José Paulo Paes
O poeta José Paulo Paes. Foto: Jornal do Brasil. |
“Pode-se ler a poesia de José Paulo Paes, breve e aguda a cada lance em
sua tendência constante ao epigrama, como se formasse um só cancioneiro da vida
toda de um homem que respondeu com poemas aos apelos do mundo e de sua
existência interior”.
(Davi Arrigucci Jr.)
José Paulo Paes nasceu em Taquaritinga, São Paulo, a 22 de
julho de 1926 e faleceu a 9 de outubro de 1998, na capital paulista, onde fez parte importante da sua vida. Poeta, tradutor,
crítico literário e ensaísta. Toda essa vida dedicada à literatura foi dividida com outra área, muito distinta. Tendo estudado Química Industrial entre 1945 e 1948, em Curitiba, passou a trabalhar num laboratório farmacêutico.
Ainda nos tempos de
aluno na capital paranaense colaborou com a revista dirigida por Dalton Trevisan, Joaquim, e publicou seu primeiro livro, O aluno, fortemente
influenciado pela poesia de Carlos Drummond de Andrade.
a poesia está morta
mas juro que não fui eu
eu até tentei fazer o melhor que podia para salvá-la
imitei diligentemente augusto dos anjos paulo torres carlos
drummond de andrade manuel bandeira murilo mendes vladimir maiakóvski joão
cabral de melo neto paul éluard oswald de andrade guillaume apollinaire
sosígenes costa bertolt brecht augusto campos
não adiantou nada
em desespero de causa cheguei a imitar um certo (ou incerto)
josé paulo paes poeta de riberãozinho estrada de ferro araraquarense
(trecho de “Acima de qualquer suspeita”)
A ida para São Paulo acontece em 1949. A partir daí, passa a colaborar
com os jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, O Tempo, Jornal
de Notícias e Revista Brasiliense; é desse período quando desenvolve aproximações com alguns dos escritores da geração modernista, como Oswald de Andrade. Conhece também Dora, sua mulher a quem
dedicou Cúmplices, de 1951, seu segundo livro.
Madrigal
Meu amor é simples, Dora,
como a água e o pão.
Como o céu refletido
nas pupilas de um cão.
“Uma pequena objeção: a poesia não é trabalho, é
vocação. Para realizar a sua vocação, todo e qualquer poeta deve preservar o
menino que todos trazemos dentro de nós mas que a avida dita prática nos obriga
freqüentemente a renegar. O poeta é aquele que se recusa a renegá-lo. E,
paradoxalmente é esse menino que torna o poeta o mais agudo dos adultos.”
(José Paulo Paes)
Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.
Só que
bola, papagaio, pião
de tanto brincar
se gastam.
As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.
(trecho de “Convite”)
“Desde cedo, José Paulo partira, discreta, mas
resolutamente, na direção de um gênero maldito, que os Modernistas de 22 haviam
reabilitado, mas que fora logo outra vez descartado sob os arroubos
sério-esteticistas da geração posterior – o epigrama, depreciativamente
apelidado de ‘poema-piada’. Por isso a época em que predominava uma poesia
florida e metaforizante, passou despercebido o esforço de JPP no sentido de retomar,
em dois aspectos – o da concisão e o do humor –, a anti-tradição de Oswald de
Andrade e encetar uma poesia sarcástico-participante, uma poesia ‘interessada’,
mas de uma participação avessa ao demagógico, entendida não como um discurso
catequético, mas como lúcido testemunho.”
(Augusto de Campos, in PAES, José. Anatomias. São Paulo:
Cultrix, 1967)
Enraizada na Geração de 45, José Paulo Paes participa de uma
antologia na companhia de Haroldo de Campos e Décio Pignatari, bem antes da
Poesia concreta, movimento em que o poeta bebe com maior interesse mais tarde. Em 1967, é lançado
seu livro Anatomias, um livro no qual prevalece ainda o interesse pelo ritmo oswaldiano, com poemas em que predominam a estética do verso curto e do humor.
Por volta de 1963, inicia um trabalho editorial
intenso à frente da Editora Cultrix; abandona o trabalho como químico e se dedica integralmente à literatura. Na companhia de
Massaud Moisés organiza, em 1967, Pequeno Dicionário de
Literatura Brasileira.
“Sua poesia, desde O aluno (1947) até Prosas (1992),
revela uma voz instigante e original, que a cada livro aprimora aquelas
características que lhe são mais peculiares: a concisão epigramática, o horror
ao derramamento e ao sentimentalismo, a tendência conceitual mas anti-discursiva
e a engenhosidade verbal, que em vez de buscar o malabarismo exibicionista
busca a síntese exemplar, o laconismo prenhe de insinuações. Uma das marcas
registradas dessa voz poética é o humor, aprendido em parte com Drummond, um
humor que trafega ágil entre o trocadilho e o deboche, a acidez ferina e a
soltura da gozação lúdica, sempre funcionando como revelação aguda do ridículo
e das misérias da condição humana — ceticamente, mas com afeto, à Machado de
Assis. Esse conluio de lirismo contido e denúncia amarga está invariavelmente a
serviço da consciência política, sem dogmas: a consciência do homem da Pólis, o
homem solidário em sua relação com a comunidade.”
