Literatura Popular e ensino de Língua Portuguesa
Por Pedro Fernandes
Para ancorar essa nossa discussão faz-se
necessário recobrar o que dizem os Parâmetros Curriculares Nacional
de Língua Portuguesa (PCN’s) sobre a escolha de textos para se trabalhar em sala de
aula: Quanto ao processo de escolha textual, dizem, as práticas de texto têm a
necessidade específica de enxergar aqueles cuja circulação mais se aproxime do
universo real ligado à efetiva participação social.
Quando propostas como estas entram em
circulação, o Ministério da Educação (MEC) certamente não esperava que se
transformassem em inimigas ferrenhas dos professores de Língua Materna. O fatal
erro de comunicação com relação às propostas dos Parâmetros para o ensino caiu
como que em cheio à ignorância dos professores. Com medo de perderem o que
ainda lhe resta de autonomia, muitos vêem nos Parâmetros qualquer coisa, menos
a que o vê como uma espécie de manual de propostas a serem discutidas para a
melhoria no ensino; soma-se nessa parcela, outra, crente no mito de
fiscalizadores e regularizadores; já para os professores de Língua Materna,
mais outra, a de que os Parâmetros o repreendem do uso e ensino da gramática
tradicional à moda de outra errônea concepção, a da Lingüística como
condenadora-mor, já aqui discutida noutros artigos. Esta última por sua vez baseia-se
na visão única que, o texto – oral ou escrito – é algo discutido tão abrangente
a partir da colocação inicial recobrada no início deste artigo que fere
diretamente o modelo de ensino tradicional, regido único e exclusivamente pela
gramática normativa.
Ressalvas sejam feitas. Os PCN’s, em se
tratando do ensino de Língua Materna, buscam criar no espaço do ensino uma
necessidade voltada para a questão de uso da oralidade e da escrita,
privilegiando a escuta, leitura e prática de textos orais e escritos como
objetivo central de permitir ao usuário da língua uma capacidade
crítica-reflexiva, bem como um domínio das práticas textuais. Enxerga-se, pois,
que o real objetivo dos Parâmetros é mostrar que os sujeitos usuários de sua
língua devem possuir internalizadas essas capacidades uma vez que estas não
apenas irá servir como suporte básico para o estudo de Língua Portuguesa, mas
de toda e qualquer outra disciplina.
Para a concretização de seu objetivo central
os PCN’s remontam uma lista específica que não é imposta, como muitos pensam,
mas como portadora de elementos norteadores para o estudo de gêneros textuais
na sala de aula a título de compreensões diversas, tais como do âmbito da
linguagem falada, escrita ou do âmbito da diferenciação de escrita, oralidade.
Nota-se que a preocupação particular é fazer com que o professor se adéqüe ao
espaço em que ele se insere. E, uma das formas propostas, que podemos aqui
recobrar, se trata da adequação docente-discente através da escolha dos textos
para se trabalhar em sala de aula. A necessidade de proximidade do universo
real em que o aluno está inserido, o enxergar de peculiaridades desse universo
é de fundamental importância para que se forme uma consciência de leitura e
produção textual e do real objetivo do estudo de Língua Materna.
Citar a literatura popular como elemento
possível e capaz de promover a prática desse objetivo não seria nenhuma utopia,
uma vez que esta é parte integrante dos estudos lingüísticos e estes não devem
ser (está) separados dos estudos literários, visto haver uma interação contínua
entre ambos. Além de que o popular é a expressão mais firme e próxima do
sujeito; não é algo enfadonho e carregado de uma linguagem clássica,
extremamente lapidada, pertencente a outro contexto, alheia, pois à realidade
discente, chamada de antiquada pelos alunos.
Tomemos como exemplo desse cenário literário
popular o cordel. Dono de um universo rico enxerga-se nele a representatividade
da autenticidade nordestina. Também nele encontram-se elementos que trazem
tantas discussões que permitem o desencadear doutras práticas discursivas. E
não apenas isto. Por meio do cordel o professor de Língua Materna pode
relacionar as questões que dizem respeito à linguagem, compreender o processo
da oralidade na escrita. E, fazê-los crer que o popular, parte de seu espaço,
deve ser valorizado, é, sem dúvidas, muito instigante; muito mais que impor a
eles a leitura e profunda adoração imediata por clássico, como Machado de
Assis, o que muitas escolas e professores fazem quando escrevem seus programas
anuais de ensino.
A priori verificamos que há necessidade de o
universo em que o discente está inserido aproximar-se ou mesmo tornar a ser
aspecto incorporado às aulas de Língua Portuguesa; necessidade que se reforça
nos Parâmetros. Essa proximidade é esperada com a inserção da Literatura
Popular, visto ser ela, representação próxima da autenticidade oral e escrita,
portadora de um universo rico e emergente do meio em que se inserem os sujeitos
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Encara-se aqui a real visão de ensino do texto
e do ensino de Língua Portuguesa: o suprimento de uma necessidade em reconhecer
os sujeitos formadores de um espaço social; despertar seu interesse e
raciocínio crítico, demonstrar capacidade para a intertextualidade, reconhecer
os traços lingüísticos, escuta e prática escrita, conforme propõe os PCN’s. E
tudo isto é possível de se trabalhar fazendo uso da Literatura Popular. Resta
apenas que haja o professor como um elo, mediador entre o comum, usual, o
popular, próprio dos sujeitos e o formal, padrão, o erudito; enfim, uma
desmistificação de que os PCN’s constituem um código penal do ensino no País.
* Este foi publicado no caderno Domingo do
Jornal De Fato, Mossoró, 1 de junho de 2008, p. 14.
Comentários