Maiakóvski: o farol que era um poeta*
Por Francis Combes
Sou poeta, e exatamente por isso é que sou interessante. É sobre isso que escrevo; sobre o resto só foi defendido com a palavra.
Maiakóvski
Antes mesmo de ter colocado "o ponto final com uma bala" em sua própria vida, Vladímir Maiakóvski tinha saltado para a história. Durante o período soviético, ele, que não queria estátua como monumento póstumo, mas um fogo de artifício, foi com freqüência estatuado, fixado na pose do "poeta da revolução", quando era deixado na sombra (e por muitas vezes censurado) o que nele ultrapassava o cenário da época. Stálin não tinha escrito "Maiakóvski é o melhor e mais talentoso poeta da época soviética. A indiferença à sua memória é um crime"? Maiakóvski tornou-se assim um "clássico"... Certos poemas seus eram conhecidos de todos e ensinados às crianças. Lembro-me de ter visto no cemitério de Novodievitchi, lenços de pioneiros colocados sobre seu túmulo... Seu apartamento tinha sido transformado em museu e (ao lado de manuscritos, de desenhos, de edições originais) uma sala era destinada aos "continuadores de Maiakóvski", escultores, pintores e escritores cujo naturalismo vazio e enfático (abusivamente qualificado de "realismo socialista") teria certamente enfurecido Maiakóvski...
Na Rússia de hoje, a da restauração do capitalismo, da "liberdade redescoberta" das máfias e das crianças que dormem na rua e cheiram cola, Maiakóvski já não está nas boas graças... Preferem-se os poetas simbolistas e acmeístas, por vezes talentosos, porém, mais comportados e procedentes da boa sociedade russa.
Ninguém tem o poder de riscar com um traço de caneta o fato de que ele foi e permanece um dos poetas maiores do século XX. Para ele, a revolução não se detinha na tomada de poder político nem na coletivização da economia. Ela devia permitir a transformação da vida cotidiana, da vida toda, do amor e da arte inclusive. Poeta da revolução, ele revolucionou a poesia, libertando-a do quadro estreito das antigas convenções. E não somente a poesia russa.
Boa parte da poesia mundial não teria o rosto que tem se Maiakóvski não tivesse existido. (Penso, por exemplo, em sua influência sobre Nazim Hikmet, ou sobre outros poetas americanos da beat generation).
Ele (como depois dele Prévert) introduziu no poema a linguagem da rua, as palavras do povo e as construções gramaticais familiares, sem que o poema se perca por esse motivo na insipidez banal das conversas de mesa.
Ele libertou o verso. Um pouco como Victor Hugo tinha "posto um boné vermelho no velho dicionário", e introduziu a linguagem da vida no velho alexandrino, Maiakóvski, com o seu famoso "verso em escada", liberta a fala poética e permite-lhe desposar o ritmo do discurso, o fôlego do indivíduo, quer ele murmure uma confissão, quer clame seu ideal, por cima da cabeça dos séculos.
Enfim, ele alargou a esfera do lirismo. Com ele, o amor individual toma a dimensão de um combate planetário.
Vladímir Vladimirovitch Maiakóvski nasceu em julho de 1893, em Bagdádi, na Geórgia. Seu pai era guarda-florestal.
Com a morte do pai, em 1906, a família vai instalar-se em Moscou, onde os Maiakóvski vivem em condições precárias.
Aos 15 anos, ele adere ao Partido Social-Democrata Operário da Rússia (bolchevique). Detido uma primeira vez, depois libertado, é detido novamente com a idade de 16 anos e condenado a onze meses de prisão. Aproveitará sua estada na prisão de Butirki para entregar-se a intensas leituras. Deevora os "clássicos", Shakespeare, Byron, Tolstoi... À sua saída, pergunta-se, como ele escreveu na autobiografia (Eu mesmo): "Que posso opor à estética dessas velharias? A revolução não exigirá de mim ter passado por uma escola séria?" Ele interrompe então seu trabalho de militante político põe-se a estudar. Primeiramente para se tornar pintor. Entra para a Escola de Belas Artes (onde o fazem desenhar "toalhinhas", diz ele). Porém, em 1914, dela será posto na rua (o diretor,o princípe Lvov, havia-he energicamente sugerido abandonar a "crítica e a a agitação").
