Quinze mulheres da literatura brasileira

Rachel de Queirós, a primeira mulher a fazer parte da Academia Brasileira de Letras.

O fato de o calendário dispor de uma data para lembrar das mulheres não é à toa. Num mundo modelado à imagem e semelhança dos homens, em que elas tiveram de vencer (e ainda têm) cada um dos empecilhos sociais a elas impostos, um 8 de março é mais que uma conquista à memória das que pereceram na luta; é um convite à reflexão sobre o quanto a humanidade foi mesquinha nessa querela de tornar díspar a relação entre um membros de grupo em que, por mais diverso e heterogêneo que seja (culturalmente, biologicamente) são alinhados às mesmas qualidades: humanos. 

O universo da literatura é apenas uma das esferas onde elas tiveram de galgar espaço. Basta lembrar que já houve um tempo que foi negado a alfabetização às mulheres e escrever era coisa de homem; algumas desafiaram essas limitações e ousaram escrever com nomes masculinos e publicaram à surdina, outras não, quiseram dizer ao mundo que mulher, sim, pode escrever e em alguns casos escrevem muito melhor que o homem. Não vamos voltar a esse tempo, mas vamos citar aqui quinze nomes da literatura brasileira que fizeram história de uma maneira única: na criação de uma obra singular para as nossas letras. Não custa esclarecer que é uma lista sem grandes pretensões; arrumamos os nomes pela data de nascimento e destacamos, além de alguns aspectos da biografia, que obras o leitor pode ler para conhecer um pouco sobre a escrita das autoras.

Júlia Lopes de Almeida (24 de setembro de 1862, Rio de Janeiro - 30 de maio de 1934, Rio de Janeiro). O nome de Júlia é lembrado sempre quando o tema é questão da abolição da escravidão; ela foi uma das que lutaram pela causa. A propensão para as letras veio desde cedo, embora tenha se dedicado sempre às escondidas conforme lembrou numa conversa com João Rio; cedo contribuiu (não sem está no escuro) para o jornal Gazeta de Campinas. O casamento com o escritor português Filinto de Almeida, na época diretor da revista A semana, editada no Rio de Janeiro terá sido uma oportunidade para publicação sistemática da escritora. Além da luta abolicionista e das perquirições por aparecer com seu nome como escritora, Júlia foi presidenta da Legião da Mulher Brasileira, grupo criado em 1919 para discussão sobre questões caras aos direitos das mulheres e, mesmo tendo participado ativamente das reuniões para a criação da Academia Brasileira de Letras foi excluída do grupo porque era mulher. Da sua extensa obra, destaca-se Ânsia eterna (uma coletânea de contos) e os romances A intrusa e O funil do diabo.

Cora Coralina (20 de agosto de 1889, Cidade de Goiás - 10 de abril de 1985, Goiânia). Teria passado para o esquecimento da história ou seria apenas lembrada pela exímia doceira que foi, se não fosse a descoberta de sua obra pelo poeta Carlos Drummond de Andrade. É óbvio que foi a singeleza e qualidade, diríamos, igualmente doce de Cora que fizeram com que sua obra caísse no gosto popular e alcançasse o posto de uma das mais queridas dos brasileiros. O primeiro livro da poeta só foi publicado quando já tinha quase oitenta anos: Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. Saiu pela José Olympio, uma das casas editoriais do mais importantes do Brasil na sua época. Além de poesia, Cora escreveu contos reunidos em Estórias da casa velha da ponte e, postumamente, saiu dois outros títulos com poemas, Tesouro da casa velha e Vila Boa de Goiás.

