Odysseás Elýtis
Axion esti fez Odysseás Elýtis reconhecido
em nível internacional. A obra levou catorze anos para ser escrita e acompanhada
pelas notas do compositor Míkis Theodorákis deu a volta ao mundo. Mais tarde, o
poeta reconheceu que não foi sua escrita mas o talento do compositor que transformou
seu nome entre as referências da poesia grega. Para se ter uma ideia sobre a dimensão
dessa obra, foi ela que colocou Elýtis entre nomes como Kostís Palamás e
Ángelos Sikelianós.
O poeta, “um
dos mais brilhantes deste século”, como o descreveu um de seus tradutores, nasceu
no interior de uma família de boas posses na ilha de Creta, em Heraclião, de
frente para o mar Egeu, que tanto amou e cantou em suas odes. Em sua juventude,
Elýtis tentou estudar Química e Direito, mas foi seduzido pela poesia, escrita
na qual deu seus primeiros e tímidos passos em 1935; mas só foi cinco anos mais
tarde que publicou sua primeira antologia de poemas com o título de Orientações*, que fez ressurgir o
surrealismo na Grécia – este livro o consolidou como poeta.
Seu estilo foi
caracterizado pela riqueza com que retrabalha o idioma e a riqueza de suas
imagens em prosa – tons que o destacaram em sua época pelas excelentes críticas
recebidas. Breve, mas densa, a obra inicial de Elýtis está marcada por
neologismos e arcaísmos. Depois do livro de estreia e antes da publicação de
seu trabalho mais famoso, o poeta ainda publicou Sol, o primeiro. Era 1943.
O canto heroico e fúnebre ao subtenente
morto em Albânia foi publicado dois anos depois numa revista e em livro muitos
anos adiante, em 1945. Trata-se de uma homenagem realizada pelo poeta aos
mortos durante a guerra greco-italiana na Albânia, onde lutou e quase morreu
depois de ser contaminado por tifo. Depois, vieram: Seis e um remorsos, A décima
quarta beleza, O adivinho pelos olhos,
Filomatins, Os parentes e Maria Nuvem.
Durante a
guerra civil na Grécia, Elýtis se refugiou em Paris, onde permaneceu entre
intelectuais, artitas e filósofos. Foi onde conheceu nomes como André Breton,
Albert Camus, Paul Éluard, Pablo Picasso, entre outros. No retorno ao país,
ainda debaixo da ditadura, o poeta foi viver com sua companheira no bairro de
Kolonaki, em Atenas. Acreditando que o
retorno do poeta significava um apoio ao regime, os militares outorgaram-lhe um
prêmio literário logo recusado por ele. Tempos depois recusou a nomeação para a
Academia de Atenas.
O auge da
sua obra é alcançado quando, em 1979, é galardoado com o Prêmio Nobel de
Literatura por “sua poesia nascida do fundo da tradição grega e que descreve com
sensualidade pujante e inteligência lúcida a luta do homem moderno pela
liberdade criadora”. Sobre Axion esti,
o próprio Elýtis classificou como uma
poesia que “busca preservar a integridade moral e a durabilidade absolutamente indispensável
de quem se opõe aos perigos da violência da miséria” – corroborando com a
definição oferecida pela Academia Sueca. Axion
esti é considerado um drama lírico
em que se podem reconhecer intertextos de Hesíodo, da Bíblia e dos símbolos
religiosos da Igreja Ortodoxa Grega.
No âmbito
geral, sua obra não fala do eu, despe-se
do caráter autobiográfico, tal como reconhece: “Eu não falo de mim, mas de
todos aqueles que sentem como eu, mas não têm tanta sensibilidade para reconhecer
seus sentimentos. Eu considero a poesia como uma fonte de inocência, plena de
força revolucionária. Minha missão é ordenar essas forças contra um universo
que minha consciência não pode aceitar, buscando situá-las em harmonia com meus
sonhos. Faço alusão a um tipo de magia contemporânea cujo mecanismo leva à descoberta
de nossa própria realidade”.
O poeta morreu em 18 de março de 1996.
***
MARINHA DAS ROCHAS
Tens um gosto de tormenta nos lábios — Mas por onde
andaste
O dia todo em duro devaneio a pedra e mar
Um vento portador de águias descalvou as colinas
Raspou até o osso teu desejo
E as meninas dos teus olhos tomaram o bastão à Quimera
Pautando com espumas a memória!
Onde a ladeira familiar de um breve setembro
De rubra terra em que a brincar olhavas lá embaixo
Os densos ramalhetes de outras moças
As quinas onde os teus amigos depunham braçadas de
abrótano.
— Mas por onde andaste
A noite toda em duro devaneio a pedra e mar
Eu te dizia que contasses dentro da água despida seus
dias luminosos
Que de costas gozasses a alvorada das coisas
Ou que voltasses a correr campos de jalde
Com uma luz trifoliada em teu peito de iâmbica heroína.