A partir de 1912, ele entrará em contato com ambientes da vanguarda artística. Notadamente graças a seu amigo David Burliuk, que lhe proporciona encontrar os primeiro "cubo-futuristas" de Moscou: Khrutchônikh, o provocador e experimentador; Kamenski, o poeta-aviador divertido e fabulador; e Khiébnikov, poeta genial, matemático e inventor da linguagem (zaum), cujos poetas extraordinários (que fazem pensar na Consagração da primavera, de Stravinski) carreiam toda uma mitologia pagã da Rússia "selvagem" e lendária, ao mesmo tempo que a utopia de um mundo novo.
Foi Burliuki (segundo uma anedota surpreendente, mas talvez embelezada tal como Maiakóvski as amava) quem o teria batizado poeta e teria divulgado a notíca de que ele tinha talento. "Agora, vire-se para tê-lo", ele lhe teria dito. Sem dúvida, representou um papel marcante nos seus primeiros passos poéticos. Foi ele, por exemplo, que lhe teria proporcionado descobrir Walt Whitman, de quem, em muitos aspectos, Maiakóvski está muito próximo.
Em dezembro de 1912, Maiakóvski e seus amigos assinam um primeiro manifesto (A bofetada no gosto público) no qual, em busca das "auroras das belezas desconhecidas", eles "ordenam honrar os direitos dos poetas:
1- Aumentar em volume o vocabulário do poeta com a ajuda de palavras arbitrárias e derivadas (renovação verbal).
2- Aversão irresponsável para com a língua existente antes.
3- Afastar, com horror, de cabeça orgulhosa deles a Coroa, feita por vocês, de piaçava, de uma glória de dois soldos.
4- Erguer-se do pedestal da palavra 'nós' nomeio do mar de gritos de indignação."
Este grupo divertido pratica o escândalo e a provocação. Maiakóvski passeia na rua sua silhueta de gigante, extravagantemente vestido de camisa amarela, vistosa, com uma colher de pau na lapela. Por ocasião das leituras em que ele participa com seus camaradas, em Moscou e no resto do país (para onde se dirige às vezes de smoking com chapéu alto), engalfinha-se com o público como boxeador no ringue, suscitando entusiasmo e urros escandalizados.
Há nestes jovens futuristas uma vontade de fazer "tábula rasa" do passado, um "niilismo" anarquizante que se reencontrará em outras vanguardas dos primeiros anos do século XX (Dadá e os Surrealistas...); atitude radical que está ligada à recusa da antiga ordem e à impaciência por agitar o mundo. Isso explica certa reticência de Lenin a respeito deles. Em matéria de ação política, Lenin afirmara-se ao rejeitar o anarquismo (de seu irmão, por exemplo, morto pelo czarismo) e, no plano cultural, pensa que a classe operária deve tirar proveito da herança da burguesia (o que não o impedirá, por vezes, de manifestar seu interesse por tal poema de Maiakóvski,por exemplo, contra a propensão ao que chamaríamos hoje "rounionite" ["agrupamentie"]).
Mais tarde, Maiakóvski marcará suas distâncias com o primeiro futurismo, mas permanecerá fundamentalmente na mesma linha. Os futuristas russos não se limitam a gritar sua antipatia ao velho . Entusiasmam-se pelo universo que nasce. Aquele da máquina, da velocidade e da cidade grande cujas produções e invenções suplantarão vantajosamente a natureza. A eletricidade de preferência à luz deste sol despótico!