Cecília Meireles (7 de novembro de 1901, Rio de Janeiro - 9 de novembro de 1964, Rio de Janeiro). Em termos de popularidade, a obra de Cora Coralina só perderá para a dessa poeta carioca considerada uma das vozes mais singulares da lírica em língua portuguesa. Cecília começou a escrever desde muito cedo; tinha só dezoito anos quando publicou o primeiro livro, ainda fortemente inspirado pelo registro simbolista. O grande e pioneiro trabalho da poeta, além da literatura, foi sobre a educação e a formação leitora: como jornalista, publicou diversos textos com críticas sobre a então rude e incipiente educação no Brasil e fundou, em 1934, a primeira biblioteca infantil no país. A preocupação com a formação leitora desde a infância fez com que Cecília dedicasse grande parte de sua obra à poesia infantil e a textos para este público. Viajou o mundo e foi uma das primeiras a ganhar o Prêmio Machado de Assis pela Academia Brasileira de Letras e, da extensa produção literária, o leitor deve atentar para, na poesia, sua obra completa que se encontra reunida numa extensa compilação feita por Carlos Secchin, em 2001, pela ocasião de seu centenário.

Adalgisa Nery (29 de outubro de 1905, Rio de Janeiro - 7 de junho de 1980, Rio de Janeiro). Teve uma vida bastante intensa e dialogou com importantes figuras da cena artística nacional e internacional, desta última graças à posição que ocupou sob alguns privilégios do Estado Novo que, mais tarde, veria na escritora uma ameaça ao regime e trataria de persegui-la como era costume do tempo. Casou-se duas vezes e a ligação com a Ditadura veio de um desses casamentos; o fato é que Adalgisa sempre foi tida pelos mais próximos como uma mulher subversiva: ainda no colégio de freiras, dizem, saiu em defesa das órfãs que eram maltratadas e consideradas subalternas das freiras; terá sido verdade, porque Adalgisa foi expulsa algumas vezes da escola. Lida por Carlos Drummond de Andrade como um dos nomes mais importantes da cena poética no Modernismo brasileiro, escreveu além de poesia, dois romances. Interessante a leitura de A imaginária (romance) e dos livros Ar do deserto e Mundos oscilantes, ambos de poemas.

Pagu (9 de junho de 1910, São João da Boa Vista - 12 de dezembro de 1962, Santos). É o nome para Patrícia Rehder Galvão, dona de uma intensa vida que contempla o lugar de escritora, poeta, tradutora, desenhista, jornalista e figura atuante na política brasileira. O nome que a eternizou teria sido dado pelo poeta Raul Bopp; pela família era conhecida como Zazá. O grande destaque de Pagu é sua inserção no âmbito do movimento modernista que tem como base o seu início depois da Semana de Arte de 1922. Quando se envolveu com um movimento grevista, um dos primeiros no país, Pagu foi a primeira mulher a ser presa no Brasil acusada de ligações com o comunismo - era já o período da Didatura de Getúlio Vargas. Vale a leitura de Safra macabra, um dos poucos títulos seus mais próximos do leitor; sua obra é ainda um manancial para pesquisadores.

Rachel de Queirós (17 de novembro de 1910, Fortaleza - 4 de novembro de 2003, Rio de Janeiro). A escritora foi uma das galgou o primeiro posto em várias áreas da literatura: foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras e a primeira a ganhar o Prêmio Camões. Rachel integra o grupo que revelou uma face oculta do Brasil para o próprio Brasil, sendo umas das figuras mais interessantes do chamado Romance de 1930, do qual integraram figuras como José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos etc. Na escrita tem uma vasta obra que contempla diversos gêneros: poesia, romance, crônica (pela extensa colaboração aos jornais do país), teatro e tradução. É indispensável a leitura de obras como O quinze, Memorial de Maria Moura (romances) e a coletânea Cem crônicas escolhidas.

Zélia Gattai (2 de julho de 1916, São Paulo - 17 de maio de 2008, Salvador). Nunca lhe agradou o epígono de escritora; preferia ser reconhecida como memorialista. Durante quase toda a vida esteve dedica à militância política no Brasil sempre integrada ao movimento de esquerda, produto da ligação de sua família, de imigrantes italianos, com os movimentos operários. Sua dedicação à escrita ganhou maior intensidade quando casou-se com o escritor Jorge Amado, já quando este era reconhecido como um dos nomes mais significativos da ficção nacional; aliás, Zélia sempre foi uma leitora entusiasta de Jorge. Conheceu-o durante o movimento pela anistia dos presos políticos de um dos períodos mais negros de nossa história. Da sua obra, destacam-se Anarquistas, graças a deus e A casa do Rio Vermelho (memórias) e o romance Crônica de uma namorada.



