Castro Alves
Parece que
os astros são anjos
pendidos
Das frouxas
neblinas da abóbada azul,
pendidos
A filha
morena dos pampas do sul.
*
Sicambros do
sol da gloria
Ergamos a
fronte ao sol,
Condores,
tingi as azas
Morno é o
banho do arrebol.
Como bardos
inspirados,
Quando palpita a victoria
O vento canta epopéas,
Quando o tempo d’entre os dedos
Debalde raio impotente
Assim foi... E ha tantas per’las
Já de horror prorompe um grito
Nos pampas dormido tremes
– Que sombra é aquella no norte?
Silencio. Calle-se o canto
D’esses que alteiam as frontes,
(este poema foi publicado no Jornal Do Recife, n. 213, de 14 de setembro de
1865, p. 1)
É preciso apostrofar este Pernambuco de 63, apenas interessado em vender
açúcar. Voltar o látego da poesia contra os barões do engenho. É preciso compor
um painel onde a infâmia fique estampada: os navios negreiros atravessando o
oceano, as senzalas imundas, a mãe cativa a amamentar o filho sem futuro, os
mercados de negros e o trabalho de sol a sol no eito dos engenhos, a cortar
cana, a rodar moenda para espremer o caldo que se vai transformar no claro
açúcar. Fortes negros como juntas de bois de canga, limária do rico senhor.
Nos solares
derrocados
Cantando os
guerreiros seus,
Mandemos em
brados fundos,
Nossa
historia aos quatro mundos
Nossa
historia aos quatro céus.
Do Brazil no
coração,
Quebram a
lousa os Andradas
P’ra ver em
face a nação.
Parecem
fulgem idéas
No rio, no
céo, no ar,
E a luz do
triumpho novo
Clarêa a
fronte do povo,
Do povo
maior que o mar.
Colhe um
sec’lo, uma nação
Encontra
nomes tão grandes
Que lhes não
cabem na mão.
Mergulha a
raiva na frente
Do
Prometteu. Ao cahir
De um sol a
luz so revella,
Naquella
face amarella
Pallida ao
sol do porvir.
Tantos
astros por tropheos,
Que as
folhas da nossa historia
Não são
historias são céos.
D’esta bocca
de granito
Do petrio
monstro – Humaitá
Mas
espera... A bofetada
O condor
co’aza arrojada
Vai dar-t’a
Lopez... Irá.
Ao tropel da
legião
Ai! Dize
assim porque tremes?
Pisamos-te o
coração.
– Diz o
Paraguay – a morte
Desce dos
Andes talvez!...
Responde um
grito: Desperta,
De logo e
fumo coberta
A aguia da
gloria é o que vês.
Quebre-se a
Lyra ao vibrar,
O verbo das
catadupas
Onde o
podera encontrar?
Que
sotopondo mil montes
Tem no mundo
um pedestal,
Cantar a
gloria arrogante
Só póde o
povo gigante
O povo
descommunal.
A história
da vida de Castro Alves não pode ser registrada apenas pelas datas e fatos que
marcaram os seus 24 anos de intenso viver, de amar e sonhar sofregamente. Tem
uma dimensão maior ao ponto de se dilatar o que aparentemente é apenas um breve
período.
Seu canto
vem de longe, vem com o despertar do nativismo na sua própria Bahia do século
XVII e continua belo, hoje e sempre. É que ele encarna o amor à liberdade, que
caracteriza esta nação de jovens de seu tempo. De amor e luta pela liberdade.
Assim tem sido feito os grandes homens. Mas, para tentar explicar Castro Alves
– poeta da raça –, é preciso primeiramente colocá-lo no chão da infância e no
ambiente de sua família.
A terra onde
ele nasceu é uma transição de paisagens: para o oeste, os recortes azuis da
serra do Aporá, demarcando uma imensidão de terras calcinadas de sol, onde
medram cactos e arbustos desfolhados. É o sertão que se estende rumo ao rio São
Francisco. A leste, é a paisagem das baraúnas em flor e do bom cheiro do mel
nos tachos de engenhos – zona dos verdes canaviais do Recôncavo Baiano. Mas,
mais que transição, é o choque. O embate entre duas culturas: a do Recôncavo,
barroco e escravocrata, e a do sertão, místico e violento.
