Alice Ruiz

Penso e passo

Quando penso que uma palavra
Pode mudar tudo
Não fico mudo
Mudo

Quando penso que um passo
Descobre o mundo
Não paro o passo
Passo

E assim que passo e mudo
Um novo mundo nasce
Na palavra que penso.


Alice Ruiz. Foto: Alice Slomp


O poema em epígrafe está em Poesia pra tocar no rádio (1999), título da poeta curitibana Alice Ruiz. Também foi musicado por Alzira Espíndola, perfazendo um raro (mas não improvável) movimento entre a letra do poema e a da música. 

Alice Ruiz destaca-se como poeta. É uma autora versátil. Nasceu em 22 de janeiro de 1946 e começou a escrever ainda durante a infância (sim, a maioria de nós começamos, mas não escrever no sentido do interesse artístico. A curitibana aos nove anos de idade era "poeta de gaveta", como se autointitulou nas vezes em que discorreu do seu convívio com o fazer literário. 

O exercício de escrever para guardar durou até aos 26 anos, quando, pela primeira vez publicou um de seus poemas. Mas, a estreia em livro, o ponto inaugural na carreira de um escritor, só viria oito anos mais tarde, em 1980, Navalhanaliga; tão logo veio a luz, recebeu o Prêmio Paraná de Literatura.

Depois da publicação do primeiro título, Alice não parou mais e sempre tem aparecido com uma obra inédita: Paixão xama paixão (1983), Pelos pêlos (1984), Hai-Tropikai e Rimagens (1985), Nuvem feliz (1986), Vice versos (1988), Desorientais (1996), Haikais (1998), Yuuka (2004), Salada de frutas, Dois em um e Conversa de passarinhos (2008), Três linhas e Boa companhia  (2009), Jardim de Haijin e Proesias (2010), Dois haikais e Estação dos bichos (2011) e Luminares (2012).

Além de poesia,  ela se dedica à tradução e à composição musical, gênero partilhado por parceiros e intérpretes como Zélia Duncan, Arnaldo Antunes e Zeca Baleiro, para citar alguns dos nomes mais populares.


Alice Ruiz e Paulo Leminski em 1980. Foto: Dico Kremer


Para o poeta Cláudio Daniel em "A lírica imprevista de Alice Ruiz", texto publicado na revista Cult, a obra de Alice Ruiz é movida pelo diálogo com a música popular, a linguagem publicitária, a história em quadrinhos, o zen-budismo e os temas do feminismo e da diversidade sexual; para o crítico e também poeta, desde o livro de estreia, a obra da autora paranaense já está inserida no que chama de "caldeirão cultural". 

"O próprio título do livro já indica uma operação de violência contra o lirismo e a sentimentalidade atribuídos por muito tempo à poesia de autoria feminina: Alice Ruiz reivindica, como símbolo de sua poética, nada menos que uma navalha, arma branca usada por garotas de programa para sua segurança pessoal".

Cláudio Daniel acrescenta: "A subversão poética da autora, se recuso a ingenuidade romântica, investe, ao mesmo tempo, em composições de grande intensidade emocional, como a peça de abertura do volume [Navalhanaliga]: 'não era ainda pessoa / e já sonhava / não é mais pessoa / e ainda sonha', poema composto em homenagem ao filho Miguel Ângelo Leminski, falecido com apenas nove anos de idade."

O poema referido, outros de Navalhanaliga e do restante da obra de Alice Ruiz, utiliza de recursos visuais, como a inserção de desenhos, fotos e símbolos de notação musical, com evidente ressonância da poesia concreta, mas sem dependência epigônica, isto é, para Cláudio Daniel, a estratégia criativa de Alice Ruiz está mais próxima de um certo brutalismo que nos faz pensar nas Antologias mamalucas de Sebastião Nunes e nos poemas visuais do Jornal Dobrábil de Glauco Mattoso.

Alice Ruiz foi casada com Paulo Leminski e herdou do poeta variada forma de construção e apresentação da sua poética, sobretudo, se repararmos nos jogos ou brincadeiras com a linguagem. 

Mas, foi Leminski quem se encantou pela capacidade de Alice na escritura de haicais. E, tal como o poeta, a brevidade desse texto moldada quase sempre do espanto com o mundo e a própria linguagem, finda sempre alcançando de maneira quase instantânea o fora do livro.

A obra de Alice Ruiz merece a atenção do leitor porque é, sem dúvida, uma das vozes mais singulares da poesia brasileira contemporânea.


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