Clarice Lispector (10 de dezembro de 1920, Chechelnyk - 9 de dezembro de 1977, Rio de Janeiro). Apesar de nascida na Ucrânia, por ter vindo para o Brasil muito criança, a escritora sempre disse se sentir pernambucana. Foi para este estado do Nordeste que sua família migrou por causa das perturbações na Europa pela Primeira Guerra Mundial. Talvez seja uma das autoras mais queridas aos olhos do grande público que, diante de sua obra, não consegue ter o mesmo afeto por acusá-la de uma certa prolixidade. Nesse ínterim, salva-se títulos como A hora da estrela, geralmente lido como o mais simples da escritora. Complexa ou não, lida ou apenas disfarçadamente lida, é um dos nomes mais significativos da literatura brasileira pela capacidade que teve de reinventar as fronteiras da produção romanesca quando se dedica à construção de uma obra de forte apelo introspectivo. Além do romance já citado, vale a leitura de toda sua literatura, é claro; mas, chamamos atenção para títulos como A paixão segundo G. H. e A maçã no escuro (romances), além de Felicidade clandestina e A via crucis do corpo (contos).



Lygia Fagundes Telles (19 de abril de 1923, São Paulo -). Contemporânea de Clarice Lispector e uma de suas leitoras, certamente. A obra da escritora é, sem dúvidas, uma das mais autênticas da literatura brasileira contemporânea. Formada em Educação Física com incursões pelo Direito, ninguém imaginaria, lendo um perfil desses que pudesse também ler que é uma das escritoras mais importantes da cena nacional. Sempre atribui-se o contato que Lygia desenvolveu com vários nomes de seu tempo essa debanda para o universo das letras. Com um Prêmio Camões e outras importantes honrarias do gênero recebidas numa intensa carreira, a obra da paulista se destaca entre o romance e o conto. Recomendamos Verão no aquário, As meninas e As horas nuas do primeiro gênero; e Antes do baile verde, Seminário dos ratos e A disciplina do amor (de contos).

Hilda Hilst (21 de abril de 1930, Jaú - 4 de fevereiro de 2004, Campinas). Na biografia de Hilda tem um dado interessante que é o ter largado uma vida de certa riqueza (ela foi a filha única de um fazendeiro de café) apenas pelo exercício da escrita. No curso de Direito conheceu Lygia Fagundes Telles (sua amiga desde então) e foi, nessa época de faculdade que ainda publicou seu primeiro título, Presságio, que foi lido por nomes como Cecília Meireles e Jorge de Lima, como um livro necessário a então literatura brasileira; o sucesso levou-a a publicar ainda outro título, Balada de Alzira. A decisão em fugir da vida agitada em São Paulo para viver na fazenda de sua mãe, próximo a Campinas se deu em 1964. Viveu aí até os últimos dias de sua vida e transformou um ambiente para receber nomes da literatura e cultura brasileira e, claro, seu centro de criação. Teatro, poesia, conto e tradução - toda uma vida dedicada às letras e uma extensa obra. Destacamos Sobre a tua grande face, Amavisse, Do desejo (poesia) e Fluxo-floema, O caderno rosa de Lory Lamby e Cartas de um sedutor (prosa) e A morte do patriarca (teatro). 

Adélia Prado (13 de dezembro de 1935, Divinópolis - ). Ainda que acusada de não se ressignificar na sua estética poética, interessada sempre nos mesmos temas e imagens que a tornaram reconhecida entre os nomes da poesia brasileira contemporânea, a obra de Adélia Prado representa e muito para a literatura nacional. Todos os nomes citados até agora têm algum traço na sua biografia ou literatura que subverteram a posição designada pela cultura masculina à mulher; a poesia mineira talvez a que se encontra mais acomodada ao seu papel e não há nenhum dado de relevância quando o aspecto é ruptura. Sempre lembrada pela poesia, ofertada primeiro a Carlos Drummond de Andrade, um dos seus maiores incentivadores, Adélia também escreveu prosa. É válida a leitura de Bagagem Terra de Santa Cruz (poesia), Solte os cachorros (contos). 

