Porque T. S. Eliot é um dos maiores nomes da poesia moderna
Thomas
Stearns Eliot exerceu, como poeta, dramaturgo e crítico literário, uma grande
influência no período de entre-guerras. Foi cabeça visível do movimento
modernista e poemas seus como “A terra desolada” (1922) ou dramas poéticos como
Assassinato na catedral (1935) e The cocktail party (1950) revitalizaram
com seus exercícios de estilo a literatura inglesa.
O poeta
nasceu no dia 26 de setembro de 1888 na cidade estadunidense de Saint Louis e
morreu em Londres em 1965. A publicação de “Quatro quartetos” durante a II
Guerra Mundial lhe valeu o reconhecimento, ainda vivo, como o maior poeta de
língua inglesa e, em 1948, foi-lhe dado o Prêmio Nobel de Literatura.
Peter
Ackroyd, escritor e crítico literário, é um dos maiores especialistas no estudo
da vida e obra de T. S. Eliot. A biografia que publicou em meados da década de
1980 sobre o autor de “A terra desolada”, intitulada com o nome do poeta, é
considerada um dos melhores documentos sobre sua vida. É a partir desse texto
que construímos um breve esboço sobre o início da carreira do poeta, sua longa trajetória
e a vida conturbada desde o seu primeiro casamento.
Se em 1915
assinala o princípio de sua carreira como poeta, é também o ano em que sua existência
privada se viu alterada radicalmente: conheceu uma jovem e se casou. Ela se
chamava Vivien Haigh-Wood (originalmente Vivienne,
mas ela preferia a forma abreviada e Eliot, nas brigas de casal, voltava a chamá-la
pelo nome verdadeiro).
As
circunstâncias reais do primeiro encontro com Vivien nunca ficaram claras, mas
sabe-se que foi pela mediação de Scofield Thayer, um estadunidense que Eliot
havia estado tanto em Milton como em Harvard e agora trabalhava em Oxford. Sua irmã,
Lucy, havia iniciado amizade com Vivien depois de conhecê-la na Suíça seis anos
antes. Ela e Vivien iam a Oxford de vez em quando, e ao que parece, Vivien e
Thayer tinham, na época, algum tipo de relação amorosa – isso era algo afirmado
por Ezra Pound, amigo de Eliot desde sempre.
Eliot e
Vivien se conheceram então no rio durante as poucas semanas de férias em
Trinidad, embora o mais provável é que tenham se conhecido no apartamento de
Thayer em Magdalen. Que tipo de figura era Vivien que levou logo Eliot a
pedi-la em casamento? Uma figura tímida, mais vivaz – disse Osbert Sitwell
quando a conheceu três anos mais tarde. Gostava de ir ao teatro e de dançar ao
compasso da música do fonógrafo. Vestia-se bem, embora às vezes de uma maneira
pouco chocante. E, a julgar por suas histórias posteriores, tinha um instintivo
senso de ingenuidade sobre a crueldade.
Abigail
Eliot a descreveu como “uma pessoa deliciosa, encantadora, interessante, sensível
à beleza”; Osbert Sitwell, que para Eliot ela deve ter sido a encarnação da despreocupação
e audácia da juventude, mesmo ela sendo seis meses mais velha que ele. O diário
de Vivien do ano antes de conhecer Eliot nos mostra como alguém abalada por
idas e vindas de humor, sujeita a depressões repentinas e mudanças de humor se
explicação aparente.
Mas, vida
particular à parte, é válido voltar aos instantes iluminadores de sua obra para
perscrutar algumas razões porque se tornaram aos poucos alguns dos títulos mais
importantes do século XX.
Em 1915,
Pound era editor da revista Poetry e enviou
a Harriet Monroe a publicação de A canção
de amor de Alfred Prufrock. O título
é um dos primeiros de sua estreia literária. O que a crítica sempre viu de
interessante nesse trabalho foi a capacidade que o ainda jovem (Eliot tinha 22
anos quando escreveu a obra) de redigir um texto com tamanha força; numa época em
que imperava a poesia georgiana, com suas derivações românticas do século XIX,
um poema que retrata a experiência de consciência de um homem que lamenta a
inércia física e intelectual, as oportunidades que perdeu ao longo de sua vida
e a falta de progresso espiritual associado pela incapacidade de realizar-se
plenamente sexualmente. A estrutura do poema teria sido intensamente marcada
pela poesia de Dante, além do Hamlet
de William Shakespeare.
