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Mostrando postagens de janeiro, 2009

Era Bush

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Por Pedro Fernandes – Atenção, todos! Vai falar agora o excelentíssimo senhor presidente dos Estados Unidos, do mundo e da cocada preta, o Sr. George W. C. Bush. Todos, por favor, quer dizer, por favor, não, que supremo não pede por favor; todos, dobrem-se diante do superior! Lembrete: quem desobedecê-lo estará assinando um tratado de paz armada. (A cena é interrompida por sapatos voadores de um dos jornalistas da sessão). Associando a charge à cena real estamos diante de um painel significativo do que foi o mandato que se finda hoje. Durante esse período assistimos perplexo o desenrolar de cenas muitas delas comuns às ditaduras num país cujo vocábulo liberdade tremula nos principais veios da história da democracia, esta que ainda caminha, mesmo já capenga das pernas. O governo Bush definiu-se na mentira. Através dela criou-se um pretexto para guerras – as guerras pela liberdade (olha aí o vocabulozinho) do povo afegão, do povo iraquiano. Um bom argumento, não fosse o pe

Dr. Fantástico, de Stanley Kubrick

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A Sala de Guerra do filme Dr Fantástico - espaço para sátira do momento histórico da Guerra Fria Em tempos de paranóia e incerteza provocados pela demonstração de força bélica, nada mais saudável que retornar a Dr Fantástico , a brilhante, assustadora e burlesca sátira política de Stanley Kubrick, tão atual quanto em seu lançamento, em 1964. Era o auge da guerra fria. O presidente Kennedy havia sido assassinado, o susto da crise dos mísseis em Cuba era recente, o clima de insegurança dominava tanto os Estados Unidos quanto a Rússia. Se houvesse uma guerra, dizia-se, seria o fim do mundo. Naquele momento, no livro de ficção Alerta Vermelho , o escritor Peter George imagina que, por acidente, um ataque norte-americano é lançado contra a União Soviética. Também em 1964, a hipótese foi tema de outro filme, Limite de Segurança , de Sidney Lumet. Stanley Kubrick resolveu adaptar o  livro, mas queria uma abordagem bem-humorada da história. Peter Sellers sugeriu como roteirista o

John Updike, o reverso do sonho americano

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Por Barbara Celis John Updike. Foto: Dennis Stock. Já não haverá mais livros polêmicos assinados John Updike. Ganhador de quase todos os prêmios literários, exceto o Nobel, a voz imprescindível do colosso das letras estadunidenses apagou-se para unir-se em silêncio às recentemente desaparecidas de Norman Mailer ou Saul Bellow. Com eles compartilhou inquietudes da geração e mais de uma acalorada discussão. Updike, um dos grandes cronistas das mudanças culturais e morais experimentadas ao longo do século XX pelos Estados Unidos, ficará como responsável, entre outras coisas, por elevar o adultério suburbano à categoria da alta literatura. O escritor morreu ontem, 27 de janeiro, em Beverly Farms, Massachusetts. Um câncer de pulmão lhe tirou a vida aos 76 anos; anos que foram suficientes para que o prolífico escritor publicasse 27 romances e 45 antologias com contos, ensaios, poesia e crítica. Ainda tinha um livro por publicar, My father’s tears and other Stories que s

As pequenas memórias, de José Saramago

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Por Pedro Fernandes As pequenas memórias é um livro de emoções extremas; extremas, mas não gratuitas ou baratas como tem sido corrente hoje em dias de espetacularização. Seguindo um estilo que bem trabalhou nos cinco volumes dos  Cadernos de Lanzarote   - diários escritos desde que se mudou para um das ilhas do arquipélago das Canárias   - mas, mais romanceado - coisa que nos cadernos apenas figura como notas - este livro de José Saramago é não apenas um feixe de recordações sobre a infância até o princípio da juventude. As pequenas memórias  é um retrato sobre a formação de um escritor que, antes de tudo, é um interventor, um humanista. Um livro de memórias a que ele chama “as memórias pequenas de quando fui pequeno”.  Portador de uma poesia singela, esse livro reúne como num feixe fragmentos de memória ou os principais acontecimentos que levaram a Saramago ser a pessoa perscrutadora, reflexiva, humanista e interventiva que o é; compreensão que encontra base no que escreveu

Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha

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Diagnóstico da condição brasileira sob a forma de ópera, filme é assinado por um dos maiores nomes da produção nacional Glauber Rocha possivelmente o mais genial cineasta nacional, já vinha de um curta memorável, O pátio (1959), e de um primeiro longa mítico, Barravento (1962), quando rondou este que é considerado por muitos o maior filme brasileiro já feito. Na verdade, algumas raras vezes ultrapassado por Limite (1930), de Mário Peixoto, e por outro do mesmo diretor baiano, a obra-prima Terra em Transe (1967). Mas Deus e o Diabo na Terra do Sol pisa em terreno sagrado do cinema nacional, que é o nordeste brasileiro, espaço simbólico que representa a realidade do país, suas origens e marginalidade em contraste com os grandes centros urbanos. Nos anos 60, com a efervescência do debate político, às vésperas do golpe militar de abril de 1964, o longa ganha importância suprema. Glauber, diferentemente do que se via nos documentários e do que outros cineastas fizeram nos

A vida e a obra de Aluísio Azevedo

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É muito difícil escrever romances no Brasil!... O pobre escritor tem de lutar com dois terríveis elementos – o público e o crítico. O público, que sustenta a obra, e o crítico, que a julga e às vezes a inutiliza; o público, que compra um livro para aprender; e o crítico, que exige que o livro sustente as suas idéias e pense justamente como ele – crítico. (Aluísio Azevedo,  Filomena Borges ) Os arquivos acerca do escritor dão conta de um sujeito que desde menino revelou inclinação às Artes. Ainda nos bancos da escola primária encontramos Aluísio Azevedo completamente fascinado pelo desenho, o que levou a família, presa ainda por uma psicologia do dom, matriculá-lo num curso de artes plásticas. Adolescente já desenhava bem. Chegou mesmo a pintar alguns quadros. E quando animado pelo sucesso que seu irmão Arthur Azevedo obtinha na Corte, partiu para lá. Foi confiante no êxito que ele obteria que fez a viagem. Em pouco tempo, impôs às redações de jornais como  O Mequetrefe

Matar e criar

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Por Candido Pérez Gallego T. S. Eliot, 1947. Foto: George Platt Lynes No número de junho de 1915 da revista Poetry  aparece um poema de um tal T. S. Eliot ( A canção de amor de J. Alfred Prufrock ), que havia nascido em 1888 em Saint Louis (Missouri), passaria pela universidade de Harvard, por aquele período se casaria em Hampstead, Bertrand Russell o convidaria para o jantar de seu novo casamento e até propõe deixar-lhe um quarto em sua casa. A esposa tem uma instabilidade mental, é extremamente frágil  e logo terá a primeira crise importante. No fim, naquele poema se pintava um homem jovem prematuramente velho que passeia pelos bairros marítimos de Boston. Um texto que se abre de um novo modo e esmagador: "Sigamos então, tu e eu / Enquanto o poeta no céu se estende / Como um paciente anestesiado sobre a mesa". A poesia moderna acaba de entrar no panteão e faz uma homenagem a Baudelaire, Laforgue e Apollinaire. Se nos diz que será "tempo para matar e criar&

Cinco livros e cinco filmes para conhecer Charles Bukowski

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Por Pedro Fernandes Bukowski divide a crítica em dois grandes grupos: o dos que admiram sua ousadia e capacidade de fazer da experiência de vida, com linguagem simples e despojada, uma literatura e o dos que assinalam que somente isso ou meter-se em experiências depravadas é insuficiente para se produzir algo que possa ser chamado de literatura. Embates à parte, o fato é que o escritor cada vez mais tem ganhado espaço entre os leitores dentro e fora de seu país; e isso é nada mais que produto de uma motivação convincente de que a literatura não está restrita a um uso delicado ou rebuscado da linguagem. Ou que a literatura, para ser convincente, deve ter por “vocação” não apenas à construção de situações imaginativas, mas a transposição da matéria vivida. Um ou outro lado deve antes de assumir uma posição negativa em relação ao autor e sua obra conhecer sobre. Por isso, esta postagem. Ela copia uma sequência com a sinopse sobre cinco livros e cinco filmes indispensáveis p