Nélida Piñon (3 de maio de 1937, Rio de Janeiro - ). De origem galega: nasceu no concelho de Cotobade e veio com a família ainda muito pequena pra o Brasil. Curso jornalismo e, desde então, pela extensa relação que manteve com jornais e revistas dentro e fora do país, começou a dedicar-se à escrita e já em 1961 publicou seu primeiro romance Guia-mapa de Gabriel Arcanjo. Desde então, não parou e tem uma literatura bastante diversificada: romance, conto, crônica, autobiografia, livro infantil, ensaio. Vale a leitura de Sala de armas (conto) e A casa da paixão (romance).

Maria Valéria Rezende (8 de dezembro de 1942, Santos - ). Mesmo não divulgada e ainda integrante do rol uma figura por conhecer, a obra da escritora é, desde sempre, uma das que necessitam ser descobertas com certa urgência. Durante o período da Ditadura Militar, Maria Valéria integrou várias frentes contrárias ao regime. Fez formação superior em Letras-Língua Francesa em Nancy e em meados da década de 1960 iniciou seu trabalho com educação popular, depois de ter cursado Pedagogia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Logo depois, larga o sudeste e vem morar no Nordeste. Da sua obra destacam-se O voo da guará vermelha e Quarenta dias (romances).



Ana Miranda (19 de agosto de 1951, Fortaleza - ). Certamente um dos nomes mais interessantes da produção romanesca, sobretudo, pelo seu interesse pela revisita de certos aspectos da história antiga do Brasil e de figuras da nossa literatura. Entre Fortaleza, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, Ana dedicou-se a diversas áreas antes de abraçar as letras; esteve muito engajada nas artes plásticas (interesse que mantém até os dias atuais na composição das imagens para suas obras, por exemplo) e nas artes cênicas, com o trabalho de atuação em diversas obras cinematográficas e para o teatro. Além do romance, escreve poesia, crônicas, literatura infantil. A obra que a consagrou é Boca do inferno, reinvenção da Bahia colonial e da figura do poeta Gregório de Matos; mas, vale a leitura de Desmundo. Da poesia, o seu livro de estreia Anjos e demônios e Prece a uma aldeia perdida são interessantes de conhecer.  

Ana Cristina Cesar (2 de junho de 1952, Rio de Janeiro - 29 de outubro de 1983, Rio de Janeiro). Um dos nomes mais importantes da chama geração mimeógrafo. Ana C., conforme preferia ser chamada, interessou-se pelas letras desde quando criança; e foi na viagem à Inglaterra, no final da década de 1960, que, do contato com obra de importantes nomes da literatura inglesa, como Emily Dickinson, Sylvia Plath e Katherine Mansfield, que ela começou a dedicar-se à literatura. Os primeiros livros foram bancados pela própria autora, que, paralelo ao exercício das letras, buscava construir uma carreira acadêmica. Quando findou o mestrado em comunicação, foi novamente para a Inglaterra, onde fez outro mestrado, este em tradução literária. Boa parte da obra de Ana C. veio a lume depois seu suicídio pelas mãos do amigo e também poeta Armando Freitas Filho. Destacamos A teus pés e a coletânea Inéditos e dispersos publicada postumamente. 

Ligações a esta post:

Comentários

Dio Xavier disse…
Há um erro na bibliografia de Cecília Meireles: Aos dezoito anos, Cecília só publicou um livro(Espectros), os outros só vieram muitos anos depois, aos 21 e 22 anos.
Pedro Fernandes disse…
Obrigado, Dio Xavier. A revisão foi feita.
Luís Fagner disse…
Excelente lista! Clarice Lispector é, sem dúvidas, a nossa maior escritora.
Sandra Modesto disse…
Não tem uma escritora negra. Grande erro. Porque temos: Maria Carolina de Jesus, Cidinha da Silva, Djamila Ribeiro, Eliana Alves Cruz. Citando apenas algumas. Abraços!
Cicero Silva disse…
Ana Cristina César é muito phoda!!!!!!!!!

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #610

Boletim Letras 360º #601

Seis poemas de Rabindranath Tagore

Mortes de intelectual

16 + 2 romances de formação que devemos ler