Em outubro
de 1922, Eliot publica A terra desolada no
jornal The criterion; o poema foi
composto durante o turbulento período da vida
de Eliot com Vivien; os leitores interessados em associar fatos biográficos à
obra julgam que esse momento terá alimentado o tema da desilusão aqui transferida para um contexto mais amplo
da história da Inglaterra: o pós-guerra. O poema, apesar de ser um marco na
obra do escritor, este foi renegado
por ele, muito antes de ganhar forma em livro dois meses depois. É um texto em
profundo diálogo com a literatura de James Joyce e de Ezra Pound.
Mas, foi Quatro quartetos, publicado em 1943, a
obra de uma vida; mesmo que alguns críticos prefiram alguns dos trabalhos
anteriores, Eliot sempre fez questão de tê-lo com a pérola de sua bibliografia.
Quatro poemas marcados por cinco partes cada uma; são textos que exploram a
partir dos chamados signos ar, terra, água e fogo, dimensões diversas,
sobretudo àquelas referentes a uma revisão da forma-tempo, mas é tal como pensa
Alcides Cardoso dos Santos “momento/movimento no e pelo qual a verdade aflora
como acontecimento, como mistério e silêncio, no qual diferentes vozes,
crenças, credos se unem numa forma de existência maior, mais viva e mais
integrada, numa forma de libertação maior, numa plenitude mística que não é
senão escuridão, na qual ação e inação não se excluem”.
Dámaso
Alonso dizia que “na poesia de Eliot houve muita experimentação de procedimentos
ou técnicas, como se uma espécie de collage
literária (citação de frases ou elementos da literatura alemã e grega numa
complexa intersecção entre os versos do poeta) que fazia sua poesia de difícil acesso
sem quaisquer anotações com vistas de esclarecimento aos leitores”.
A principal
marca que se expressa a partir da obra de Eliot (e também de Pound e outros
poetas responsáveis pelo nascimento da poesia moderna) é a integração de todo
fragmentarismo no interior do poema. É a erudição moderna: fazer-se novo a
partir das cinzas da tradição. Isso o
faz um poeta erudito, obscuro e mítico; erudito porque revisa e alimenta-se do patrimônio
poético anterior, compondo o que o próprio poeta sempre defendeu que a escrita
consigna numa síntese entre a tradição e o talento individual de quem escreve.
Obscuro
porque, como um poeta provençal do trobar
clus, que administra a origem emocional e instrumental de cada palavra ou
verso e não o revela ao possível leitor, seja pela intenção do poeta em
propor-lhe a busca, seja por propor-lhe a excitação ante todas as revelações se
as conseguir fazê-las presentes. E mitológico porque, como os poetas
alexandrinos, utiliza-se como referente do conteúdo mítico, em seu caso
religioso, embora em ocasiões diversas se valha de mitologias pessoais familiares,
de grupo ou classe cultural a que pertence. Apesar de Eliot constar no censo
dos poetas católicos e monárquicos de qualquer histórica ideológica da
literatura, sua utilização da mitologia religiosa formou parte do artifício
literário mais que uma militância pelo confessional. Nada é tão polissêmico que
uma complexa simbologia religiosa bem manipulada por um grande poeta.
Quatro quartetos movem-se por duas
grandes formas: a dialética entre materialismo e espiritualismo, sem desconsiderar
a relação entre literatura e o contexto de sua produção, a já citada Segunda
Guerra Mundial e suas consequências. A grandiosidade dessa obra – e isso é
válido para as produções de Eliot – é que desde sempre sua escrita valeu-se da
engenharia de simetria e assimetria, dissonância e consonância, além da
capacidade de introduzir o leitor numa cumplicidade anímica para possível revelação
do sentido proposto pelo eu-poético. Está aí parte de sua genialidade; resta o
leitor deixar-se perder entre esse rico universo literário.
* Este texto foi escrito com notas a partir de "Poesia y desorden", de Manuel Vazquez Montalban; T. S. Eliot, de Peter Ackroyd e "Poesia e transcendência em Quatro quartetos", de Alcides Cardoso dos Santos.
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