Machado de Assis: muitas vezes, uma só hora é a representação de uma vida inteira...
Por Carlos
Faraco*
Papéis
Avulsos (de 1882) é o nome do terceiro livro de contos de Machado.
O próprio
autor comenta:
“Este título
de Papéis Avulsos parece negar ao livro uma certa unidade; faz crer
que o autor coligiu vários escritos de ordem diversa para fim de não os
perder.”
Nada mais
falso que essa impressão, pois nesse livro revela-se a maturidade do contista
Machado de Assis. Já falamos em duas fases na obra de Machado. No conto, esse
livro marca a passagem para a segunda fase, a fase da maturidade artística.
Papéis
Avulsos contém algumas narrativas consideradas já clássicas em nossa
literatura como “O alienista”, “Teoria do medalhão” e “O espelho”. O escritor
tinha dado um enorme salto de qualidade.
Ao lado de
temas já vistos nos livros anteriores, em Papéis Avulsos Machado
recomeça a trabalhar um dos seus temas básicos: a loucura. Nesse sentido, o
conto “O alienista” é uma obra-prima, de leitura absolutamente
indispensável.
A ironia é o
caminho escolhido pelo autor para analisar a ambição e vaidade humanas:
“(...)
qualquer que seja a profissão de tua escolha, o meu desejo é que te faças
grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te levantes acima da obscuridade
comum.” (palavras do
pai ao filho que completa 21 anos, no conto “Teoria do medalhão”)
Conversa
bem-humorada e constante com o leitor é o que não falta nos textos de Papéis
Avulsos. É uma conversa em que o narrador se mostra, fazendo questão de frisar
que se trata de ficção o que está cotando. Veja como se completa a descrição do
personagem Eulália:
“Convenho
que nem todas essas particularidades podiam estar nos olhos de Eulália, mas por
isso mesmo é que as histórias são contadas por alguém, que se incumbe de
preencher as lacunas e divulgar o escondido.” (Dona Benedita)
Na
trajetória de Machado, Papéis Avulsos assume grande importância,
portanto. Revela o amadurecimento de novos recursos de estilo, o aprofundamento
de temas anteriores de sua literatura e o surgimento de outros novos. Enfim, a
consagração definitiva de Machado como um grande (talvez maior) ficcionista de
todos os tempos a nossa literatura.
Em vida
Machado publicou ainda Histórias sem Data (1884), Várias Histórias (1896), Páginas Recolhidas (1899) e Relíquias de Casa Velha (1906).
É difícil
apontar os melhores contos. Alguns são de leitura indispensável: “A igreja
do diabo”, “Cantiga de esponsais”, “Singular ocorrência” (de Histórias sem Data); “A cartomante”, “A causa secreta”, “Um apólogo” (de Várias
Histórias); “Missa do galo” (de Páginas Recolhidas)
Essas
narrativas revelam o universo dos temas que interessaram a Machado: a loucura,
a alma feminina, a vaidade, a sedução, o casamento, o adultério.
E o homem
Machado de Assis?
Inútil
tentativa a de rastrear a biografia de Machado pelos contos, se entendermos por
biografia apenas a sucessão de fatos que ocorrem na vivência de um indivíduo.
Com alguns escritores sucede o amálgama entre vida e obra, de forma que aquela
se reflete nessa. Não com Machado, que manteve um distanciamento profundo entre
uma coisa e outra: quando escreve, transforma-se em observador atento, sutil.
Quem resume
bem essa atitude é Carlos Drummond de Andrade, num poema dirigia a Machado de
Assis:
“Olhas para
a guerra, o murro, a facada
Como uma
simples quebra da monotonia
universal”
Com esse
olhar, Machado contempla a vida e a transforma em arte da melhor qualidade.
Ligações a esta post:
>>> Machado de Assis: Muitas vezes, uma só hora é a representação de uma vida inteira
* FARACO, Carlos. Machado de Assis – Um mundo que se mostra por dentro e se
esconde por fora. In: ASSIS, Machado de. Histórias sem data. São Paulo: Ática,
1998
Comentários