Textos que buscam olhar a literatura em suas mais diversas faces
Por Pedro Fernandes
Como todo estudante de Letras (que apesar de graduado, serei sempre) que antes de gostar de Literatura, gosta de ler (acho mesmo que não há como dissociar uma coisa da outra) estive por esses dias lendo um conjunto de artigos acadêmicos de professores e pesquisadores de várias instituições de ensino superior do Nordeste.
Trata-se de uma publicação das Edições UERN e da editora Queima-Bucha, esta conduzida pelo poeta Gustavo Luz, de quem escrevi a orelha da reedição de seu recente livro, ainda por lançar, o Das máquinas. A publicação de Linguagem, discurso e cultura se deu em 2008. Acredito que estive em algum dos vários lançamentos desse livro porque tenho frequentado razoavelmente alguns congressos que versam sobre a temática. O livro é organizado pelos professores Alessandra Cardozo de Freitas, Lílian de Oliveira Rodrigues e Maria Lúcia Pessoa Sampaio.
Mas, falo desse livro por um motivo: a presença de dois textos, um de uma das organizadoras do livro, Lílian de Oliveira Rodrigues e, o outro de Andrey Pereira de Oliveira, “A voz na memória: narrativa e identidade na cultura popular” e “Do texto visual ao texto verbal: os Quixotes de Portinari e de Drummond”, respectivamente.
O primeiro é, antes da apresentação de um estudo que relaciona memória, identidade e cultura popular, um resgate (não no sentido que cabe a essa palavra, mas no sentido de preservação) de uma figura da cultura popular do Rio Grande do Norte (e são muitas as que se apagam sem a devida atenção da sociedade, do estado e, também das instituições de Ensino Superior que dentre tantas as missões que têm de cumprir, está o respeito e a valorização da arte autóctone, seja a literatura em suas mais variadas dimensões, seja a pintura etc.)
O artigo de Lília de Oliveira Rodrigues versa sobre D. Maria José, artista popular de São Gonçalo do Amarante, Rio Grande do Norte, já identificada como a “maior cantadeira de romances de Brasil” e pelo nome de D. Militana, seu nome de registro. Dos fragmentos pinçados dos depoimentos coletados pela professora, que se mostram entrelaçados às teorias, afinal de contas, é um texto acadêmico do que estou falando, saltam imagens que estão no limite de alcançar um retrato sobre a autora de uma literatura oral, agora, registrada pela escrita. Um gesto que guarda qualquer coisa do que fizeram aqueles Irmãos Grimm na Alemanha do século XVIII.
O segundo texto que citei apresenta numa leitura analítica pelas vias da semiótica e da teoria literária sobre as relações entre uma das 21 gravuras em lápis de cor sobre carvão realizadas Cândido Portinari¹ em 1956 a pedido do editor José Olympio para ilustrar uma nova edição brasileira do Dom Quixote, de Cervantes e um poema de uma série também de 21 poemas de Carlos Drummond de Andrade feitas em diálogo com as gravuras do artista plástico.
Os poemas do poeta mineiro foram escritos a partir das imagens depois que o projeto da edição da obra de Cervantes não vingou. Em 1972, a José Olympio, para não ver perdido o trabalho de Portinari, aproveitou integralmente o material depois de Carlos Drummond de Andrade aceitar conduzir as composições.
Apenas pela singularidade desses dois textos aqui destacados, este livro prefaciado pela respeitável Rosário Gregolin merece uma atenção especial dos leitores.
Nota:
1 Na impossibilidade de reproduzir uma imagem em boa resolução da capa do livro, optei por ilustrar o texto com uma das imagens realizadas por Cândido Portinari das referidas no comentário do texto aqui em evidência.
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