Ao contrário dos futuristas italianos (que repetem seu gosto pelo avião, pelo carro, pela modernidade elétrica, pela velocidade e violência), ou diferentemente de Apollinaire, na França, cuja sensibilidade é bastante próxima, Maiakóvski e seus camaradas não vibram ao som do clarim de guerra. Apesar da aparência que poderia dar a hipertrofia lírica do eu em Maiakóvski (conferir sua primeira peça, a tragédia Vladímir Maiakóvski, em 1913) os futuristas russos não aspiram à glória individual do super-herói, do super-homem oposto à massa. Eles querem que toda a massa se eleve a outro nível. A experiência deles os conduz à revolução e não ao fascismo. Suas relações com Marinetti serão, além disso, tempestuosas.
Em compensação, ao reler os versos de Maiakóvski desses primeiros anos, encontro neles acentos muito próximos daqueles dos expressionistas alemães: a mesma visão alucinada do real, o mesmo horror pela carnificina da guerra, o mesmo gosto pela distorção, a dissonância, a violência das metáforas, o mesmo lirismo doloroso. É desse período que data um livro-chave: "A nuvem de calça", soberbo poema de amor trágico pelo qual ele invade a cena poética ao transformar a poesia amorosa à qual se tem, por conseqüência, muito freqüentemente procurado reduzi-lo.
Foi em 1915, ainda, que ele encontrou aquele que será um dos teóricos do movimento, Óssip Brik, e sua mulher Lila Iourevna (a irmã de Elsa Triolet), pela qual se apaixona. Começa aí uma grande história de amor e uma experiência singular, aquela de uma vida a três que vai durar anos. Essa vida comum, que conheceu seus altos e baixos e não impediu Maiakóvski de conhecer várias outras paixões (notadamente por ocasião de suas viagens ao estrangeiro), apesar de seu caráter singular, está bem dentro de certo espírito da época. A ideia de revolucionar ao amor e as relações amorosas homem-mulher, de desembaraçá-los das antigas relações burguesas de propriedade exprime-se, por exemplo em textos feministas de Alexandra Kollontai, ou nas experiências de vida comunitária entre os jovens comunistas, vida comunitária que não era unicamente em razão da falta de moradias e da qual Wilhelm Reich testemunha em seu livro sobre a revolução sexual.
Maiakóvski com sua mulher Lila. |
Em 1917, quando eclode a Revolução de Outubro, a maioria dos futuristas nela se engaja espontaneamente, porque, como observa Maiakóvski, é a revolução deles. Maiakóvski é eleito presidente do soviete dos soldados do Automóvel Clube de Petersburgo. Ele se dirige ao Palácio Smolny (quartel-general dos bolcheviques) e, no ambiente inflamado desses dias, dá a mão a tudo o que exite a fazer no local. De fato, já é poeta conhecido. Conta que, durante o assalto ao Palácio de Inverno, guardas revolucionários declamavam versos:
Coma ananás
empanturre-se de ganso
seu último dia chegou, burguês!
Após a vitória dos bolcheviques, Maiakóvski se põe com ardor a serviço da revolução. Trabalhou na revista A arte da comuna, do comissariado à Instrução Pública que Lounatcharski dirigia. Este se mostrou claramente mais compreensivo a respeito dos artistas de vanguarda que Lenin (cujos gostos pessoais eram, de preferência, clássicos). No mesmo tempo em que compartilhava sua preocupação com a herança, ele sustentava a idéia da necessidade da experimentação e da diversificação em arte. Lounatcharski, além disso, defendeu em certos momentos os futuristas contra os ataques que lhe endereçavam os defensores da "arte proletária" que os censuravam por serem pequenos-burgueses individualistas.
Foram anos de extraordinária efervescência intelectual e artística dos quais dão testemunho, com muita audácia, a poesia, a pintura, a arquitetura.
