Cláudio Manuel da Costa


“Senhores do verbo naquele amanhecer da pátria, eles fizeram História e fizeram Poesia. Por uma e por outra imortalizaram-se. A inconfidência, um dos primeiros movimentos na direção da afirmação da pátria brasileira, introjetou-se no imaginário social. O gesto que os uniu na conjuntura heroicizou-os e aos seus companheiros, em destaque Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes; os versos que deixaram, modelizados ao vezo das tendências da época mas com nítida singularidade, são parte relevante da incipiente literatura brasileira do século XVIII e, à luz do processo cultural, situam-se entre os instauradores da tradição de uma sensibilidade peculiar à condição brasileira. E muitos deles permanecem carregados de atualidade. É ver as inúmeras passagens de Marília de Dirceu, livro que esgota dezenas de edições desde o seu lançamento, é ler os belíssimos poemas de Cláudio Manuel da Costa, marcados pela celebração nativista e de entusiasmo patriótico, é apreciar um aspecto a partir de Gregório de Matos, desde o século anterior, se tornara frequente na literatura brasileira, o teor irônico das deliciosas Cartas Chilenas, denunciador das diatribes dos governantes.

Por outro lado, ao longo do tempo, mitificou-se a inconfidência, mitificou-se a figura de Tiradentes, convertido inclusive em Patrono Cívico da Nação Brasileira, por força de lei, em 1965, mitificaram-se os poetas inconfidentes e as musas que lhes mobilizaram a palavra poética, mitificou-se o espaço da ação. A tal ponto que, convertidos em temas de literatura, perpassam, desde o século XIX até a atualidade, o processo literário brasileiro, frequentam a prosa ficcional, o teatro, a poesia chamada erudita e inspiram a poesia de cordel.”

Três foram os poetas que participaram diretamente do Movimento da Inconfidência – Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto. A eles somam-se outros nomes, do Arcadismo brasileiro, que consoante Domício Proença Filho dedicaram-se às suas musas e não às armas: José de Santa Rita Durão, Basílio da Gama e Silva Alvarenga. 



Cláudio Manuel da Costa

Cláudio Manuel da Costa é considerado pela crítica literária brasileira como o precursor do Movimento Árcade no Brasil, com a publicação de suas obras, em 1768. Nasceu em Mariana, Minas Gerais, em 1729. Como muitos outros da sua época, conquistou seu diploma de Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra. Ao concluir seus estudos voltou para o Brasil. Estabeleceu-se em Vila Rica,  onde fez carreira como advogado. Quando estourou o movimento dos inconfidentes do qual fazia parte, Cláudio Manuel foi preso. Depois, encontrado morto na prisão em que aguardava julgamento.

Como poeta escreveu alguns dos seus poemas, seguindo o ideal arcádico, em alguns casos sob pseudônimo de Glauceste Satúrnio. Além de sonetos, sua grande atividade como poeta, experimentou diversas formas líricas: éclogas, epicédios, cantatas... E se propôs a compor um poema épico intitulado "Vila Rica", de forte caráter histórico pelas informações acerca da descoberta das minas, a fundação da cidade e as primeiras revoltas do lugar, obra que não chegou a publicar, fosse porque não concluiu o intento ou porque reconheceu este como um trabalho menor diante do que já havia produzido. Não é raro, o leitor encontrar, entre os poemas da sua maturidade, o tema da queixa pela impossibilidade de poetar, o que demonstra certo declínio na produção literária do poeta. 

Muito da obra de Cláudio Manuel terá se perdido, mas o pouco que nos chegou atesta um homem interessado no aperfeiçoamento da forma poética, esse ponto de inflexão do árcade para com os modelos neoclássicos franceses. Seus versos estão fartamente marcados pela influência de Camões e Petrarca. Também propôs, em sonetos, como o a seguir, um certo intuito de, ao refletir acerca da natureza de sua pátria, imortalizá-la. Noutros, não deixou de expor certa denúncia da condição do Brasil ante a exploração desmedida e dos abusos do poder imperial.

Leia a posteridade, ó pátrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado,
Porque vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:

Não vês nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um álamo copado;
Não vês Ninfa cantar, pastar o gado,
Na tarde clara do calmoso estio.

Turvo, banhando as pálidas areias,
Nas porções do riquíssimo tesouro
O vasto campo da ambição recreias.

Que de seus raios o Planeta louro
Enriquecendo o influxo em tuas veias
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.

