Cora Coralina
Conclusões de Aninha
Estavam ali parados. Marido e mulher.
Esperavam o carro. E foi que veio aquela da roça
tímida, humilde, sofrida.
Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado seu rancho,
e tudo que tinha dentro.
Estava ali no comércio pedindo um auxílio para levantar
novo rancho e comprar suas pobrezinhas.
O homem ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula,
entregou sem palavra.
A mulher ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou,
se comoveu e disse que Nossa Senhora havia de ajudar
E não abriu a bolsa.
Qual dos dois ajudou mais?
Donde se infere que o homem ajuda sem participar
e a mulher participa sem ajudar.
Da mesma forma aquela sentença:
"A quem te pedir um peixe, dá uma vara de pescar."
Pensando bem, não só a vara de pescar, também a linhada,
o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso
e ensinar a paciência do pescador.
Você faria isso, Leitor?
Antes que tudo isso se fizesse
o desvalido não morreria de fome?
Conclusão:
Na prática, a teoria é outra.
Cora Coralina é o pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas. Nasceu em
Vila Boa de Goiás em 20 de agosto de 1889 e morreu em Goiânia em 10 de abril de
1985. Integra a lista da poesia brasileira graças ao seu descobrimento por
Carlos Drummond de Andrade que lhe redigiu um perfil para o jornal Correio da Manhã.
Mulher simples, doceira de profissão, tendo vivido longe dos
grandes centros urbanos, alheia a modismos literários, produziu uma obra
poética rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro, em particular dos
becos e ruas históricas de Goiás.
Filha de Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto, desembargador nomeado
por D. Pedro II, e de Jacinta Luísa do Couto Brandão, Ana nasceu e foi criada
às margens do rio Vermelho, em casa comprada por sua família no século XIX,
quando seu avô ainda era uma criança. Estima-se que essa casa foi construída em
meados do século XVIII, sendo uma das primeiras construções da antiga Vila Boa
de Goiás.
Começou a escrever os seus primeiros textos aos catorze anos
de idade, publicando-os em pequenos jornais locais apesar da pouca
escolaridade, uma vez que cursou somente as primeiras quatro séries. Nessa fase,
publicou o seu primeiro conto, Tragédia
na roça.
Casou-se em 1910 com o advogado Cantídio Tolentino Bretas,
com quem se mudou, no ano seguinte, para o interior de São Paulo. Nesse estado
passou quarenta e cinco anos, vivendo inicialmente no interior, nas cidades de
Avaré e Jaboticabal, e depois na capital, onde chegou em 1924. Ao chegar à
capital, teve que permanecer algumas semanas trancada num hotel em frente
à Estação da Luz, uma vez que os revolucionários de 1924 paravam a cidade. Em
1930, presenciou Getúlio Vargas chegando à esquina da rua Direita com a praça do
Patriarca. Um de seus filhos participou da Revolução Constitucionalista de
1932.
Com a morte do marido, Cora ficou ainda com três filhos para acabar de criar.
Sem se deixar abater, vendeu livros em São Paulo, mudou-se para Penápolis, no
interior do estado, onde passou a vender lingüiça caseira e banha de porco que
ela mesma preparava. Mudou-se em seguida para Andradina, até que, em 1956,
retornou para Goiás.
Ao completar cinqüenta anos de idade, a poeta sofreu uma profunda transformação
em seu interior, que definiria mais tarde como a perda do medo. Nessa fase,
deixou de atender pelo nome de batismo e assumiu o pseudônimo que escolhera
para si muitos anos atrás.
Durante esses anos, Cora não deixou de escrever, produzindo poemas ligados à
sua história, à relação com a cidade em que nascera e ao ambiente em que fora
criada.
Os elementos folclóricos que faziam parte do cotidiano de Ana serviram de
inspiração para que aquela frágil mulher se tornasse a dona de uma voz inigualável
e sua poesia atingisse um nível de qualidade literária jamais alcançado até aí
por nenhum outro poeta do Centro-Oeste brasileiro.
Senhora de poderosas palavras, Ana escreveu com simplicidade e seu
desconhecimento acerca das regras da gramática contribuiu para que sua produção
artística priorizasse a mensagem ao invés da forma. Preocupada em entender o
mundo no qual estava inserida, e ainda compreender o real papel que deveria
representar, Ana parte em busca de respostas no seu cotidiano, vivendo cada minuto
na complexa atmosfera da Cidade de Goiás, que permitiu a ela a descoberta de
como a simplicidade pode ser o melhor caminho para atingir a mais alta riqueza
de espírito.
Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida...
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca
da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida...
Foi ao ter sua poesia conhecida por Carlos Drummond de Andrade que Ana, já
conhecida pelo pseudônimo de Cora Coralina, passou a ser admirada por todo o
Brasil:
"Minha querida amiga Cora Coralina: Seu Vintém de Cobre é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não
sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que
já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade
especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos
pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia (...)."
(Carlos Drummond)
Seu primeiro livro, Poemas
dos becos de Goiás, foi então publicado pela Editora José Olympio em 1965,
quando já contava 75 anos. Foi esse livro que lhe consagrou e justificou
os aplausos do já amigo Drummond.
Depois publicou Meu livro de cordel, Vintém de cobre – meias confissões de Aninha –
ambos pela Editora Global, ocasião em que se inaugurou um novo período na divulgação e popularização de sua obra; a nova casa editorial publicou até os cadernos de receitas de Cora Coralina; a poeta foi uma exímia doceira.
Ligações a esta post:
>>> No Tumblr do Letras uma galeria de fotografias de Cora Coralina
>>> Leia uma entrevista com Cora Coralina
>>> Leia texto de Carlos Drummond de Andrade sobre Cora Coralina
* Recortes dos sites Jornal
de Poesia, Releituras.
Comentários