Persona, de Ingmar Bergman
Poema visual marcado pela psicanálise
demonstra a ausência de limites definidos entre identidades
O diretor sueco
Ingmar Bergman sempre colocou muito da vida pessoal nos seus filmes. Persona nasceu
quando o cineasta foi internado com pneumonia e aproveitou o período para
refletir sobre seu trabalho como encenador, à frente do Teatro Nacional de
Estocolmo. Após alguns delírios e pesadelos, teve a idéia de escrever uma
história sobre sua condição como artista, que inicialmente se chamaria
“Cinematografia”. Ao notar, contudo, certa semelhança entre duas de suas
atrizes-fetiche, Liv Ullmann e Bibi Andersson, expandiu o enredo (no hospital
mesmo) para o questionamento das identidades – o título vem do grego “máscara”.
Elisabeth (Ullmann) é uma importante atriz que sofre um colapso mental e pára
de falar. A enfermeira Alma (Andersson) é contratada para tratar dela, e a
dupla se isola em uma ilha.
A relação entre elas é conflituosa desde o início,
por causa do silêncio de Elisabeth. Aos poucos, a convivência contínua faz com
que as personalidades se confundam, mesclando desejos, paixões, temores, dores,
traumas e remorsos. Bergman utiliza a visão psicanalista e contrapõe sonho e
realidade, mergulha no inconsciente das personagens e faz com os diferentes
aspectos de cada uma submerja, a ponto de não identificarmos quem é a
enfermeira e quem é a paciente. Sua idéia era mostrar o lado menos evidente e
aceitável dessas personalidades. O elemento sexual, por exemplo, é fortíssimo,
assim como a culpa. Não se trata de uma abordagem otimista: saímos da projeção
com a certeza de que estamos condenados a assistir à dissolução ou à
fragmentação de nossas personas, se, sabermos quem somos ou que desejamos. Ou
qual de nossos eus é o verdadeiro.
A forma do filme acompanha o conteúdo: a
narrativa é não-linear, onírica, de forte carga teatral e sem uma aparente
sequência de acontecimentos – embora o cineasta tenha afirmado que o roteiro
foi “rigorosamente concebido”. Há closes extensos em cada detalhe da fisionomia
das duas atrizes. A fotografia impressionante de Sven Nykvist, calcada no jogo
de contrastes em preto-e-branco, ajuda a confundir seus rostos. A definição
mais exata de um filme tão indefinível talvez seja do próprio Bergman: “um
poema visual”.
*Revista Bravo!, 2007,p. 34
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