Diário pedagógico: a estrutura

Por Pedro Fernandes





A Escola Municipal foi fundada em 1985. Registra-se que a última reforma foi feita em 1996.

Das impressões do primeiro dia de aula a que mais marcou depois daquela da aluna de rosto inerte registrada no texto anterior foi certamente a estrutura da escola. 

Quando escrevi no artigo "Um genocídio outro, um genocídio" (O estado da máquina de manter os índices péssimos da educação pública) disse que existiam escolas que funcionavam como verdadeiras máquinas de matar gente. Exagerei na imagem quando inteirei que esses espaços funcionam como campos de concentração. Mas, a escola pública brasileira tem atuado gradualmente em duas frentes: a da deformação dos seus estudantes e o assoreamento da carreira dos seus professores. A imagem utilizada é péssima e fora de tom, agora o que ela significa encontra matéria no que professores e estudantes presencial. E digo porque sei de estruturas ainda piores do que a escola onde trabalhei.

Essas péssimas estruturas das quais pouco ou nada se tira de proveito precisam ser derrubadas e no lugar delas erguermos novas estruturas. Acolhedoras, agregadoras. 

A sala de aula que entrei primeiro, a do 9º ano como falei, reduzia-se a um cubículo com uma janela aberta para um pátio sempre repleta de alunos de outras turmas em que os professores faltaram, dois ventiladores em fim de carreira, cadeiras de madeira, piso esburacado, quadro negro e giz. Amontoados os alunos têm de conviver com o calor terrível que faz no período da tarde.

As outras salas onde entrei repete boa parte dessa situação. Algumas até possuem um pouco de ventilação, entretanto, são extremamente lotadas. Há espaços desses com mais 50 alunos. 

Se os Direitos Humanos valem, certamente ainda não chegaram a esses lugares de descaso público. E este crime contra os alunos se acentua pela rigidez da escola em não permitir que alunos assistam aula de bermuda, apenas de calça do tipo jeans; se acentua pela qualidade da merenda servida às crianças, de terceira; do mal elaborado cardápio, os viventes só se alimentam por dois motivos, ou porque em casa comem pior ou porque nem desse tipo tem em casa para comer.

A escola não dispõe de sala de computação, prometidas há duas administrações. Não dispõe de sala de projeção. Não dispõe de sala para os professores, que se amontoam com aquela barrela de funcionários cara-pra-cima na sala da secretaria. 

Os banheiros, quatro no total, estão em péssimas condições. 

A cozinha é improvisada com o básico. 

Biblioteca é espaço inexiste nessa escola. Os livros ficam amontoados nos corredores. 

Quantos sonhos são destruídos em lugares assim? Quantos futuros são tornados na mesma triste vida que levam os pais dessas crianças? Como acreditar na educação transformadora e como fazer os estudantes acreditarem numa transformação pela educação?

É vergonhoso o que se faz com os que estão no interior profundo do país, sequestrados por politicagens, pela má administração dos recursos que são continuamente tirados do bolso de todos, inclusive das famílias dessas crianças que no retorno nada recebem do que pagam. É ato criminoso oferecer mudança de perspectivas de vida com estruturas tão infernais.

Termino por aqui este Diário pedagógico. Quis relatar como acontece e como funciona a educação pública a partir de uma difícil experiência que vivi recentemente mas comum a tantos professores no restante do Brasil. Quis, principalmente, além do registro, denunciar um problema complexo demais, mas capaz de ser resolvido. Sabemos que não falta dinheiro, mas falta interesse. Ou o interesse é o de manter as coisas como estão, apenas com o verniz do discurso de que é preciso melhorar a educação pública. Tudo isso, sabemos, é conveniente.


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