O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola
Saga da família no mundo do crime consolida marca autoral na Hollywood dos anos 1970
O Poderoso Chefão é fruto do casamento entre duas tradições de cinema distintas, a da Hollywood industrial com o filme de arte europeu. Em termos práticos, um grande estúdio financiou a criação extremamente autoral de Francis Ford Coppola, que, ao mesmo tempo, cumpria as exigências de um produto comercial.
A Paramount, nos anos 1970, momento em que os grandes estúdios trabalhavam sem as regras rígidas do período de ouro (entre os anos 1920 e 1950), estava francamente aberta aos novos cineastas e deu a chance a Coppola demonstrar do que era capaz. Ele dirigiu com o mesmo afinco que teria se estivesse sob vigia dos executivos da casa; se falhasse, eles o teriam substituído.
Mesmo nesse clima tenso, o cineasta conseguiu verter em imagens o romance homônimo de Mario Puzo, que mostra a saga de Vito Corleone (Marlon Brando) na América, lutando para manter intacto o núcleo familiar – que ultrapassa parentes e se estende aos seus protegidos. Não é um trabalho fácil como sugere o semblante sereno do chefão, que até na primeira seqüência, durante o casamento da filha, recebe seus clientes e assiste brevemente a festas.
A luta em defesa da família, driblando os mais violentos atentados e sangrentas traições (algo que o filme mostra em cenas de grande impacto) é transferida, por força das circunstancias, para o caçula Michael (Al Pacino), que primeiramente rejeita ser o novo “padrinho”, mas logo afundará nos “negócios”, empurrado pelo destino.
Coppola dá especial ênfase a esse drama que lembra muito grandes óperas, em que os personagens sofrem com as reviravoltas da vida. Isso dá a Vito uma imagem forte, mas é Michael o grande figura do primeiro filme da trilogia. O diretor também consegue um milagre: trazer para dentro de uma produção de modelo comercial alguns elementos da vida pessoal. Seu pai, Carmine Coppola, compôs a trilha sonora, e parentes participam do elenco (como sua filha Sofia, na época ainda bebê e hoje também diretora de cinema). Essa cultura italiana, bem conhecida por Francis Ford Coppola, é levada ao longa nos momentos quase “documentais” que apresentam danças e costumes europeus. Apesar de se passar entre os anos 1940 e 1950, o longa foi todo rodado em locações artesanalmente caracterizadas, jamais em cenários. A fotografia de Gordon Willis, meio dourada, com iluminação de cima para baixo, fez escola: todos os filmes da época realizados a partir daí usariam tal estilização.
Coppola ainda conseguiu conectar sua obra à urgência política do momento, e ele próprio revelou posteriormente que o Michael desconfiado e paranóico é um retrato do ex-presidente americano Richard Nixon. A Academia, impressionada com o lado espetacular do drama dos Corleone deu-lhes os prêmios de Melhor Filme, Ator (Brando) e Roteiro Adaptado.
As raras críticas apontaram no tratamento simpatizante, legitimador e glamouroso com que o filme trata a máfia. Em 1974, Coppola prosseguiu narrando a saga da família em O Poderoso Chefão: Parte 2, no qual Robert De Niro fez o papel de jovem Vito Corleone, e Michael é mostrado, em 1959, ainda mais severo. Os personagens retornam em O Poderoso Chefão: Parte 3 (1990), que mostra o herdeiro dos Corleone envelhecido, nos anos 1970.
* Revista Bravo!, 2007, p. 14.
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