William Faulkner



William Faulkner nasceu no estado do Mississipi em 1897 e naquela região viveu quase toda sua vida; foi desde sempre um aficionado pela leitura, mas não chegou a concluir a formação básica. No início dos anos 1920 decidiu que seria escritor e começou a trabalhar em empregos diversos para garantir o sustento: ajudante de banco do avô, carteiro, contrabandista de rum, bombeiro, carpinteiro, pintor de paredes... funções que lhe permitiam ganhar o suficiente “para papel, cigarro, comida e algum uísque”.

Nesse período, o escritor dedicou-se a expandir outros talentos, além da escrita, como o desenho e a pintura. Foi também a época em que se entregou à leitura e através do amigo Phil Stone, que mantinha relações com nomes como T. S. Eliot, Robert Frost e Ezra Pound, começou na medida que lia esses autores a se corresponder com eles. Talvez por isso, os primeiros exercícios de escrita seus tenha se dado pela poesia.

Esse momento de uma vida de incerteza levou Faulkner a querer o Serviço Militar; imaginava talvez que, aí, pudesse ter dinheiro e algum tempo para continuar se dedicando à leitura. Ou talvez não: Faulkner tinha uma profunda atração pela aviação e mesmo depois de ser recusado pelas forças armadas do seu país, não desistiu da empreitada; alistou-se na Força Aérea do Canadá, mas não chegou a ir para a Primeira Guerra Mundial como queria.

Depois desse estágio na aeronáutica foi estudar outras línguas na Universidade do Mississipi; primeiro a língua materna, depois francês e espanhol. E antes que viesse o seu primeiro romance, escrevia para jornais e revistas e um caderno de poemas que chegou a editar com o título de The Marble Faun [O fauno de mármore: tradução livre]. A antologia não decolou.



Foi só com a publicação de Paga de soldado, em 1926, (o primeiro romance), que ganhou o suficiente para financiar parte de uma viagem a Paris; mas publicou ainda, antes dessa experiência que terá mudado radicalmente sua vida, Mosquitoes, em 1927, uma paródia sobre Geração Perdida. Era interesse seu que fosse publicado ainda seu terceiro romance, Flags in the dust, mas seu editor, viu que era ruim e não se interessou pelo manuscrito. O título terá sido integralmente reescrito e dado origem a Sartoris, mesmo o escritor não tendo destruído o original.

No final de 1929, o escritor encontrou uma nova editora disposta a encarregar-se da publicação de O som e a fúria, um manuscrito que já trabalhava há alguns anos; o livro foi um fracasso de vendas. E o que terá salvado o escritor foi a crítica, sempre leitora atenta de seu trabalho e sempre designando o livro como uma grande obra. Não vende, mas tem o apoio dos leitores especializados – isso garantiu a William Faulkner que continuasse a publicar seus contos, tarefa que cumpria única e exclusivamente para continuar com a mesma serventia de sempre: garantir seu sustento. Nessa ocasião, ele passa a ter quase uma obsessão pela escrita. Escreve sem descanso. Enquanto agonizo, Santuário (seu único êxito em vendas), Luz de agosto e Pylon. Uma das razões para a escrita sem descanso é que, já então, havia se casado com seu primeiro amor, Estelle Oldham. O sucesso de Santuário foi o suficiente para comprar uma casa, onde escreveu todas as obras seguintes.

O som e a fúria foi idealizado por Faulner como um conto com mil palavras. Não devia ocupar mais que duas folhas, “mas logo me dei conta de que era impossível”, recordaria anos mais tarde. “Fiz uma primeira versão, não era boa. Então voltei a escrever, e nasceu Quentin. Mas ainda não era boa e na terceira reescrita criei Jason; e continuava sem ser boa, e tratei de colocar Faulkner na obra; e então foi pior”.  Esta forma de trabalhar era habitual em Faulkner. Muitas vezes partia de uma imagem, como uma mulher grávida caminhando descalça pela estrada e tratava de buscar uma explicação, ver até onde essa imagem o levava. Só escreveu de um fôlego Enquanto agonizo. Foi o único romance que tinha claro o que era e não que era importante antes de começar a escrever.

