Camilo Castelo Branco, o exagero sentimentalista

Por Pedro Fernandes





Quando li, ainda na faculdade, talvez o livro mais conhecido de Camilo Castelo Branco, Amor de perdição, pude levantar o epígono que utilizo no título desta postagem. Trata-se de uma novela em que – e isso sempre me perguntei –, dentre tantas e tantas possibilidades que se apresentam aos amantes Teresa e Simão, corre pelo trilho do drama trágico. Pudera: são “boas” personagens do chamado ultra-romantismo, logo, tornam seu destino submetido à cadência de fatos mais nebulosa a fim de constituírem sua história de amor. 

Os protagonistas dessa novela representam o sentimento de uma sociedade que não mais cria nos veios do destino como trajetórias da vida. Isso é marco para a segunda fase do Romantismo; a fase que a crítica classifica como ultra-romântica, dado o exagero amoroso constituir-se recorrência nos dilemas romanescos. Espírito de uma época e não apenas invenção literária, em alguns casos o sofrer de amor (e o desfecho trágico) ultrapassava as páginas para a vida comum dos jovens. Vide a famoso caso, um século antes de Amor de perdição, com o romance de Goethe e a peste de suicídios na Alemanha. 

Camilo Castelo Branco nasceu em 16 de março de 1825, em Lisboa. Muito novo, órfão, foi enviado para os cuidados da família no interior de Portugal, por onde fez a vida. Como muitos dos autores do período, suicidou-se. Contava 65 anos. O escritor começara a sofrer os sintomas mais progressivos da sífilis, uma etapa a mais numa biografia tortuosa, cheia de infortúnios e instável, também muito à maneira de um herói romântico. 

A vida do prolífico folhetinista português foi dividida com várias tentativas de seguir outra carreira noutras áreas; fez algumas tentativas em Anatomia, Química e Medicina, mas perdeu todas as formações devido a vida boêmia que sempre preferiu. Conta-se que por essa época, virava dias e noites entre outros jovens nos certames poéticos que ocorriam nos pátios conventuais do Porto; resultou desses convívios a publicação de suas primeiras obras.

Reflexo ou não na sua obra, o autor também teve uma vida repleta de aventuras e desventuras amorosas. Amor de perdição, por exemplo, possui semelhança com os acontecimentos que marcaram o enlace entre o escritor e Ana Plácido. A mulher por quem cedo nutriu amor profundo casou-se com outro. O destino do amor infecundo terá contribuído pelo repentino interesse na vida religiosa, chegando a se matricular no Seminário Episcopal do Porto, outra decisão logo abandonada. Mais adiante, os dois reataram o caso e veio o escândalo da traição que levou os amantes à prisão pelo marido traído.

Nesse caso de amor, a roda do destino chegou a permitir outro desfecho fora do trágico. Após a morte do marido de Ana Plácido, Camilo Castelo Branco ainda realizou o desejo de casamento com a amada amante. Mas, deixemos a rica vida de cama do homem e fiquemos com algo da sua literatura. 

Camilo Castelo Branco se dedicou a vários outros gêneros, além da prosa, como a poesia e o teatro. Também deixou sua marca na historiografia e na crítica literária. Na prosa de ficção, embora seja autor de romances e crônicas, se destacou na novela e o referido Amor de perdição é um exemplo. Suas histórias de amor passional tinham como mote o impedimento para a vivificação do amor em seu estado de plenitude. Os motivos eram geralmente os de ordem social, como as diferenças de classe entre os apaixonados ou ainda no bom e modo velho shakespeariano, o da inimizade entre os familiares dos enamorados. 

As novelas castelianas têm por quase obrigação o enaltecimento da coita amorosa. Este se constitui no ingrediente motriz e mesmo do caráter das suas personagens. Os jovens amantes encontram-se nublados por uma aura de pureza e de abnegação em que ao ponto que os condena os santifica. Com final sempre trágico, as novelas do escritor português dão margem a dualidade do sentimento amoroso. Isto porque a morte nesses casos pode ser vista como sentença punitiva para um amor que transgride os princípios de uma sociedade interesseira e corrupta, ao mesmo tempo que, espécie de redenção e pulo para a eternidade.

Mas, ao lado da novelista de temas passionais, é preciso evidenciar a parte da sua literatura marcada pelos eflúvios do realismo e naturalismo, obra que se fez muito em resposta àqueles que se ocuparam de rebaixar sua obra pela uso repetitivo das formas que, em parte atendiam ao gosto médio dos leitores e aos interesses comerciais. Na página dedicada ao escritor pela Universidade do Porto, como um dos seus ilustres estudantes, destaca-se que “não se alheou dos temas campestres aos quais conferiu um especial sentido de humanidade e um intenso perfume psicológico, que inspiraram grandes nomes da literatura portuguesa, como Abel Botelho e Aquilino Ribeiro.” 

Amor de perdição é apenas uma pequena amostra da sua vasta obra literária. Camilo Castelo Branco foi um polígrafo; deixou mais de uma centena de títulos. Na prosa de ficção podemos sublinhar ainda livros como Amor de salvaçãoCoração, cabeça e estômago, A brasileira de Prazins, Novelas do Minho.

Camilo Castelo Branco também foi símbolo em Portugal do escritor profissional. O Romantismo, como estilo artístico, tinha fácil penetração social e, na época, a melhor forma de acesso dos leitores à leitura se dava através dos folhetins, coisa que no Brasil também faz moda até hoje quando reparamos no sucesso das telenovelas. Como nas nossas telenovelas, os folhetins de Castelo Branco supriam a carência de leitores pelo entretenimento, serviram ao escritor no aperfeiçoamento da imaginação criativa devota da ação e do dilema amoroso e deram-lhe o reconhecimento inconteste do público.

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