Seu pai era
o médico Antonio José Alves, moço da capital da província, culto, apaixonado
pela carreira e amante das artes. A mãe – Clélia Brasília – uma mulher frágil,
doce e linda, educada na Bahia, embora sertaneja de Curralinho e membro da
poderosa família cujo chefe, o major José Antonio da Silva Castro, tornara-se
famoso nas guerras da independência. E havia também uma tia – Pórcia – que fora
marcada por trágico amor. E mais ainda, a sua mãe de leite, a mulata
Leopoldina.
Os anos de
61 e 62 vão definir os pendores poéticos de Castro Alves. O rapazinho lia com
furor os românticos franceses, sendo Victor Hugo o guia espiritual, o seu guru.
Estudava também inglês para conhecer Lorde Byron. Dos nacionais se apegava a
Laurindo Rabelo, Junqueira Freire, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e
Gonçalves Dias. E tomava gosto pelas hipérboles, pelo uso de vigorosas e belas
imagens. Pela oratória. Sentia o fascínio das alturas. Infinito, eternidade,
amplidão, condor, irão povoar seus versos.
Estudar
direito, para exercer a advocacia ou vir a ser promotor, juiz ou desembargador,
não é bem o objetivo do jovem Antônio, mas, porque não sente vocação para a
medicina, e porque detesta a matemática, não vai poder nunca ser engenheiro e
porque do que gosta mesmo é poetar, então a Faculdade do Recife há de ser a
porta aberta, o seu passaporte para ingresso no Parnaso.
A faculdade
ficava num velho casarão da rua do Hospício. A rua dos loucos. O pai achava que
José Antônio ficaria bom – tinha tiques vez em quando – convivendo com rapazes
em república, numa vida alegre, saudável, descontraída. Zezinho pouco se
interessava pelos estudos e nem acompanhava os colegas nas pândegas. E quando
vez por outra conversava, era com os doidos do asilo.
Via, de
longe, os professores metidos naquelas feias casacas que mais lembravam os
bispos da Bahia. Ele também não sentia o menor interesse pelos preparatórios à
faculdade. Passava os dias e as noites a jogar bilhar, a ler os seus poetas, a
desenhar, a fazer versos.
Sua primeira
paixão chega com a Companhia Dramática de Duarte Coimbra. Eugênia. Eugênia era
uma renomada atriz. Admirável mulher de lindos olhos negros, negros como a
noite. Do primeiro encontro, um roçar de vestido, é motivo suficiente para as
noites de insônia
Eu tenho
dentro d’alma o meu segredo
Guardado
como pérola do mar,
Oculto ao
mundo como a flor silvestre
Escondida no
vale a vicejar.
De ti fez o
seu anjo de poesia,
Que
tresnoita cismando em tuas graças,
Que por ti,
só por ti, é que vivia,
Que tremia
ao roçar do teu vestido,
E que por ti
de amor era perdido...
Ao mesmo
tempo acorda o poeta para a realidade. É preciso não esquecer a realidade.
Nesta terra a escravidão do negro é parte da própria organização social. Um
horror. Uma vergonha. O negro é peça que o senhor branco adquire para o
trabalho. É como um animal para uso do senhor.
O estandarte
de sua poesia
E assim está
composto o painel estandarte da poesia de Castro Alves. Do período terceiro do
romantismo brasileiro, sua poesia deixa-se entrever pelas marcas
da sensualidade – o que foi seus envolvimentos amorosos. E, principalmente,
essa fase do condor, em prol da abolição.
A obra poética está organizada nas edições de Espumas flutuantes, de 1870, A
cachoeira de Paulo Afonso, de 1876, Vozes d’África e O navio
negreiro, de 1880, Os escravos, de 1883; também publicou o além do drama Gonzaga
ou a Revolução de Minas, de 1875.
Para
Antonio Candido, em Formação da literatura brasileira, "a
psicologia do poeta criador se identifica em profundidade com o ritmo
da vida social"; que "há inicialmente em Castro Alves o
sentimento da história como fluxo, e do indivíduo como
parcela consciente desse fluxo".
* O
poema que abre este texto foi retirado de DA SILVA, Francisco Pereira. Castro
Alves. São Paulo: Editora Três, 2001 (col. A vida dos grandes
brasileiros). O texto que segue até O estandarte de sua poesia foi
composto de fragmentos desse mesmo livro.
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