Tens um gosto de tormenta nos lábios
E uma veste vermelha como sangue
Bem fundo no ouro do verão
E aroma de jacintos — Mas por onde andaste
Ao desceres às praias às baías com seu chão de calhaus
Havia ali algas marinhas frias e salinas
Porém mais fundo ainda um sentimento humano que
sangrava
E com surpresa abriste os braços dizendo o nome teu
Enquanto ascendias ligeira até a limpidez do fundo
Onde brilhava a tua estrela do mar.
Ouve, a palavra é a prudência dos últimos
E o tempo frenético escultor dos homens
E alto paira o sol fero da esperança
E tu mais perto dele estreitas um amor
Que tem nos lábios um gosto amargo de tormenta.
Não há por que contares, azul até o osso, com outro verão
Com os rios mudarem de curso
E levar-te à mãe deles
Para que possas outra vez beijar as cerejeiras
Ou cavalgar o vento noroeste
De pé nas rochas sem amanhã nem ontem
Sobre o perigo das rochas cabelos na tormenta
Irás dizer adeus ao teu enigma.
andaste
O dia todo em duro devaneio a pedra e mar
Um vento portador de águias descalvou as colinas
Raspou até o osso teu desejo
E as meninas dos teus olhos tomaram o bastão à Quimera
Pautando com espumas a memória!
Onde a ladeira familiar de um breve setembro
De rubra terra em que a brincar olhavas lá embaixo
Os densos ramalhetes de outras moças
As quinas onde os teus amigos depunham braçadas de
abrótano.
— Mas por onde andaste
A noite toda em duro devaneio a pedra e mar
Eu te dizia que contasses dentro da água despida seus
dias luminosos
Que de costas gozasses a alvorada das coisas
Ou que voltasses a correr campos de jalde
Com uma luz trifoliada em teu peito de iâmbica heroína.
Tens um gosto de tormenta nos lábios
E uma veste vermelha como sangue
Bem fundo no ouro do verão
E aroma de jacintos — Mas por onde andaste
Ao desceres às praias às baías com seu chão de calhaus
Havia ali algas marinhas frias e salinas
Porém mais fundo ainda um sentimento humano que
sangrava
E com surpresa abriste os braços dizendo o nome teu
Enquanto ascendias ligeira até a limpidez do fundo
Onde brilhava a tua estrela do mar.
Ouve, a palavra é a prudência dos últimos
E o tempo frenético escultor dos homens
E alto paira o sol fero da esperança
E tu mais perto dele estreitas um amor
Que tem nos lábios um gosto amargo de tormenta.
Não há por que contares, azul até o osso, com outro verão
Com os rios mudarem de curso
E levar-te à mãe deles
Para que possas outra vez beijar as cerejeiras
Ou cavalgar o vento noroeste
De pé nas rochas sem amanhã nem ontem
Sobre o perigo das rochas cabelos na tormenta
Irás dizer adeus ao teu enigma.
O TEMPO É A SOMBRA CÉLERE DOS PÁSSAROS
O tempo é a sombra célere dos pássaros
Meus olhos escancarados em meio às suas imagens
Por sobre o verde ditoso das folhas
As borboletas vivem grandes peripécias
Entrementes a inocência
Despe sua última mentira
Doce doce peripécia
A Vida.
Por sobre o verde ditoso das folhas
As borboletas vivem grandes peripécias
Entrementes a inocência
Despe sua última mentira
Doce doce peripécia
A Vida.
JÁ NÃO CONHEÇO A NOITE
Já não conheço a noite, terrível anonimato da morte
No porto de minha alma ancora uma frota de astros.
Estrela da tarde, sentinela a refulgir na brisa
Celeste de uma ilha que me sonha
A proclamar de seus altos rochedos a alvorada
Meus dois olhos num abraço te acolhem com ó astro
Do meu vero coração: Já não conheço a noite.
Já não conheço os nomes de um mundo que me nega
Leio as conchas, as folhas, os astros com clareza
Meu ódio é supérfluo nos caminhos do céu
A menos seja o sonho vendo-me cruzar de novo
com lágrimas o mar da imortalidade
Estrela do mar, sob o arco dourado de teus fogos
Já não conheço a noite que é só noite.
No porto de minha alma ancora uma frota de astros.
Estrela da tarde, sentinela a refulgir na brisa
Celeste de uma ilha que me sonha
A proclamar de seus altos rochedos a alvorada
Meus dois olhos num abraço te acolhem com ó astro
Do meu vero coração: Já não conheço a noite.
Já não conheço os nomes de um mundo que me nega
Leio as conchas, as folhas, os astros com clareza
Meu ódio é supérfluo nos caminhos do céu
A menos seja o sonho vendo-me cruzar de novo
com lágrimas o mar da imortalidade
Estrela do mar, sob o arco dourado de teus fogos
Já não conheço a noite que é só noite.
* Os títulos
são traduções livres para as edições gregas. Os poemas são traduzidos por José Paulo Paes e incluídos na edição Poesia Moderna da Grécia.
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