A poesia de Zila Mamede
Por Pedro Fernandes
Recentemente adquiri uma edição belíssima organizada pela Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EDUFRN) com a produção poética da Zila Mamede. Meu primeiro contato com a obra mamediana se deu ainda na Faculdade, com outro poeta, o professor Leontino Filho, na disciplina Literatura Potiguar (que ainda é ofertada como optativa, mas que deveria ser componente curricular obrigatório nos currículos dos estudantes de Letras do Estado).
É sobre a poeta que escrevo estas breves notas para inaugurar no espaço onde estão João Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, entre outros, sua presença. Nos dias seguintes, o leitor encontrará por aqui a reprodução de um longo texto sobre a obra de Zila Mamede; uma seção especial, não apenas porque este ano é especial, mas porque a poesia da poeta é especial. Estamos comemorando cinqüenta anos de produção poética sua, marcada pela estréia de Rosa de Pedra, em 1953. E esta data não pode passar em branco.
Zila Mamede nasceu em Nova Palmeira, Paraíba, em 15 de setembro de 1928, e faleceu em Natal, Rio Grande do Norte, em 13 de dezembro de 1985. Em 1953, como bolsista da Biblioteca Nacional, concluiu o curso de Biblioteconomia nos Estados Unidos, como visitante bolsista da Biblioteca do Congresso. Organizou e dirigiu a Biblioteca Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que hoje leva o seu nome e que foi a primeira do Rio Grande do Norte; depois, com a mão de Zila, o estado ganharia o primeiro equipamento do tipo, um espaço que seria batizado com o nome de Câmara Cascudo.
Além dos livros de poesia, Zila esteve envolvida em duas publicações de grande fôlego, construídas em quase toda sua vida de bibliotecária e pesquisadora; são os raros e indispensáveis Luís da Câmara Cascudo: 50 anos de vida intelectual e Civil Geometria, sobre a obra de João Cabral de Melo Neto, poeta de seu convívio, predileção e influência, das poucas herdeiras que o pernambucano fez.
"Incluo-me entre aqueles que tiveram o privilégio de não apenas haver conhecido essa autora, mas - privilégio maior - ter convivido com a mesma em circunstâncias especiais. Lembro, por exemplo, que, ao iniciar a publicação de um suplemento literário no extinto A República, convidei-a para a entrevista do primeiro número. Eram os anos setenta, do lançamento de Exercício da Palavra. Ela recebeu-me na Biblioteca que hoje tem seu nome - ainda que fosse de organização - tendo falado demoradamente (tarde de verão acentuando a solidão do campus em férias) sobre tudo o que lhe perguntei."
(Tarcísio Gurgel in Zila - a poesia que herdamos)
"Tivemos muitos encontros, aqui e em Natal, onde estivemos várias vezes, a primeira levando uma exposição de desenhos de Di Cavalcanti, do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo,e eu temeriamente fazendo uma conferência sobre o artista. Essa visita proporcionou a oportunidade de conhecermos o pai de Zila, e sua irmã Ivonete, assim como marcou o início de boas amizades.
Foi um grande enriquecimento afetuoso e literário, que se veio somar à amizade que tinha com João Cabral e Carlos Drummond de Andrade, ambos, aliás, admiradores da poesia de Zila, assim como Manuel Bandeira. Acompanhei o trabalho de pesquisa que Zila estava fazendo sobre a obra de João Cabral, que infelizmente não chegou a concluir, mas que adiantou o suficiente para que pudesse ser publicado , com o título de Civil Geometria, por ela já determinado."
(José Mindlin)
SONETO TRISTE PARA MINHA INFÂNCIA
De silêncios me fiz, e de agonia
vi, crescente, meu rosto saturado.
Tudo de mágoa e dor, tudo jazia
nos meus braços de infante degredado.
Culpa não tinha a voz que em mim nascia
pedindo esses desejos - sonho ousado
por onde o meu olhar navegaria
de cores e de anseios penetrado.
Buscava uma beleza antecipada
- a condição mais pura de harmonia
nessa infância de medos tatuada,
querendo-me embeber de inacabada
procura que, em meu ser, superaria
a minha triste infância renegada.
(Zila Mamede in Rosa de Pedra)
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abraço forte.