Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder
A mistura de realidade e ficção, com atores e
diretores sendo eles mesmos em seus dramas reais, nunca havia sido feita antes.
Com
uma biografia cheia de eventos trágicos – a mãe e o padrasto foram executados
no campo de extermínio de Auschwitz, ele mesmo teve de fugir da Europa para não
ser preso pelos nazistas –, o austríaco Billy Wilder poderia ter criado uma
obra pesada, triste, amarga. Em vez disso, escolheu o riso como arma. Seus
filmes são carregados de ironia cortante, e ninguém, nenhuma ideologia ou
instituição escapam de seus diálogos que fazem rir e pensar. Não surpreende,
portanto, que ele tenha resolvido satirizar seu próprio ganha-pão – a indústria
cinematográfica – em Crepúsculo dos Deuses, um retrato um pouco piedoso de
Hollywood e sua máquina recicladora de ídolos e tendências.
O crepúsculo do
título é o dos deuses do cinema mudo, renegados ao esquecimento com o advento
da tecnologia sonora. Para o papel principal – uma antiga musa do cinema que
contrata Joe Gillis (William Holden), um roteirista fracassado, para escrever
seu grande retorno – foi convocada Gloria Swanson, ela própria numa estrela dos
filmes mudos que viu sua carreira afundar. Participam também do filme ícones
“mudos” como os diretores Cecil B. DeMille, Buster Keaton e Erich Von Stroheim,
este no papel de mordomo de Norma Desmond, a personagem de Swanson. O cinismo,
a anormalidade e a ânsia de Gillis por dinheiro sintetizam o comportamento de
Hollywood, sempre mais dependente das cifras que de ambições artísticas. O auge
da melancólica decadência de Norma Desmond é cena final, em que ela,
perturbada, avisa a DeMille que está pronta para filmar um close-up. Ela desce
as escadas em direção à polícia, e o que se vê é ela indo rumo à platéia.
O
longa ganhou três estatuetas no Oscar de 1951 – Direção de Arte, Música e
Roteiro. O último é emblemático, pois os roteiros sempre foram o ponto forte da
carreira de Wilder. Ele próprio começou escrevendo para seu grande mestre,
Ernst Lubitsch – está nos créditos de Ninotchka (1939). No caso de Crepúsculo
dos Deuses, Wilder divide a autoria com Charles Brackett, parceiro também em Pacto
de Sangue (1944) e Farrapo Humano (1945), entre outras
obras-primas.
*Revista Bravo!, 2007, p. 33
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