A carroça, o bonde e o poeta modernista
Por Pedro Fernandes
(Anotações sobre “A carroça, o bonde e o poeta modernista”, de Roberto Schwarz)
1. No ensaio “A carroça, o bonde e o poeta modernista”, Roberto Schwarz discute a partir da poética de Oswald de Andrade – mais especificamente o poema oswaldino “Pobre alimária” – acerca do poeta e da poesia modernista no Brasil. Alude o autor à conciliação de três elementos característicos na poesia de Oswald: uma fórmula fácil e eficaz para ver o Brasil pelas janelas do poema; o ser poeta sem o esteticismo apregoado pelos poetas doutras escolas literárias semelhante ao modo leninista de fazer política – “o Estado uma vez revolucionado, se poderia administrar com os conhecimentos de uma cozinheira”; o uso de um reduzido vocabulário – reduzido, no sentido de ser comum a todos – o qual Schwarz compara à poética de Bertolt Brecht que se dispunha a redução vocabular do Basic English.
2. Para o autor, somam a isso na poesia de Oswald, uma fórmula de duas operações: a justaposição de elementos próprios ao Brasil-Colônia e ao Brasil burguês, e a elevação do produto à dignidade de alegoria do país. Elementos estes que, nos utilizando do pensamento de Adorno, apontam para um movimento de tensão no interior do poema. Isto é, o pensamento de Schwarz parece ir de encontro a essa concepção, por ter no poema a visão dum espaço em que se apresentam uma dada realidade em choque com outra. Noutras palavras, vê o autor, a poesia modernista como espaço de confluências do tradicional com o moderno. Essa dualidade, no entanto, obedece à própria realidade sociológica que não parava de colocar lado a lado os traços burguês e pré-burguês.
3. Enquanto representante desse movimento, Oswald – pela irreverência e liberdade apresentadas em seu poema, que mais o poderiam levar a ser visto como piadista – adquire o caráter de inovador, justamente, porque soube, no interior do poema, associar esses polos à primeira vista dissonantes e, não apenas isso, traz o poeta outro elemento importante para a poesia dessa época de então: que é o de fazer do poema enquanto espaço cônscio do social, levando-nos a associar esse observação do Schwarz ao pensamento de José Belchior, cujo qual, todo a lírica contemporânea – e isso não exclui, é lógico, o poema – tende essa abertura para o social. E isso será muito bem visto neste ensaio quando Schwarz debruça-se na leitura do poema “Pobre alimária”.
4. Reside nesse poema elementos simples numa linguagem também simples, ao mesmo tempo em que uma tensão: convivem e passam pela mesma janela do poema o tradicional e o moderno, citem-se o cavalo, a carroça e o carroceiro, o bonde, os advogados e os escritórios, que Schwarz ler como mundos, tempos e classes sociais contrastantes, postos em oposição.
5. Longe de constituirmos uma ampla visão crítica para as reflexões apresentadas neste ensaio, o que a visão do ensaísta parece nos dá é a de que a poesia e o poeta modernista apresentam em si um certo antagonismo, em que a realidade apreendida pelo poeta é antitética, constituindo o poema num espaço para um movimento dialético perene, cuja a liberdade de escrita, dada por poema duma linguagem e duma estrutura simples, associada a tensão entre o tradicional e o moderno – tudo isso num fundo cônscio do poema enquanto espaço que se abre para o social, compõe a estética do poema modernista. Ou seja, não representa a poética moderna uma ruptura com o tradicional, antes a incorporação de novos traços que tomam a constituir uma nova feição. Metaforicamente, à carroça soma-se o bonde, igual a poesia modernista.
6. O poema de Oswald de Andrade
Pobre alimária
O cavalo e a carroça
Estavam atravancados no trilho
E como o motorneiro se impacientasse
Porque levava os advogados para os escritórios
Desatravancaram o veículo
E o animal disparou
Mas o lesto carroceiro
Trepou na boleia
E castigou o fugitivo atrelado
Com um grandioso chicote
* “A carroça, o bonde e o poeta modernista” está em Que horas são? (Companhia das Letras, 1999, p. 11-28).
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