Caio Fernando Abreu



[1] Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você, ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e, se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que, no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende?
Caio Fernando Abreu, O ovo apunhalado


[2] Não existe volta para quem escolheu o esquerdo.
Caio Fernando Abreu, Triângulo das Águas

[3] Queria tanto poder usar a palavra voragem.
Poder não, não quero poder nenhum, queria saber.
Saber não, não quero saber nada, queria conseguir.
Conseguir também não – sem esforço, é como eu queria.
Queria sentir, tão dentro, tão fundo que quando ela, a palavra, viesse à tona, desviaria da razão e evitaria o intelecto para corromper o ar com seu som perverso.
A-racional, abismal.

Não me basta escrevê-la – que estou escrevendo agora e sou capaz de encher pilhas de papel repetindo voragem voragem voragem voragem voragem voragem voragem sete vezes ao infinito até perder o sentido e mais nada significar (...)

Eu quero sê-la, a voragem.
Caio Fernando Abreu, Pequenas epifanias





Todas estas falas que acima se desdobram faz parte do espólio de pensamento do escritor Caio Fernando Abreu. Nasceu em Santiago, Rio Grande do Sul, e morreu no dia 25 de fevereiro de 1996, em Porto Alegre. Dedicou-se a maior parte de sua escrita à narrativa curta, preferencialmente o conto, estreando com o livro O inventário do irremediável.

Sua bibliografia, no entanto, consta obra de diferentes gêneros literários como seus dois romances Limite branco e Onde andará Dulce Veiga?, o livro infantil As frangas e um de crônicas publicado após sua morte, Pequenas epifanias. Da quantidade de títulos que deixou, o mais conhecido é Morangos Mofados onde entre mofos e morangos passeia suas obsessões por personagem anônimas vivendo em grandes cidades e em direção a um palmo qualquer de luz. Ou de sombra.

Como seus personagens, Caio se sentia um estrangeiro eterno, irremediável, um estranho estrangeiro, sem paz fora da própria terra, incapaz de viver nela. Em quase todos seus contos aborda temas como o estranhamento, a solidão, a dor e o sentimento de marginalizado. Seus personagens vão envelhecendo com ele. Mergulhados no espaço contaminado da pós-modernidade sua narrativa representa seres degradados pelas drogas, paranóias, AIDS, esquizofrenia, desencanto, muita procura e muito desamparo.

A cidade é o cenário preferido incorporando ao espaço urbano novos significados, ampliando o repertório e o alcance da literatura, representando seres diversificados ou muitas vezes melancólicos.

Cena de Onde andará Dulce Veiga, filme de Guilherme de Almeida Prado baseado no texto de Caio Fernando Abreu.

A leitura dos contos de Caio proporciona o enigmático, o silêncio percebido como trágico, e o cinema ganha representações nos imaginários dos personagens e na linguagem entrecortada, como a narrativa cinematográfica. Enfim, no reino de Eros, a narrativa de Caio, como no romance de Thomas Mann, A morte em Veneza, testemunha e recupera a sensibilidade, assim como a angústia diante do mundo que não atende às suas necessidades existenciais, atirando o homem de seu tempo à marginalidade e à transgressão.

O que nos hipnotiza em sua escrita é o magnetismo narrativo movido pela mágica e pelo silêncio que seduz o leitor sensível na tentativa de encontrar o espinho que atravessa a carne do texto, tudo num cuidado muito especial na pista escorregadia da linguagem.



Fontes: Rodrigo da Costa Araujo, blog Tom Zine.


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