Dez livros marcados pela bebedeira
Jack Kerouac, entre a escrita, muita bebida. |
Depois da
postagem sobre o trabalho de Fernando Pessoa em criar um slogan para uma bebida hoje corriqueira em mais de meio mundo,
lembramos sobre o gosto do poeta não pelo refrigerante mas pelo vinho. Sabe-se
que o português levou o resto da vida entregue à embriaguez perfazendo assim –
pela bebida – uma revisitação de outros planos do sentido como sempre foi gesto
dos verdadeiros poetas.
Além de
Fernando Pessoa, é possível lembrar de Charles Baudelaire e Charles Bukowski,
de Vinicius de Moraes e William Burroughs. O primeiro dizia em "Embriagai-vos" que "É necessário estar sempre bêbado / Tudo se reduz a isso; eis o único problema / Para não sentirdes horrível do Tempo que vos / abate e vos faz pender para terra, é preciso que vos embriagues / sem cessar".
Mas, muitos outros poetas fizeram da
bebida uma profissão de fé; e antes de todos esses nomes, Horácio, na Roma antiga
já dizia, numa apologia à necessidade de o poeta aguçar os sentidos, que o
poeta que bebe só água não escreve bons poemas.
E o romano
não estava só; basta lembrar que a bebida foi a determinante para o nascimento
da poesia lírica – foi nos salões entre taças e taças, e a música da lira que
se compôs aquilo que muito tardiamente se desdobrou como toda a criação
literária que agora conhecemos feita com a maior racionalidade e lucidez. Aliás,
lutar para sair dessa ordem do desvario que recorda esse passado da literatura
tem sido um dos motivos também de criação.
Se pode
servir à criação, também se sabe que o álcool tem sua fama de apagamento da consciência;
vale lembrar da cena clássica da Odisseia,
de Homero, em que Ulisses dá um porre em Polifemo, situação que o leva a derrotar
o gigante. Deve ter saído daí a expressão “porre homérico”.
Foi com essas
observações no papel que buscamos essa pequena lista com alguns livros que, por
uma razão ou outra, estão relacionados com o álcool. Não é uma lista definitiva;
nem um ranking que visa colocar uma obra em relação a outra. As sinopses que são apresentadas para cada livro são das descrições apresentadas pelas editoras que o publica no Brasil.
- Contos da Cantuária, de Geoffrey Chaucer
Publicado
pela primeira vez em 1475, o livro é considerado uma das pedras fundamentais da
literatura ocidental – trata-se de uma coleção de histórias diversas de cavalaria,
farsa e alegorias morais. O livro é um painel sobre o universo social e cultural
da Inglaterra durante a Idade Média. O tema da bebedeira é um dos favoritos da
obra; os peregrinos de Chaucer falam, agem e bebem como se especialistas no
assunto e os efeitos do álcool sobre o organismo humano são apresentados com
intensa dose de detalhe a partir de reflexões sobre a intensidade dos vinhos
franceses e espanhóis, por exemplo.
- Henrique V, de William Shakespeare
A personagem
Falstaf, criada pelo bardo inglês, está presente em várias de suas peças. É conhecido
como um notório beberrão e boêmio. Na peça em questão, ele é um dos amigos de
adolescência do rei. Após a ascensão de Henrique ao trono, Falstaf acaba sendo
desrespeitado e abandonado pelo rei. Triste e abatido pela posição trágica de
Henrique para com ele, a personagem morre embriagado ao lado dos amigos numa
taverna.
- Suave é a noite, de F. Scott Fitzgerald
A narrativa desse
que é um dos romances pouco conhecidos do escritor estadunidense é ambientada
na Riviera francesa de fins da década
de 1920 – período de obstinação de Fitzgerald que é atmosfera para sua obra
mais conhecida, O grande Gatsby.
