O homem nu, Fernando Sabino
Talvez a maneira mais fácil de conhecer um pouco da obra de Fernando
Sabino seja começando por assistir um filme dirigido por Hugo Carvana e baseado
numa crônica de mesmo do escritor – O
homem nu. O filme tem o ator Claudio Marzo no papel principal. Deixou uma
obra extensa; sendo talvez um dos mais prolíficos escritores da literatura
brasileira.
Nascido em 1923 em Belo Horizonte, era nervoso, vivo, inteligente, e,
de tanto escutar a conversa dos adultos atrás da porta, achou que devia ser
mesmo diferente dos outros. Pode-se dizer que foi um sujeito precoce ainda que
a palavra, quando ouvida pela primeira vez pelo ainda garoto, tenha lhe soado
quase que como uma ofensa. Aos sete decidiu que já podia tomar banho sem ajuda
da ama Floripes; aprendeu a ler sozinho; apaixonou-se muito cedo (pela
professora); foi campeão de natação; teve seu primeiro conto publicado quando
tinha só 13 anos. Mas a primeira namorada, Letícia, foi quem recebeu a confissão
do menino – “Quando eu crescer, vou ser artista”.
A vida do escritor foi registra em O
encontro marcado. Com o nome de Eduardo, conta o que fazia quando pequeno: “Eu
tinha cinco irmãos, mas como caçula me sentia muito sozinho. Para disfarçar a solidão,
ouvia a conversa de meus pais atrás da porta, saía pela casa dizendo tudo o que
aprendia na rua (palavrões em árabe), chorava quando mandavam em mim e, se me
zangava com alguma coisa, arranhava o rosto em sinal de protesto. Mamãe viu o
sangue escorrer e, um dia, desesperada, amarrou dois saquinhos de pano nas
minhas mãos como quem diz “arranhe se puder!” Não tive escolha, bati com a
cabeça na parede, tão forte que um galo enorme logo apareceu.”
“Onde eu mais me divertia era no quintal. Remexer a terra com pauzinho,
partir a minhoca em duas, fazer caças ao tesouro, colocar um barquinho de papel
(com formiga dentro) nas águas barrentas depois da chuva, valia tudo. Tinha um
pé de manga-sapatinho, de manga coração-de-boi, fruta-do-conde, goiaba, gabiroba
e... o galinheiro. Lá, minha companheira, a galinha branca que atendia pelo
nome. Gostava tanto dela que, quando saía para o Grupo, deixava-a debaixo da
bacia. Papai dizia que era maldade, “queria que fizessem o mesmo com você? As
galinhas também sofrem.” Fiquei envergonhado, mas o arrependimento passou
quando, num domingo, encontrei minha galinha branca na mesa, assada, pernas
para o ar. E, galinhas sofrem, mas todo mundo comeu, e ainda achou bom...”
A danadice de menino terá levado para toda a vida; e terá se refletido
no desenvolvimento de sua carreira: locutor de programa infantil na Rádio
Guarani de Belo Horizonte; a extensa leva de leituras, principalmente livros de
Arthur Conan Doyle; o primeiro conto publicado precocemente; o trabalho com a
escrita jornalística desde o ginásio; o destaque como melhor aluno; a colaboração
regular com textos para as revistas mineiras Alterosas e Belo Horizonte;
a participação de concursos de crônicas; a leva de medalhas como nadador; a participação
na Maratona Nacional de Português e Gramática Histórica; a ida ao Rio de
Janeiro; o aprofundamento das leituras; e a publicação de textos ao lado de
Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino, seu grupo de amigos
de sempre.
O primeiro livro é publicado sob custeio do próprio autor: Os grilos não cantam mais reunia um
conjunto de contos até então publicados na imprensa diversa. Foi um trabalho
bem recebido pela crítica, recebeu o gosto de Mario de Andrade. A edição fora
publicada no Rio de Janeiro, mas nesse período Fernando Sabino era funcionário
na Secretaria de Finanças de Minas; é quando conhece Carlos Drummond de
Andrade, outro mineiro que será um de seus amigos mais próximos quando se muda
para a capital carioca.
Depois de muito colaborar com imprensa mineira, Fernando Sabino passa a
publicar em jornais como o Correio da
manhã, espaço onde quase todos os nomes da literatura brasileira experimentaram-se
na escrita. É do convívio com o espaço do jornal que conhece gente como Rubem
Braga, Vinicius de Moraes, Carlos Lacerda, Di Cavalcanti, Manuel Bandeira e
Clarice Lispector – com a escritora, a amizade nasce quando da participação no
Congresso Brasileiro de Escritores em São Paulo e se torna um intenso convívio.
Depois de se formar em Direito, vai para os Estados Unidos ao lado de
Vinicius de Moraes. Mora algum tempo em Nova York e começa a escrever o romance
O grande mentecapto; o livro levará
33 anos para ficar pronto. Nesse período escreve para os jornais cariocas Diário e O jornal e outros dois romances, Ponto de partida e Movimentos
simulados, dois textos que não chegará a conclui-los, mas serão utilizados
para compor Encontro marcado. O retorno dos Estados Unidos leva-o a reunir
os vários textos de sua estadia naquele país em A cidade vazia.
Depois seguem-se A vida real (com
tiragem limitada); O encontro marcado;
O homem nu; A mulher do vizinho; A
companheira de viagem; Gente; Deixa o Alfredo falar!; A falta
que ela me faz; O menino no espelho;
O gato sou eu; Macacos me mordam; A vitória
da infância; A faca de dois gumes;
Martini seco; De cabeça para baixo; A volta
por cima; Zélia, uma paixão; O bom ladrão; Aqui estamos todos nus; Os
restos mortais; A nudez da verdade;
Um corpo de mulher; O homem feito; No fim dá certo; A chave do
enigma; O galo músico; Duas novelas de amor; Os movimentos simulados; entre outros
títulos.
A vida de Fernando Sabino foi seguida entre a palavra escrita e a palavra filmada (sua outra paixão). Sua obra constitui uma rica linha para produção literária brasileira. Em grande parte, talvez pela própria dimensão, é ainda uma obra por se conhecer. O escritor morreu à véspera do seu aniversário, a 11 de outubro de 2004.
Comentários