Blindness

Por Pedro Fernandes




Era a tela nua. Branca. Esticada à minha frente. Um mar de leite espichado retangularmente que marcava seus contornos algumas filas depois de onde me sentara. No meio da platéia. Gosto do meio. Quando as imagens começarem a se deslocar elas melhor me envolvem. No meio.

Confesso que, apesar de minha paixão pelo cinema andar ancorada a da pela literatura, nunca me senti ansioso para estréias em cinema. Até quando da primeira vez que tive oportunidade de ver um filme no cinema. Não muito distante – foi quando da estréia do Titanic – filme que não sei o porquê cheguei a assistir cinco vezes (talvez porque o primeiro que vi no cinema, talvez). Mas dessa vez tive, sim, ânsia. E das muitas. Cheguei a reler o romance do José Saramago para ir com a cabeça ainda inebriada pela sua narrativa densa.

14h55. A tela veste-se. Propagandas. Trailers. Até que um disco vermelho estampou-se tão próximo, que sequer daria para precisar ser o de um semáforo. A primeira cena. E o desenrolar estonteante da mesma densidade da narrativa saramaguiana inundando o nu da tela por duas horas.

Saí do cinema com os mesmos sentimentos que a obra literária me casou: uma angústia que se instalou desde a internação daqueles sujeitos no manicômio; um enclausuramento que se instalou desde que o mar de leite toma a luz do primeiro sujeito a cegar; a mesma visão acerca do homem, o de quanto somos nojentos; enfim, o sentimento de que ainda nem tudo está perdido. Há uma luz. Feminina. Uma luz.


* Texto publicado inicialmente no jornal Trabuco, ano 1, n. 3.

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