Caderno vermelho, caderno azul

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Por Maurício Montiel Figueiras De quem falamos quando falamos de Paul Auster? Do narrador que nos anos oitenta se tornou a nova ponta de lança da literatura estadunidense graças ao fato de a crítica francesa reconhecer o valor e as contribuições de títulos como O inventor da solidão , A trilogia de Nova York (composta por Cidade de vidro , Espectros e A sala trancada ), No país das últimas coisas e Palácio da Lua ? Do poeta cuja habilidade lírica fica evidente não só em Ground Work: Selected Poems and Essays (1970-1979) mas no seu trabalho como tradutor para o inglês de Jacques Dupin, Edmond Jabès e Stéphane Mallarmé, entre outros? Do ensaísta que em A arte da fome demonstra que pode praticar com facilidade o gênero de Montaigne? Do editor responsável por The Random House Book of Twentieth-Century French Poetry e Achei que meu pai era Deus , uma antologia que recupera cento e setenta e nove das quatro mil histórias verdadeiras recebidas como parte do National Story Project, lanç

António Ramos Rosa

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Por alguns redutos da poesia, a obra do poeta António Ramos Rosa circula no Brasil. É evidente que o seu exercício literário num blog mantido (não com assiduidade) entre 2008 e 2012 e as participações esporádicas em diversos periódicos brasileiros são produtos para que não se diga ser o seu nome um total desconhecido por aqui. Que dos seus livros, até o presente, só conhecemos Animal olhar , uma antologia organizada por Rosa Alice Branco e publicada pela editora Escrituras. No entanto, é bom que se sublinhe que a obra e o nome somam como uma das mais interessantes figuras da literatura portuguesa contemporânea. Desde a publicação de O grito claro , seu primeiro título vindo a lume em 1958, Ramos Rosa escreveu quase uma centena de livros, reiterando uma observação já traçada por aqui noutra ocasião sobre a proficuidade dos escritores de além mar. Os últimos título publicados por ele foi Em torno do imponderável , de 2012, e Numa folha leve e livre , publicado no mesmo ano

A jangada de pedra, de George Sluizer

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Por Pedro Fernandes Foi só depois de saber da adaptação de Ensaio sobre a cegueira por Fernando Meirelles para o cinema para ter conhecimento de que, muito antes, outro cineasta também havia se aventurado no exercício de transpor para a sétima arte uma obra do José Saramago. Não lembro agora onde li, mas li que o escritor português sempre se questionou, com certa curiosidade certamente, sobre como seria ver na tela uma personagem que nem ele próprio, seu criador, tinha uma visão bem-acabada. De fato, não é o caso de A jangada de pedra que, como leitor, consigo ter uma imagem mais ou menos elaborada das figuras engendradas pelo romance, mas a partir do romance de 1995, sim, o que sobressai na tessitura da narração, são vultos, expressões. Se por um lado isso até facilita a visualização do criador cinematográfico porque tem a liberdade de moldar a personagem à maneira do que capta do romance e, talvez, nunca lhe pese a acusação (fajuta, diga-se) de que a personagem no cin

Um ano depois

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Por Pedro Fernandes Não adiantemos falsas esperanças, Teria sido, sem dúvidas, uma boa e honesta manchete para o jornal do dia seguinte, mas o director, após consultar com seu redactor-chefe, considerou desaconselhável, também do ponto de vista empresarial, lançar este balde de água gelada sobre o entusiasmo popular, Ponha-lhe o mesmo de sempre, Ano Novo, Vida Nova, disse. José Saramago,  As intermitências da morte Vai o ano correndo em dias e noites até que deságue para o fim que é o início de outro ano que novamente deverá correr em dias e noites e desaguará noutro ano e mais noutros, sucessivamente. É assim desde que criamos o tempo. Enquanto os anos vão correndo também corremos nós até desaguarmos para a morte, esta que é o fim de tudo. Não há para nós como o ano que tem outro ano para desaguar outra vida que possamos estar nela a desaguar e continuar a viver. É assim o curso natural da vida. E neste momento em que comemoramos a chegada de mais um ano