Aula de Português
Por Pedro Fernandes
A situação tal qual como exposta é típica de uma escola pública ou particular; não se admitem distinções na maioria dos pontos anteriormente especificados. Até que as teorias lingüísticas por aqui despertem, em meados da década de 1960, o tradicionalismo vigora no espaço dedicado às aulas de Português; a partir de então, duas curiosas correntes de opinião se formam entre os professores de Língua Portuguesa, ambas enfeitiçadas por essas reviravoltas no modo de compreensão da língua, conseqüentemente na compreensão dos estudos gramaticais, uma vez posto ser este indissociável daquele. Uma vertente entenderá o ensino de gramática da língua como um total liberalismo das normas postas, outra, se manterá no tradicionalismo ferrenho e enxergará as teorias lingüísticas como baleleísmo. No interior desta última ainda surgirá uma subcorrente que preocupada com o que ensinar sente-se perdida no âmago das discussões.
Inicialmente faz-se necessário uma espécie de raio-X da atual situação que é o espaço para aulas de Língua Portuguesa: geralmente as escolas dispõem de cinco aulas semanais para a disciplina, isto é, Língua Portuguesa constitui uma maior carga horária de todo o programa curricular, juntamente com matemática, de igual proporção. Além disso, a maioria dos professores de Língua Portuguesa trabalha 98%, dado meramente ilustrativo, desta carga horária com gramática tradicional. Boa parte também não está preocupada com a forma da qual se utiliza para trabalhar Língua Materna; alguns se preocupam mesmo em “bater capa” do livro didático no final do ano julgando que se possuem um programa pedagógico a seguir e cumprir ortodoxamente.
O que devemos já admitir da posse desse exame de correntes é que todas, ao que parece, permanecem portadoras de certo analfabetismo diante do real sentido representado por esses novos estudos, contemporâneos ao nosso modo, da língua. Primeiro, nenhuma teoria lingüística prega, por exemplo, que não se deva corrigir a escrita do aluno, como fazem os adeptos da primeira corrente de pensamento. Segundo, também nenhuma teoria lingüística está preocupada no ditame de normas para professores de Língua Portuguesa, como parece acreditar os tradicionalistas ferrenhos. E, terceiro, nenhuma teoria lingüística é balela, mas estudos de objeto extremis complexo, a Língua.
O que se quer nada mais é que uma mudança de foco para o ensino de Língua Materna. Se antes preocupávamos com os conceitos, hoje devemos nos preocupar com isto e mais precisamente com sua formulação crítica deste. A intenção de se estudar Língua Portuguesa envolve não apenas e somente o falar. As aulas de Português carecem de tornarem-se encontros interativos, de observação, uso e análise da Língua em funcionamento.
Como isso se daria, não há receitas com ingredientes puros para modificar e resolver de uma vez por todas os problemas que subjazem à questão do ensino de Língua Portuguesa. Uma coisa podemos e devemos esquecer: a figura do professor totalitário. Isso não combina com a proposta de interatividade. Devemos dar lugar ao professor mediador, aquele que constrói o conhecimento junto com o aluno. Isso significa a valorização do aluno enquanto sujeito membro do processo ensino-aprendizagem. Para isso, tem o professor uma série de recursos que estão disponíveis ao seu redor, no próprio âmbito da sala de aula, por exemplo. Deve o professor largar a preocupação extremista em cumprir conteúdos por cumprir, do avaliar para obter nota somente e preocupar-se com apenas um elemento chamado de aprendizagem.
Assim, entenderemos que uma gramática da língua como rezam as teorias lingüísticas não se refere apenas a uma gramática da norma ou abolição desta, mas num conglomerado de outras gramáticas que visam ao compreender de uma estrutura tão vasta quanto é a língua. Esta, por sua vez, não existe enquanto tal sem este conglomerado de gramáticas; e, sendo algo maleável no espaço-tempo, deve ser objeto de estudo constante. As aulas de Português deveriam, pois centrar seu foco, como aulas de leitura, fala, escrita e audição de textos. O texto como unidade máxima da língua é sem duvidas o objeto língua em concreção. Logo perceberemos que o vocábulo “abolir” não figura nesse cenário novo do ensino, justamente porque não se deve abolir, mas reformar.
O professor de Língua Portuguesa não pode permanecer sujeito das correntes inicialmente postas, mas sujeito inaugural de uma nova corrente, aquela que se preocupa com o outro, que enxerga o aluno como sujeito interactante, portador de características sociolingüísticas próprias e que vê a língua, seu objeto de estudo, como um elemento de interação. As aulas de Português não podem continuar nas listas de exercícios, mas no observar, no ouvir, no falar, no escrever, no ler textos de diversos gêneros. Este é o objetivo central e maior para um propósito pedagógico único: preparar cidadãos críticos e polivalentes na questão do domínio lingüístico. Se não conseguirmos isso, não poderemos sequer pensar em avançar socialmente.
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Nota: Republico neste blog mais um artigo saído no Caderno Domingo, do jornal De Fato. Este texto apresentado dia 30 de março faz parte de um conjunto de sete textos produzidos em aulas de Morfossintaxe I e reproduzidos no Domingo. O objetivo com estes textos é refletir sobre a educação e, em especial, sobre o ensino de língua portuguesa. Assim, o primeiro artigo, "Sobre educação", é uma espécie de introdução deste conjunto; logo, nele as discussões são mais gerais e o campo da educação como um todo é alvo de observação. A reflexão que se pretende é uma inquietação para entender acerca do quadro da educação na atualidade brasileira. Em seguida, o segundo artigo, "Num sei português", reflete questões mais específicas sobre a condição do público de língua portuguesa brasileira (alunos do ensino fundamental e médio ou qualquer usuário da língua); o intuito foi refletir acerca das multicaras do ensino de língua materna e os mitos que ainda rondam este ensino. No terceiro artigo, "Estudei e num aprendi português", o foco se volta para o ensino de língua materna, acomodando as principais inquietações que afligem, principalmente, quem estuda/estudou língua portuguesa. Ao recobrar os estudos do lingüista suíço Ferdinand Saussure, procuro refletir acerca das questões diversas que se referem à língua, à linguagem e ao ensino. Neste aqui, "Aula de português", o interesse se afunila: o foco agora é a sala de aula, o ensino de língua portuguesa num exame das questões abordadas anteriormente nos outros textos. Ainda restam três no prelo. Aguardemos.
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