humanas na sociedade do pós-Segunda Guerra Um filme póstumo que carrega consigo o sentimento de morte, anunciado em cada um de seus fotogramas. Assim se pode definir Querelle, dirigido pelo alemão Rainer Werner Fassbinder, que morreu aos 37 anos, dias após a conclusão das filmagens. O longa é um trabalho marcado pela pulsão da morte, que se opõe à de vida, assim como o impulso de destruição se opõe ao de preservação. Uma música cantada em cena pela personagem de Jeanne Moreau ainda insiste na questão: “Todo homem mata as coisas que ama”, ela diz, cantarolando palavras de Oscar Wilde.  A trajetória do marinheiro que dá nome ao título do filme é feita de uma combinação de amor e morte. Ele mata um companheiro da marinha, seu suposto amante, e no rastro do desejo que sua passagem provoca todo um jogo de espelhos, de reflexos e de repetições conduz a violências e assassinatos.  O amor é mais f

Jorge Reis-Sá

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Jorge Reis-Sá nasceu em 9 de abril de 1977 em Vila Nova de Famalicão. Foi aluno entre 1994 e 2000 dos cursos de Astronomia e Biologia na Universidade do Porto e estagiário no Instituto de Patologia e Imunologia Molecular nessa mesma instituição, quando estudou genética populacional.  Um perfil que se escreve com esses dados logo à introdução poderá servir para os casos de uma biografia centrada no desenvolvimento de uma carreira acadêmica. Sim, parece que era esse o sonho de Reis-Sá até que tenha sido tomado pela iniciativa de largar essa possibilidade de vida para se tornar editor. Sabedores do declínio acelerado dos artefatos de papel nessa era do digital, poderíamos, concluir, para já, que ele trocou um futuro promissor por um cuja a iminência da ruína toda hora se abre aos seus olhos. Não faríamos esse tipo de pergunta a ele, mas parece que, a troca de áreas serviu-lhe para o seu propósito maior: dar pulso a seu trabalho com a palavra. Como editor, Jorge Reis-Sá fu

Palavras de Ray Bradbury

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Por Rocío Ayuso  Se houvesse nascido no século XV, Ray Bradbury (Waukegan, Illinois, 1920) seria um perfeito homem do Renascimento, um Leonardo da Vinci prolífico e genial em qualquer campo. E se fosse produto do século XXI, desses anos que antecipou em seus livros e em sua cabeça, seria o melhor exemplo da cultura multimídia capaz de expressar-se com palavras, com edifícios e com sonhos espaciais que hão se tornado realidade. Aos olhos de quem simplesmente o veja sentado à porta de sua casa, banhado pelo sol no alto da escada que conduz ao seu lugar desde há 50 anos, no calmo bairro de Cheviot Hills, o escritor e romancista, visionário e arquiteto, roteirista, ensaísta e poeta, um dos país da literatura fantástica contemporânea, não será mais que um avô simpático e de olhar pícaro disposto a contar batalhas de outros tempos. No próximo 22 de agosto chega às portas dos 90 anos. Uma idade em que o descanso está mais que merecido. Mas esta última visão seria muito simplista fa

Filme conta a história do escritor português José Saramago e Pilar del Río

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Entre setembro e outubro próximos, estará terminada a montagem do filme de Miguel Gonçalves Mendes, com o título provisório União Ibérica , e que com bastante probabilidade se chamará José e Pilar – Retrato de uma relação . Resultado de três anos e meio de trabalho, a equipe de rodagem acompanhou José Saramago e Pilar del Río por diversos países, Portugal, México, Brasil, Espanha e Finlândia, daí advindo um conjunto de retratos vivos do Homem e do Escritor em diferentes momentos da sua vida de trabalho e não só. Produzido pela JumpCut em co-produção com a El Deseo, de Pedro Almodôvar, o filme conta ainda com a parceria da SIC. A versão para TV terá a co-produção das estações televisivas SVT (Suécia) e Yle (Finlândia). O filme recebeu no passado dia 10 de Julho o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, através de um protocolo assinado com a produtora JumpCut, e não com o escritor, como erradamente alguns órgãos de comunicação veicularam, que não participa na produção do filme. Desse