(Carlos Felipe Moisés)
Em 1981, José Paulo aposenta-se como editor e dá início a um
dos mais competentes trabalhos de tradução entre os escritores brasileiros,
vertendo para o português trabalhos de Charles Dickens, Joseph Conrad, Pietro
Aretino, Konstantinos Kaváfis, Laurence Sterne, W. H. Auden, William Carlos
Williams, J. K. Huysmans, entre muitos outros, sendo nomeado, reconhecidamente, a
diretor da oficina de tradução de poesia no Instituto de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Em 1986 lança Um por todos, reunião de seu
trabalho até então. Vem dessa mesma década, o seu interesse por poesia para
crianças, uma coisa que, entre nós, tinha muito de novidade.
“o metro curto, o ritmo rápido, a sintaxe cortada e o
tom menor vedam o texto a qualquer inflexão épica. [...] Canto de chão dos
revoltosos, epitáfios de indomados, descobre o lado subterrâneo da sátira e o
veio amargo do seu pathos.”
(Alfredo Bosi)
Passarinho fofoqueiro
Um passarinho me contou
que a ostra é muito fechada,
que a cobra é muito enrolada,
que a arara é uma cabeça oca,
e que o leão marinho e a foca..
xô , passarinho! chega de fofoca!
Acidente
Atirei um pau no gato,
mas o gato
não morreu,
porque o pau pegou no rato
que eu tentei salvar do gato
e o rato
(que chato!)
foi quem morreu.
Em 1989, lança pela coleção Claro Enigma,
organizada por Augusto Massi, e que se tornou mais tarde uma espécie de vitrine para muitos poetas, o livro A poesia está morta mas eu juro que
não fui eu, título extraído do poema “Acima de qualquer suspeita”.
Na década de 1990 dá seqüência ao seu trabalho, lançando
diversos livros de ensaios, poemas infantis, traduções e poesia, sendo um dos
mais bem recebidos Prosas seguidas de odes mínimas, livro no qual reflete
um momento difícil de sua vida, quando tem uma perna amputada.
Ode à minha perna esquerda
1
Pernas
para que vos quero?
Se já não tenho
por que dançar,
Se já não pretendo
ir a parte alguma.
Pernas?
2
Desço
.........que .....................subo
................desço...... que
........................subo
........................camas
........................imensas.
Aonde me levas
todas as noites
........pé morto
........pé morto?
Corro, entre fezes
de infância, lençóis
hospitalares, as ruas
de uma cidade que não dorme
e onde vozes barrocas
enchem o ar
de p
.....a
.....i
.....n
.....a sufocante
e o amigo sem corpo
zomba dos amantes
a rolar na relva.
........Por que me deixaste
.............................pé morto
.............................pé morto
........a sangrar no meio
........de tão grande sertão?
..............................não
..............................n ã o
..............................N Ã O !
3
Aqui estou,
Dora, no teu colo,
nu
como no princípio
de tudo.
Me pega
me embala
me protege.
Foste sempre minha mãe
e minha filha
depois de teres sido
(desde o princípio
de tudo) a mulher.
4
Dizem que ontem à noite um inexplicável morcego
....assustou os pacientes da enfermaria geral.
Dizem que hoje de manhã todos os vidros do ambu-
....latório apareceram inexplicavelmente sem tampa,
....os rolos de gaze todos sujos de vermelho.
5
Chegou a hora
de nos despedirmos
um do outro, minha cara
data vermibus
perna esquerda.
A las doce em punto
de la tarde
vão-nos separar
ad eternitatem.
Pudicamente envolta
num trapo de pano
vão te levar
da sala de cirurgia
para algum outro (cemitério
ou lata de lixo
que importa?) lugar
onde ficarás à espera
a seu tempo e hora
do restante de nós.
6
esquerda... direita
esquerda... direita
....................direita
....................direita
...Nenhuma perna
...é eterna.
7
Longe
do corpo
terás
doravante
de caminhar sozinha
até o dia do Juízo.
Não há
pressa
nem o que temer:
haveremos
de oportunamente
te alcançar.
Na pior das hipóteses
se chegares
antes de nós
diante do Juiz
coragem:
não tens culpa
(lembra-te)
de nada.
Os maus passos
quem os deu na vida
foi a arrogância
da cabeça
a afoiteza
das glândulas
a incurável cegueira
do coração.
Os tropeços
deu-os a alma
ignorante dos buracos
da estrada
das armadilhas do mundo.
Mas não te preocupes
que no instante final
estaremos juntos
prontos para a sentença
seja ela qual for
contra nós
lavrada:
as perplexidades
de ainda outro Lugar
ou a inconcebível
paz
do Nada.
“poderia dizer que, ao longo da minha experiência
pessoal, deparei-me com três concepções de poesia. Os professores do curso
primário me incutiram a idéia de que ela era um tipo especial de linguagem
rimada, metrificada e enfeitada, para ser declamada, mão no peito, durante as
festas escolares. Mas os versos metafísicos de Augusto dos Anjos, com que
travei contacto aos l5 ou 16 anos, abalaram essa idéia primeva ao convencer-me,
pela força do exemplo, de que poesia é a linguagem de descoberta do mundo e das
perplexidades que ele podia suscitar em nós. Tanto o mundo fora como o mundo
dentro de nós. Um pouco mais tarde, com os seus poemas desafetados que
estilizavam a linguagem coloquial, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade
me ensinaram que poesia é a redescoberta da novidade perene da vida nas
pequenas/grandes coisas do dia a dia. Desde então, em maior ou menor grau,
venho tentando ser fiel, em quanto escrevo, a essas duas últimas concepções.
Meu ideal poético é a desafetação, a concisão e a intensidade postas todas a
serviço da minha própria visão de mundo.”
(José Paulo Paes)
Ao falecer em 1998, deixou inédito o livro Socráticas que
veio a público em 2001. O livro reúne peças que estava escrevendo
para o que seria um livro novo de poemas.
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