Nesses anos desenvolve-se o que se chamou "formalismo" (com Chkloski e Jacobson...) teóricos da literatura e lingüistas aos quais os futuristas estavam muito ligados. Poderia haver espanto para o fato de que poetas "engajados", para retomar a palavra que fez correr muita tinta na França, reivindiquem o "formalismo", tendo esta palavra, por conseqüência, servido para criticar ( e para condenar) a arte que se ocuparia apenas da forma, em detrimento do conteúdo. Porém, justamente porque pretendiam ser revolucionários, os futuristas e, em seguida, os artistas reunidos na "Frente Esquerda da Arte" (em torno da revista LEF, depois, Novo LEF, dirigida por Maiakóvski) pensavam que um conteúdo novo clamava formas novas. Os estudos desses teóricos, que se interessavam pela mecânica interna da língua, forneciam-lhes um estímulo (e uma justificação). Os futuristas já haviam afirmado o valor autônomo da palavra (a palavra "autovalente"). Mais tarde, Maiakóvski escreverá: "Eu conhecia a força das palavras-apelo". Para esses escritores que pretendem ser materialistas, a língua é um material. E um artista altamente qualificado (como eles o aspiravam ser) deve utilizar os instrumentos científicos e técnicos mais aperfeiçoados de seu tempo.
Nesses anos da revolução, o futurismo transforma-se em construtivismo. A arte é arrebatada na epopeia da produção em série, da edificação das bases materiais de uma sociedade nova.
A arte se põe a serviço da propaganda e até da publicidade. É a época em que artistas pintam afrescos em vagões de trens, que o poder revolucionário envia através do país para levar a mensagem da revolução às populações mais afastadas. É a época da agência Rosta, a agência telegráfica russa na qual colabora Maiakóvski. Maiakóvski inventa então as "janelas Rostas", cartazes feitos à mão (com pochoir) em escasso número de exemplares e em condições de extrema rapidez, para responder ao comando. Ainda que se tratasse de estigmatizar o exércitos brancos de Dénikine, que semeiam o terror, ou de exortar os cidadãos e engajar-se na via do socialismo, Maiakóvski precipita-se irrefletidamente neste trabalho para responder ao "comando social". O trabalho desgastante e as condições materiais da vida durante a guerra civil são particularmente insuportáveis, mas ele reconcilia-se, com prazer, em seu gosto pelo desenho e pela pintura ao inventar um universo diversificado e simplificado, uma reunião de imagens de Epinal russo, satírica e alegre, próxima à história em quadrinho, mesmo combinando seus desenhos de quadras humorísticas, "pontiagudas como palitos", espirito de poesia popular.
Com a estabilização da situação, essa arte de propaganda vai tomar outras dimensões. Os construtivistas criam em 1922, o Vkhoutemas, espécie de contra-Academia de Belas Artes, em que se inventa e se ensina uma arte aplicada aos objetos do mundo moderno. Trata-se da invenção (num espírito bastante próximo do Bauhaus, fundado em 1919 em Weimar) do que se chama hoje design.
Em colaboração com o pintor e fotógrafo Ródtchenko (um dos mestres da "colagem") Maiakóvski realiza numerosas propagandas para o Magazine de Estado Goum, como para uma campanha em favor da esterilização da água, para lutar contra a epidemia de tifo. Praticando esta arte "aplicada", os artistas da vanguarda não têm o sentimento de rebaixar-se. Ao contrário, participam de uma ação de grande envergadura para modificar o décor da vida cotidiana, "mudar a vida" e combater o "gosto pequeno-burguês", que não desapareceu como por milagre após a revolução e conhece mesmo um impulso de febre, a favor do período complexo da NEP durante o qual o novo poder permite certo enriquecimento individual.
No mesmo tempo em que se entregava a estas atividades de "poesia aplicada", Maiakóvski multiplicava as intervenções poéticas, nas colunas de jornais, por ocasião de suas leituras através de país no estrangeiro (Alemanha, França, México e Estados Unidos) em que foi ao mesmo tempo emissário e propagandista da revolução, e simultaneamente um observador atento, pouco à vontade por sua ignorância das línguas estrangeiras, crítico radical da desigualdade social do regime burguês e ao mesmo tempo, em certos aspectos, admirador da modernidade capitalista.