Trata-se da história de Dick Diver, um psiquiatra que se casa com a paciente Nicole
Warren – uma vida que é pura farsa e logo dominada pelo tédio, pela incapacidade
de comunicação e a presença de altas doses de coquetéis, festas e queima-queima
de dinheiro. Ah, claro, não dá para esquecer de um título que talvez coubesse
melhor nessa lista, mas não citamos pela obviedade, Pileques, drinques e outras bebedeiras.
Ernest Hemingway, vai na garrafa mesmo. |
- Paris é uma festa, de Ernest Hemingway
Momentos de
suave melancolia alternados com outros de cortante, quase selvagem crueldade –
assim se descreve essa obra do escritor estadunidense. Na obra que começou a
ser escrita no final dos anos cinquenta em Cuba e finalizada em 1960, a obra recupera
o tema da felicidade perdida, o gosto da juventude, a persistência no trabalho
de criação artística, as amizades e inimizades e, claro, marcado pela contínua
presença do álcool em toda parte. Não necessita grifar o amor que o próprio
Hemingway manteve pela bebida; “Todos os bons escritores bebem”, disse certa
vez o escritor.
- À sombra de um vulcão, de Malcolm Lowry
Em 1938, no
dia da Festa dos Mortos no México, Geoffrey Firmin, um ex-cônsul britânico, alcoólatra
e homem arruinado, vive seu último dia de existência afundado na bebida,
enquanto sua ex-mulher e seu meio-irmão tentam, inutilmente, ajudar um homem que
se vê transformado numa figura trágica e sofrida.
- Os cus de Judas, de António Lobo Antunes
A narrativa
de um dos livros que revelaram o escritor português dentro e fora do seu país é
construída pela rememoração perturbada de um narrador que, num bar, confessa
toda sua angústia e muitas das coisas vividas quando esteve na guerra colonial
em África. Entre doses e doses de uísque o leitor tem contato com uma história
de vida marcada pela perda e pela dor de ser um desenraizado no seu próprio
país.
Burroughs num pileque de muitos. |
- Junky, de William Burroughs
Depois do
atestado de dispensa do serviço militar o narrador desse livro que é uma
mistura de ato confessional de quando o escritor iniciou sua convivência com as
drogas, eis um texto que não está somente entre o universo do álcool. Ao contrário
de alguns textos cujo tema adquire certo ar de glamour, e apesar de ter sido acusado quase sempre como uma
apologia às drogas, a obra é um poderoso registro sobre os efeitos de uma vida
paralela à sobriedade da existência.
- A morte e a morte de Quincas Berro D’água,
de Jorge Amado
Joaquim Soares da Cunha decide certo dia a
largar tudo na vida – deixa de ser um funcionário exemplar, pai, marido e cidadão
para viver intensamente a malandragem da cidade de Salvador, tornando-se um “cachaceiro-mor”,
“rei dos vagabundos da Bahia”. Até que certo dia amanhece morto – mas terá
morrido mesmo? Toda a narrativa se constrói nesse impasse e na existência do
que seria a última grande bebedeira da personagem.
- On the road, de Jack Kerouac
Considerado um
clássico da Beat Generation por estar ancorado nos princípios reguladores da
literatura nascida desse grupo – transgressão, lirismo e loucura – o livro conta
a história de dois amigos, Sal Paradise e Dean Moriarty, nascidos em Paterson,
Nova Jersey, que cruzam o país de ponta a ponta rumo ao Oeste aproveitando a
viagem, sem prazo para acabar, entre bebedeiras, sexo e longas reflexões.
- Os machões
não dançam, de Norman Mailer
A obra descreve
a bebedeira da noite anterior que leva à personagem ao profundo estágio de
ressaca em que se encontra no correr da narrativa. Os efeitos do álcool aqui
fazem parte do universo de suspensa de que se reveste a narração; já no primeiro
capítulo, por exemplo, ele tem a certeza de ter matado a próprio mulher. O que
leitor encontra depois disso é sobre o estado etílico da personagem que logo
revela como pensam os tomados pela embriaguez.
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