José Saramago, o gosto pelo cinema e seus filmes preferidos

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Cena de Amarcord , de Fellini, um dos filmes prediletos de José Saramago. Para quem não sabe, José Saramago é um amante da arte do cinema. Do gênero imiscuiu a prática na escrita. Notem os diálogos suspensos de seus romances (suspensos no sentido de virem desprovidos do itinerário comum das falas no romance tradicional) e vejam se não é uma técnica cinematográfica deixar que a personagem fale por si, sem interrupções mais demoradas do narrador. E mesmo a presença temática na obra: é através de filme que Tertuliano Máximo Afonso, personagem de O homem duplicado , reconhece que há alguém de mesmo porte físico que o seu.  * Em As Pequenas Memórias , o escritor recorda-se de algumas idas ao cinema quando entre a infância e adolescência. Recortamos dois fragmentos: num, a impressão que o cinema tantas vezes lhe causava, no outro, algumas de suas comédias favoritas.  "Lembro-me de dormir no chão, no quarto dos meus pais (único, aliás, como já disse), e dali os chama

O Mágico de Oz, de Victor Fleming

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Fábula musical sobre garota que vai parar em uma terra distante eternizou canção "Over the Rainbow" A fábula infantil de L. Frank Baum já foi adaptada para as telonas dezenas de vezes, mas nenhuma com tanta propriedade quanto nesta superprodução da MGM, até hoje exibida com frequência na televisão norte-americana. O Mágico de Oz celebrizou o processo Technicolor e, sobretudo, fez de Judy Garland uma estrela. Com apenas 16 anos, Garland, que substituiu Shirley Temple (por problemas de liberação entre estúdios) no papel de Dorothy, transformou-se em um das cantoras atrizes mais populares de Hollywood. A pressão da fama, entre outros motivos, levou-a ao vício e à morte por overdose de remédios em 1969. Dorothy é uma menina do Kansas que, ao perseguir seu cachorro Totó, é colhida por um furacão e chega a uma terra distante. Lá conhece um elenco incrível de personagens: o carinhoso Espantalho, o Homem de Lata, o Leão Covarde. Juntos, eles seguem a estrada de tijolos a

A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade

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Por Pedro Fernandes Fac-similar da 1ª edição de A rosa do povo . A rosa do povo é quase sempre lido por grande parte da crítica literária brasileira como um dos mais importantes da bibliografia de Carlos Drummond de Andrade; extensa bibliografia, por sinal. Além da poesia, sabemos que escreveu em quantidade semelhante, crônica. E a posição de cronista, o espectador do mundo, quase sempre é convertida em matéria de poesia. Apesar de não conhecer integralmente a obra do poeta mineiro e nem (e isso nunca aconteceria ainda que vivesse um século para a leitura de poesia) a literatura do gênero dos grandes nomes da república mundial das letras, ousaria colocar este livro no rol dos mais importantes para a poesia brasileira e, porque não me contento com bairrismos, entre os mais significativos da poesia do século XX. Sobre o reconhecimento do poeta como um dos mais interessantes para a poesia contemporânea no mundo, aposto que seja mesmo apenas uma questão de tempo; é preciso reconhecer

Conferência sobre o romance e o filme “Ensaio sobre a Cegueira”