No fim dos anos de 1920, um tema retorna cada vez com mais freqüência às suas poesias e à sua produção teatral (Os Banhos e O percevejo): é a crítica feroz ao burocratismo. Maiakóvski está plenamente engajado na revolução, mas não é um seguidor. É ao mesmo tempo favorável e contrário. Ele se bate na revolução para revolucioná-la. Em seu poema, A Quinta Internacional, que apresenta a si mesmo como uma "utopia", ele escreve que será necessário refazer a revolução "na futura saciação comunista", a revolução do espírito. Ele, que foi membro do partido antes que este tomasse o poder, uma vez o poder político tomado, não segue o partido agora que considera que esse partido é seu. Mas "na arte e educação, explica ele, (os comunistas) era conciliadores".
Para Maiakóvski, a revolução toma todo o seu sentido apenas se ela permitir aos homens separar-se das mesquinharias da vida pequeno-burguesa, do papel pintado do conforto doméstico, içar-se ao nível de um amor verdadeiramente internacionalista, planetário, aumentar a alma e o coração às dimensões do universo, fazer frente a Deus, conjurar a morte, discutir intimamente com o Sol, as estrelas, os séculos futuros... O projeto espiritual do comunismo, aquele da transformação do homem por si mesmo, ele o leva a sério. Maiakóvski é, no modo da hipérbole poética, a presença da utopia prometéica na revolução, da qual ela é ao mesmo tempo o coração e a crítica "de esquerda". Isso o levou evidentemente a chocar-se com muitos, entre os burocratas, mas também entre os estetas, de rumo diverso, que queriam voltar à "arte".
Contrariando as interpretações simplistas de seu suicídio, ele, que era muito crítico a NEP, sente-se mais de acordo com o novo curso impulsionado por Stalin, a coletivização e os planos quinquenais que lhe dá (a ele como a milhões de soviéticos) o sentimento de que a marcha para frente em direção ao socialismo retomou. (Ainda que se saiba o custo humano, notadamente nas campanhas que o voluntarismo estalinista acarretou). Respondendo ao chamado do partido de que deseja a união de todos os seus partidários, ele decide ir ao encontro dos escritores proletários.
Porém, o último período de sua vida é também marcado por fracassos profissionais (a cabala dos invejos e medíocres, o insucesso da exposição que ele havia organizado para o jubileu de sua obra), decepções sentimentais (com Tatiana Iakovleva, uma emigrada que finalmente escolheu desposar um diplomata francês) ou com a atriz Verônica Polonskaia. Lila também não está ali para se ocupar de sua grande carcaça de melancólico em sofrimento de amor e arrancá-lo de sua depressão crônica. Ele que tão freqüentemente evocou em seus poemas a idéia do suicídio, e (num poema célebre) interpelou o suicídio de outro grande poeta, Sierguéi Iessiênin, dispara uma bala no coração, em 14 de abril de 10930. Como para prevenir as interpretações malévolas que não faltarão, ele escreve uma última carta: "A todos!... Eu morro, não acusem ninguém disso. E nada de boatos. O defunto tinha horror disso... A barca do amor partiu-se contra o recife da vida cotidiana".
Resta-nos sua poesia. No mesmo tempo em que se lançava na refrega cotidiana, Maiakóvski construiu uma obra épica e lírica considerável, por intermédio da série de seus grandes poemas como "Nuvem de calças", "A flauta-vértebra", "Vladímir Ilitch Lenin", "A Quarta Internacional", "A guerra e o mundo", "Quinta Internacional" etc.
