Helio Pellegrino
Helio Pellegrino é mineiro, de Belo Horizonte. Nasceu no dia 05 de janeiro de 1924 e morreu no dia 23 de março de 1988, no Rio de Janeiro, cidade para onde se mudou em 1952. Quatro anos depois de nascido, conhece ninguém menos que Fernando Sabino. Ou seja, o grupo que na cena literária brasileira ficou conhecido como os Quatro Mineiros - se juntariam mais tarde aos dois Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos - começa de alguma maneira ainda no jardim-de-infância.
É em 1939 que começa a escrever seus primeiros poemas, fortemente inspirado pelas leituras de Carlos Drummond de Andrade. E é por essa época ele publica um poema, o seu primeiro, no jornal O Diário. Mas não é ainda com a literatura que Helio Pellegrino passa a viver somente; em 1942, incentivado pela família, ingressa na Faculdade de Medicina, também na capital mineira; vai ao curso contra sua vontade, porque segundo dizia entre os amigos, queria mesmo era fazer Filosofia.
Em 1943, já decidido pelo ramo da Psiquiatria, Pellegrino viaja com Fernando Sabino a São Paulo; nesta viagem conhece Mário de Andrade. No ano seguinte, ao lado de Wilson Figueiredo, Simão Vianna da Cunha Pereira, Otto Lara Resende, Francisco Iglésias e Darci Ribeiro, edita o combativo jornal clandestino Liberdade. É um dos fundadores da União Democrática Nacional (UDN). Foi depois de participar do I Congresso de Escritores, no Teatro Municipal de São Paulo que passa a colaborar regularmente com o suplemento de literatura O Diário, no Rio, e chega a concorrer pela UDN ao cargo de Deputado Federal.
Depois do contato com o poeta Murilo Mendes, publica um único número da revista Nenhum; ao lado do grupo formado Wilson Figueiredo, Autran Dourado e Sábato Magaldi, publica num livreto dois poemas, "Poema do príncipe exilado" e "Deixe que eu te ame". Mais tarde, em 1953, Pellegrino inicia análise didática com Iracy Doyle e passa a trabalhar como redator no jornal O Globo. É por essa época também que colabora no semanário Flan, onde conhece o escritor Nelson Rodrigues.
Depois da morte de seu companheiro de análise didática, Pellegrino reinicia nesse trabalho apenas mais tarde, em 1958, agora ao lado de D. Catarina Kemper, com o propósito de se formar psicanalista, o que ocorre em 1963.
De 1966 até 1968, Hélio colabora com o jornal Correio da Manhã - ponto de encontro para vários nomes da literatura. Nesse ano de 1968 participa de um congresso em Santigo, no Chile, onde apresenta a sua tese O Pacto Edípico e o Pacto Social, recebida com grande repercussão no meio psicanalítico. Com a instituição do AI-5, Pellegrino chega a ser, em 1969, preso por dois meses acusado de ser líder comunista.
Em 1978, publica nos "Ensaios de Opinião" o volume 7, A Dialética da Tortura: Direita versus Esquerda. Por esse ano inicia sua colaboração de dois anos com O Pasquim. No ano seguinte, colabora por cinco meses no Jornal da República. Ainda na leva das colaborações, mais tarde, passa a escreve por três anos, inclusive, no Jornal Folha de São Paulo; quinzenalmente na página 11 do Jornal do Brasil.
No ano de 1985, Lya Luft e Hélio Pellegrino se encontraram num congresso de escritores em São Paulo. Conheciam-se apenas de nome; depois, por cartas. Nove meses mais tarde, iniciava-se o casamento entre os dois. Uma mulher disposta a começar tudo de novo. Um homem "em sua melhor fase; fascinado pelo mistério: de Deus, da vida, das pessoas, da natureza". O casamento acontece em 1986. Dois anos mais tarde, o escritor morre e se publica o livro A Burrice do Demônio, reunindo uma seleção das suas crônicas publicadas na imprensa brasileira.
Depois de doados seus manuscritos, em 1993, para a Fundação Casa de Rui Barbosa, uma parte organizada por Humberto Werneck é publicada em Minérios Domados, uma seleção de poemas (amostra abaixo).
Cinco anos mais tarde, a coleção Perfis do Rio, da Editora Relume Dumará, lança Helio Pellegrino, a Paixão Indignada, de Paulo Roberto Pires. Em 2003, a Editora Planeta publica o livro Meditação de Natal. Noutro ano, a Editora Bem-Te-Vi publica Arquivinho de Helio Pellegrino. Sai, também, pela editora Planeta Lucidez Embriagada, organização de Antônia Pellegrino, neta do autor.
Três poemas de Helio
ALGUMA COISA
Para Guilhermino César
Alguma coisa resta: um gesto
nos tendões da mão engelhada.
Uma efusão inacabada
na ferrugem da pele-resto.
Alguma coisa que é da raça
dos minerais, insubornável,
além do amargo e do caroável,
do que perdura — e do que passa.
Alguma coisa inscrita: um grito
no fulgor do dedo anular.
Um puro incêndio sem queimar
— como um segredo afinal dito.
Porto Alegre, 8/11/86
Para Guilhermino César
Alguma coisa resta: um gesto
nos tendões da mão engelhada.
Uma efusão inacabada
na ferrugem da pele-resto.
Alguma coisa que é da raça
dos minerais, insubornável,
além do amargo e do caroável,
do que perdura — e do que passa.
Alguma coisa inscrita: um grito
no fulgor do dedo anular.
Um puro incêndio sem queimar
— como um segredo afinal dito.
Porto Alegre, 8/11/86
MAR ALTO
Esta água é todas as águas,
sem porto, nome ou naufrágio.
Rendada de espuma ao vento,
sem dor nem contentamento.
Esta água — lugar nenhum —
é perdição sem loucura.
Nela se dissolvem mágoa,
memória, tempo, aventura.
Sem lei nem rei, sem fronteiras,
além de verbo e silêncio,
esta é a pátria procurada:
incêndio de tudo — nada.
A CEGUEIRA DE ÉDIPO
Caminha errante o velho rei da terra,
sangrando a cada passo o seu desterro.
Pesa-lhe luz demais, ausência de erro
e de noite — montanha que o soterra.
Cego de sua verdade, desenterra
do peito transfixado não o ferro
que o punge por inteiro, nem o berro
que lhe sobe das entranhas, enquanto erra.
Com sua garra terrosa de mendigo,
busca arrancar da carne não a morte
que o rodeia na treva, vinho forte
desde sempre provado. O desabrigo
que o atormenta é outro: sol candente
que vara a sua cegueira — e o faz vidente.
Caminha errante o velho rei da terra,
sangrando a cada passo o seu desterro.
Pesa-lhe luz demais, ausência de erro
e de noite — montanha que o soterra.
Cego de sua verdade, desenterra
do peito transfixado não o ferro
que o punge por inteiro, nem o berro
que lhe sobe das entranhas, enquanto erra.
Com sua garra terrosa de mendigo,
busca arrancar da carne não a morte
que o rodeia na treva, vinho forte
desde sempre provado. O desabrigo
que o atormenta é outro: sol candente
que vara a sua cegueira — e o faz vidente.
*Via portal Releituras e Jornal da Poesia
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