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Por Pedro Fernandes Capa da edição brasileira de Ensaio sobre a Cegueira  e cartaz de divulgação de Blindness , adaptação do romance de José Saramago feita pelo cineasta Fernando Meirelles. Ensaio sobre a Cegueira é, certamente, uma das mais potentes alegorias sobre a atual condição da civilização Ocidental ou é uma leitura pungente sobre o acelerado processo de degradação dessa civilização ao longo de sua história. Sim, esta é uma das maiores civilizações que habitaram o planeta, mas, no ritmo em que se encontra, não tardará muito seu fim. Sobretudo porque temos exercido em grande nível a incapacidade de ver o que está nas aparências e vimos aos poucos nos tornando também no aparente. Publicado em 1995, tão logo José Saramago saiu de Lisboa para ir morar na ilha de Lanzarote, no arquipélago das Canárias, este romance é reconhecido pela crítica como um dos mais importantes da segunda metade do século XX. E, além de dizer tanto do que nos tornamos, é este um romance que deposita uma

Essa segunda língua que supomos

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Por Pedro Fernandes Recentemente esteve pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), onde cursei minha graduação e hoje curso mestrado, a professora Gladis Barrios, da Universidade de Tolima, Colômbia. Ela contava, na rápida conversa que manteve com os alunos do mestrado, dada a extensa agenda de compromissos na instituição, que, no seu país, os alunos de graduação são todos bilíngues; que em se tratando de mestrado e de doutorado os trabalhos de conclusão dos respectivos cursos, dissertação e tese, devem ser defendidos em versões na língua mãe, o espanhol, e na língua estrangeira, o inglês. O país, entretanto, padece de uma taxa de 70% de analfabetos.  Pergunto, para que serve tanto rigor por parte das instituições diante dessa lastimável estatística. Daí, aplica-se bem aquele ditado popular de que tudo demais é veneno. Mas, a questão que me leva a essa pergunta está num outro fato: o dela ter mencionado, e mencionado bem, do atual poder de que o Brasil dispõe frente a

O Homem Rlefante, de David Lynch

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em cena Anthony Hopkins e John Hurt O Homem Elefante conta a história de Jonh Merrick (John Hurt), um homem de aparência muito desagradável, com o corpo todo deformado devido a uma doença, neurofibromatose múltipla. Seu comportamento, no entanto, é de um cavalheiro contido, adequado à época e ao local onde viveu: a Inglaterra da era vitoriana. Em virtude de suas feições causarem horror, o que lhe restou na sociedade foi trabalhar em circos exibindo-se como monstro. Com muita dificuldade de falar, também por causa da doença, era considerado um débil mental. No entanto, resgatado pelo médico Frederick Trevez (Anthony Hopkins), consegue se desenvolver e se integrar um pouco mais ao mundo. No hospital, conhece a senhora Kendal (Anne Bancroft), uma conhecida atriz, que o ajuda a construir alguma autoestima. O filme é baseado nas memórias escritas (reais) do médico Frederick Trevez. O início da película, que explora as cenas de Merrick no circo, parecem a introdução de

Arthur Miller, a consciência do teatro estadunidense do pós-guerra

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Por Juan Bravo “Considero o teatro um negócio sério, que faz ou deveria fazer o homem mais humano, isto é, menos sozinho”. São palavras de Arthur Miller, um dos grandes dramaturgos do século XX – “o melhor”, escreveu o tcheco Vaclav Havel. Nasceu em Nova York, a cidade que serviu de inspiração para toda sua obra, no dia 17 de outubro de 1915.  Em seu legado figura um punhado de obras para o teatro que marcaram o futuro da cena internacional: “Todos eram meus filhos”, “A morte de um caixeiro-viajante”, “As bruxas de Salém”, “Um panorama visto da ponte”, “O preço”, as que deram origem ao roteiro do filme Os desajustados . O mesmo se pode dizer de sua vida pessoal, marcada pelas relações com figuras como Marilyn Monroe e com a fotógrafa Inge Morath. Arthur Miller é o “grilo falante” na consciência estadunidense do pós-guerra, um dos mais precisos dissecadores da alma humana e um hábil fabulador de histórias. Sua máquina de escrever se aloja na consciência como se fos