A obra mais ambiciosa e mais bem realizada é talvez seu grande poema "A propósito disto". Este formidável poema-romance é o resultado de uma crise em sua relação com Lila Brik. O "disto" de que se trata aqui é evidentemente o amor, às voltas com as mesquinharias da vida cotidiana, o risco de adormecer no conforto pequeno-burguês e as mundanidades da vida literária pós-revolucionária. Confundem-se neste poema o sentimento trágico do amor-paixão, assombrado pelo ciúme, ao mesmo tempo que a crônica na época da NEP, o risco do sepultamento, o apelo moral e patético a transformar o homem a partir do íntimo. Como sempre, Maiakóvski utiliza diretamente em seu poema elementos biográficos precisos, os lugares autênticos, os nomes verídicos das pessoas referidas, até seu número de telefone... (Conforme a exigência de verdade factual dos artistas da Lef). Porém, o todo é sublimado, levado por uma imensa montagem metafórica, o poeta ultrapassa a relação dos fatos para manobrar alegremente e com elevada norma na ficção. O poeta converte-se em uso, a água de suas lágrimas invade o quarto, é transportado pelo rio e deriva num travesseiro de gelo, num país talvez batizado de "Amorlândia", onde reencontra, enganchado por seus próprios versos numa ponte, aquele que ele era sete anos antes e, no poema "O Homem", preparava-se para se lançar no Neva.
A forma é formidável. O poema urde tudo. Tanto o tema individual como o tema coletivo. Tanto o presente como o passado e o futuro. O realismo e a imaginação mais delirante. Se existe uma linguagem artística que Maiakóvski anuncie e reúne em seus poemas, mais ainda que o cinema de Einsenstein e suas montagens, trata-se do desenho animado em que tudo é possível. Este lado visual e plástico, esta mistura de dramatismo mais elevado e de humor, até de galhofa popular, não são sem dúvida gratuitos na repercussão da poesia de Maiakóvski.
Quanto ao fundo, este poema atesta, como muitos outros, a "tragédia-Maiakóvski". Está ligada à contradição, para ele dificilmente suportável entre o romantismo revolucionário e a mediocridade da vida real. Na verdade, essa tragédia não é inerente a Maiakóvski. Por conseguinte, é de certo modo aquela Revolução de Outubro. Como observa com persipicácia um pensador marxista atual, todas as grandes revoluções atribuem-se objetivos que as ultrapassam. O que explica, além disso, que para além de seus fracassos, elas continuam a parecer portadoras de uma luz. A Revolução Francesa não foi apenas uma revolução burguesa; ela também proclamou princípios universais: liberdade, igualdade, fraternidade dos quais se sabe que estavam longe de ser realizáveis nas condições da época. A consciência desta tragédia, desacordo entre o ideal e o real, explica a atitude de Robespierre, ao recusar apelar aos sansculottes para escapar a seu destino. Do mesmo modo, a Revolução de Outubro queria acabar com a exploração, a alienação, a guerra e o chauvinismo, dando o poder aos sovietes e proclamando a unidade dos "proletários de todos os países" e de todos os "povos oprimidos". Porém, tendo se produzido num país economicamente retardatário , ele teve de fazer frente a obrigações históricas que são habitualmente do capitalismo: desenvolver a indústria, realizar "a acumulação primitiva", edificar as bases materiais, construir um Estado, formar produtores... Daí uma contradição (que explica amplamente as coações impostas aos libertados individuais, por este "fórceps" da história) da qual se conhecem as conseqüencis e os efeitos.
Maiakóvski é a vítima e o herói desta tragédia. Dedicou-se à revolução, mas a revolução o içou a outro nível.
Maiakóvski (cujo nome vem da palavra russa "maïk" , "farol" "guia", em português) em seu sonho nos aparece, na extremidade de suas pernas intermináveis, como plantado, solidamente, na rocha do futuro, batido pelas ondas da vida real e varrendo a noite dos séculos, em torno dele, com grandes movimentos de projetor, de sua poesia visionária.
* Este texto apresenta-se como introdução do livro Maiakóvski: vida de poesia, da Coleção A Obra-Prima de Cada Autor, da Martin Claret.
Comentários