Dois poemas de Pedro Fernandes
Vulgada romântica
Ao martirológio dos suicidas me junto eu
Por drama por tolice estou
O infortúnio, a fatalidade dos desgraçados
Arraigam a pele, come a carne humana
Bate o coração morto-vivo num peito inerte
Dum homem abatido pelos seus ideais
Três ou quatro razões
Capazes de levar-me desse chão
Ao abandono voluntário da existência
Que resta de mim em essência
Tão poucas razões travadas num colóquio constante
Entre felicidade e infelicidade dum pobre diabo
Que raro adega a ter de voltar a cabeça
Ao estrondo seco dum tiro
Esmigalhando um crânio com prazo de validade corrido
A vida acabou-se num fialho de sangue
Desfez-se o homem audacioso e o homem paciente
Eles eram prova de qualquer coisa
Nomeadamente de um sentido:
A ausência dele
Poema em processo
como gotas d’água
que caem do teto de uma caverna
meio que, por acaso, no papel
prefiro fecundar-me e parir
em palavras, poemas
afinal poema é sentir
ainda por definir-se
e ser e causa
sei lá, discreta, até
de novas ordens de vida
mesmo que carregado de talvez
mesmo que despido de palavras
diz tudo
porque em sendo tudo não é nada
e sendo nada diz tudo.
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