A qualidade da programação da TV brasileira

Por Pedro Fernandes







A adoração pela TV não possui limites sociais, raça ou credo. O televisor se tornou instrumento presente na maioria das casas brasileiras. Provas vão desde uma antena “espinha de peixe” mal colocada no telhado de um barraco até às potentes antenas parabólicas na cobertura de um prédio de luxo.

Claro, ninguém é de ferro! Quem não gosta de relaxar vendo um bom filminho? Ou até mesmo algum programinha interessante? – Opa! Pere aí! Cuidado com o adjetivo! – Mulher xinga o marido por causa de traição. De certa vez, homem invade programa ao vivo com arma em punho. Cenas eróticas do mocinho com a protagonista alcançam o ápice de audiência das telenovelas. Isso tudo são coisas do cotidiano? Sim, mas se tornaram, sobretudo, artimanhas da TV exibidas em horário nobre ou em fins de semana, servidos de bandeja ou empurrados goela abaixo toda vez que, por vício ou o interesse de relaxar um pouquinho, ligamos o televisor.

A briga entre programas pela audiência tem feito com estas cenas sejam mais comuns que o normal. Tentam de tudo para conquistar espaço (e com isso mais grana de patrocinadores) e quase sempre apelam à baixaria, o que não é bom para o telespectador. E num país como o Brasil, onde o acesso à cultura e a educação estão na escala dos níveis alarmantes, fazer com que esse tipo de programação caia no gosto popular é continuar investindo na nossa ignorância. E os programas educativos ou críticos dessa realidade reproduzida cruamente nos horários de maior público, tidos como chatos, são escondidos na madrugada.

O que fazer, então? Na Inglaterra, por exemplo, TV é serviço público, assim como água, luz ou telefone. E há um ministério responsável pelo seu funcionamento. O controle da qualidade, principalmente a infantil, é rígido. A fiscalização é feita por órgãos independentes, responsáveis pelo acompanhamento da programação e pelo encaminhamento das reclamações do público. Mas isso seria possível no Brasil, onde uma pequena intervenção do Governo nos meios televisivos traz sempre de volta o fantasma da censura nos tempos da ditadura militar? Ora, sabemos que este fantasma dos anos de chumbo só tem servido de subterfúgio para que as emissoras continuem a entregar sempre o pior. Na prática, não estão sequer interessadas nos desastres da censura, mas somente no lucro que a exploração da cultura de massa devolve aos bolsos dos investidores. 

E entre este atrito entre Governo e TV, restamos nós. Nós que temos de controlar o que as nossas crianças devem assistir, por exemplo. O problema, entretanto, é que a grande maioria não tem entendimento ou não está nem aí para isto, embora as restrições apareçam a cada intervalo de programa sob três formas de linguagem. Sem esse entendimento (que seria fruto de boa educação, se a tivéssemos), quem coloca a mão nas vistas daqueles que não devem ver o que as regras de controle determinam? Os índices de audiência que aqueles tais programas que falei no início deste texto demonstram um descompasso entre a regra e prática. Convivemos com um problema que não sabemos e não temos como resolver sozinhos. Para isto existe o Estado. Mas, cadê o Estado? 

Nota: 
Deste texto que apresento hoje no blog não tenho a data de quando foi escrito; suspeito que tenha sido produzido no início de 2004. Ele também faz parte daquele feixe de textos que encontrei em alguns arquivos adormecidos e que agora trago para este espaço, cujo interesse está, para além de vê-los reunidos num só lugar, encontrar com as minhas reminiscências de pensamento, leitura e escrita.

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