Em 1935, com a publicação de Absalão, Absalão!, um dos títulos mais conhecidos do escritor, Faulkner passa por uma largar crise: a crítica começa a falhar e alguns leitores outrora conquistados começam a partir. Para se ter uma ideia de até aonde chegaria essa escassez literária, basta que o leitor saiba que obras como As palmeiras selvagens (publicada quatro anos depois), e Desça, Moisés (1942), só eram encontradas algum resquício de crítica na França. São nestes romances que Faulkner começa a trabalhar no seu universo privado de Yoknapatawpha. E, nesse período que, tomado pela escassez financeira e com receio de voltar aos tempos difíceis que vai trabalhar como roteirista em Hollywood em troca de algum dinheiro: pouco, mas o suficiente para não voltar aos tempos magros.



Os romances a partir de Absalão, Absalão! terão de esperar bom tempo para serem reconhecidos e hoje ninguém mais duvida que a trama construída pelo seu autor é algo que cada vez mais escasseia nos escritores contemporâneos, sempre preocupados em facilitar o acesso dos leitores aos textos. “A impressão de um leitor que pela primeira vez entra neste livro é, estou seguro, a confusão”, assinala Álvaro Pombo. “Se és um leitor perspicaz, jovem e acostumado a ler outras coisas, verá em seguida que se trata de arar um campo virgem. As vozes que Faulkner representa, tomadas todas juntas, lhe darão a impressão de ser uma máquina de arar gigantesca que ara muito mais abaixo do que nunca se conseguirá com o arado simples”, compara.

Mas, o que narra Absalão, Absalão!? Ambientado no sul dos Estados Unidos durante a e após a Guerra Civil nesse país, o romance é a narrativa sobre a queda e ascensão de Thomas Sutpen, fundador de uma dinastia que acaba sendo destruída por sua própria descendência. Tudo está na forma como o escritor terá construído a narrativa, marcada pelo discurso desconexo, pela interpenetração de vozes diversas, cada uma interessada em revelar um aspecto ou um pomo da possível história verdadeira.

O romance integra o segundo e mais importante período de sua obra literária, geralmente lida pela crítica como marcada por três fases: uma, de aprendizagem, marcada pelas criações iniciais, inclusive Sartoris, mais alguns contos e a influência que recebeu de nomes com Tennyson e Swinburne, da literatura estadunidense e da obra dos escritores da literatura inglesa da década de 1890. Outra, onde está Absalão, Absalão! iniciado por O som e a fúria e findado com Palmeiras selvagens.

Esse segundo período é o mais profícuo e importante porque é quando Faulkner, apesar da ruptura sofrida com leitores e a crítica, finalmente se encontra como romancista. As obras estão marcadas por um estilo muito próprio, uma força de narrar igualmente incomparável e extremamente fechadas em temas complexos e caros para a literatura do seu tempo. É o Faulkner das frases longas, obscuras, recheadas de miudezas, obrigando seu leitor a reafirmar-se ante o ato da leitura. Um Faulkner entregue à experimentação ou a introduzir uma reviravolta na arte de narrar: histórias diferentes correndo em paralelo, um mesmo fato visto de ângulos diversos, ou micronarrativas entrelaçadas até formar um turbilhão à primeira vista desconexo e depois visto como dotado de uma força única.

Já a terceira fase teria começado com a publicação de A aldeia e vai até Os invictos. A variação aqui é mais temática: enquanto no segundo período o escritor está atento a revelar o que há de mais imundo da condição humana, aqui ele parece dedicar certa esperança no homem. Mas, do ponto de vista estilístico, o escritor vai demonstrando-se cada vez mais rebuscado.

É posterior a esse momento que se inicia, enfim, os anos de glória. Vem-lhe o Prêmio Nobel de Literatura, o que faz com que importantes grupos editorais dedicam todo o folego para recuperar sua obra e cobrar do escritor novas peças. É já o ano de 1949. E até sua morte, em 1962, o escritor viaja o mundo inteiro em conferências, aulas e na recepção de títulos e outros prêmios. Não publica mais, depois disso, grande coisa; uma obra teatral, e apenas um romance mais longe, em 1954, Uma fábula. Depois de experimentar todos os lances de uma vida dedicada à literatura, deixou-nos uma obra capaz de, tão cedo, não ser vencida, porque única, inesgotável e inigualável.

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