Antonio Candido em A formação da Literatura Brasileira concorda que "de todos os poetas 'mineiros', talvez seja ele o mais profundamente preso às emoções e valores da terra, embora uma inspeção superficial da sua obra possa sugerir o contrário." O estudioso vê a obra de Cláudio Manuel (e a observação terá valia para outros escritores do seu tempo) como arraigada pela inteligência e disciplina estética dos padrões eruditos da Europa, o que o "levou por vezes até o formalismo a estabilização dos seus temas mais caros, fazendo coexistir com o bairrista mineira um afetado coimbrão. Ao modo dos caipiras, procurava disfarçar as marcas de origem acentuando os traços aprendidos na cidade."

"Cláudio se corporifica o movimento estético da Arcádia no que tem de profundo, pois tendo partido Cultismo, chega ao neoclássico por uma recuperação do Quinhentismo português." Em Coimbra foi contemporâneo dos reformadores literários, mas quando se definiu realmente a teoria da reforma já estava novamente no Brasil. "A formação que levou da pátria e reforçou inicialmente em Portugal foi portanto barroca; de todos os poetas novos é o que maior liame conserva com a tradição. No entanto, a sua sensibilidade deve ter-lhe apontado desde logo ... a inviabilidade do estilo culto, já esgotado em Portugal pelos desmandos do mau gosto, para exprimir o espírito do século e as novas concepções. Daí um esforço pessoal de superação, paralelo ao grupo da Arcádia Lusitana, que o levou à sólida base da literatura portuguesa moderna: o século XVI. Quis todavia ir adiante e ser plenamente homem do tempo, procurando a simplicidade didática e o interesse pela verdade humana contemporânea, no que talvez tenham influído os desenvolvimentos da Arcádia, embora, do Brasil, tivesse pouca oportunidade de familiarizar-se com eles. O que todavia parece verossímil é que ele foi, não caudatário, mas co-autor da transformação do gosto, embora de modo independente e mais conservador".

É importante sublinhar que o poeta manteve, ao que parece, desde cedo, o pendor e a sensibilidade para o poético. Quando viveu em Portugal ainda não havia se constituído as bases para o ideal arcádico, este constituído, segundo Sérgio Buarque de Holanda, por um pequeno grupo da elite italiana e sob o financiamento ativo do rei português D. João. Era ainda o exagero e a multiplicidade do Barroco o tom das expressões artísticas do seu tempo coimbrã, mas, seja por limitação intelectual (do que sempre acusam os nossos árcades), seja por ousadia criativa (o que antes fico dito por sensibilidade) já trouxe consigo certo interesse pelo trovar simples e para o apego à sua terra de origem, fazendo-a incorporar-se por entre os cenários de tom, figuras e elementos recolhidos do imaginário cultural clássico.

Por tudo o que se observa ao longo deste texto, é possível concluir que, em grande parte, estamos diante de um poeta inteiramente interessado no seu país natal, a ensaiar de alguma maneira a criação de uma cultura genuinamente nossa, o que o faz diferir, por exemplo, de nomes como Gregório de Matos, este um homem de forte verve tradicional lusitana e mero repetidor dos ideais do seu tempo. A celebração dos encantos do Brasil e o desejo de exprimi-los enquanto arte, bem como este senso dos problemas sociais do seu tempo são marcas que poderão se observar até hoje na nossa literatura. Sua obra figura, para repetir Antonio Candido no limiar do novo estilo, ao que podemos acrescentar, no limiar de nova literatura. E vale findar estas notas com estes versos:

O vasto empório das douradas Minas
Por mim o falará: quando mais finas
Se derramam as lágrimas no imposto
De uma capitação, clama o desgosto
De um país decante...


Ligações a esta post:
>>> Para ler a segunda post, sobre o escritor Tomás Antônio Gonzaga, clica aqui.
>>> Para ler sobre os escritores Alvarenga Peixoto, Santa Rita Durão e Silva Alvarenga, clica aqui.
>>> Para ler a quarta post, sobre o escritor Basílio da Gama, clica aqui.


* Fonte. A exceção do fragmento do Domício Proença Filho que introduz esta post, e apresenta-se referenciado, o texto que se segue, bem como o primeiro poema de Cláudio Manoel da Costa para a post estão em Maria Luiza Abaurre, Marcela Nogueira Pontarra e Tatiana Fadel, Português: língua e literatura, os demais estão Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira.

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #607

Boletim Letras 360º #597

Han Kang, o romance como arte da deambulação

Rio sangue, de Ronaldo Correia de Brito

Boletim Letras 360º #596