O último amor de Goethe

 Por Luis Fernando Moreno Claros

Um dos raros registros de Ulrike von Levetzow, o último amor de Goethe


“O amor, cujo poder sente a juventude, combina mal a velhice”. Sobre esta máxima de Goethe que, da experiência adverte contra as paixões extemporâneas, trata os textos “O homem de cinquenta anos” e “Elegia de Marienbad”, e entre a diversidade de pontos de vista aí assumidos está o último episódio amoroso na vida do autor do Fausto.

Na edição espanhola, que copia a singular novela “O homem de cinquenta anos” e os célebres poemas que compõem a chamada Trilogia da paixão, entre eles, “Elegia de Marienbad”, a organizadora, Rosa Sala, recolheu numerosos fragmentos de cartas, diários privados e entrevistas pertencentes a várias personagens do entorno de Goethe.

Corria o ano de 1823, quando o nobre conselheiro privado da Corte de Weimar, Johann Wolfgang Goethe, um escritor famoso em toda Alemanha, já septuagenário, se apaixonou como um adolescente por uma linda garota que terá lhe quadruplicado a idade e flertava com ele no mesmo nível de uma neta afetuosa com seu encantador avô. Goethe, que fazia cinco anos que estava viúvo, conheceu Ulrike von Levetzow em 1821, durante uma temporada de verão no balneário de Marienbad. Dois anos depois, quando a amizade se consolidou com a troca de algumas cartas sem importância e outra temporada de verão, o célebre autor decidiu pedir a mão da garota.

Bem, se o noivo era velho, além das numerosas honras que imediatamente adornariam a esposa, a petição incluía uma suculenta oferta: a concessão de uma elevada renda vitalícia à jovem da parte do arquiduque de Weimar quando ficasse viúva. Mas Ulrike, que então tinha só 17 anos, recusou a oferta. A jovem se sentia muito unida à família para abandoná-la tão cedo; além disso, considerava o “ancião Goethe” quase como um pai, farto de benevolência e cordial, nada mais. Ninguém a pressionou em sua decisão: o coração e não o interesse foi seu único conselheiro.

Recusada sua proposta matrimonial, em 5 de setembro de 1823, Goethe abandonou o lugar de sua derrota caindo num considerável estado de prostração; uma vez no coche que devia conduzi-lo a Weimar, fazendo caso omisso de seus acompanhantes, começou a compor os versos do que haveria de ser a “Elegia de Marienbad”. Aquele extenso poema, canto à mada impossível que anima e desdenha, produto de um estado de paixão extrema e tanto devedor da admiração que o Goethe da maturidade sentia pelo impulsivo Lord Byron, foi o melhor alívio para a nostalgia que embargava o poeta rejeitado.

Na sua chegada a Weimar, Goethe copiou esmeradamente a “Elegia” em bom papel, com grandes letras e a encadernou cuidadosamente em couro. Estava tão encantado com seus próprios versos que confessou com certa ingenuidade que não havia se cansado de lê-los até sabê-los de memória. Mas, em poucas ocasiões mostrou seu trabalho e para gente muito íntima, como Eckermann ou Von Humboldt, mas pouco antes de publicar, em 1826, já corria de boca em boca que Goethe havia escrito um incomparável poema de amor; finalmente, o próprio autor enviou o texto também a Ulrike. Uma natureza tão conciliadora como a de Goethe sabia sempre qual era seu lugar.

Contudo e apesar da sublimação de sua dor, o ancião apaixonado sofreu enormemente durante os meses que seguiram ao desengano; renunciar com resignação ao amor, admitir a implacável velhice era fácil na teoria, mas muito diferente na prática.

O homem de cinquenta anos, que Goethe começou a compor antes de conhecer Ulrike e que, havendo abandonado concluiu durante uma de suas estadias de verão na Bohemia, trata, precisamente, da renúncia necessária, dos desejos adaptados às diversas idades da vida. Um militar cinquentão renuncia se casar com a jovem sobrinha em favor de seu próprio filho, um esposo mais idôneo devido a sua juventude. Com uma graça e uma ironia notáveis, certa ligeireza rococó, efeitos românticos e até algum retoque psicológico que já anuncia um Proust, Goethe constrói com uma profunda sanidade um acorde com os desígnios da Natureza que aproxima o que deve estar unido e separa aquilo que não se complementa. Plasmou na personagem do militar o que deveria haver sido seu próprio comportamento, ao inverso do que, em sua juventude, ao conceber o Werther, despeitado pelo desamor de Charlotte Buff; naquela ocasião foi o anti-herói fictício quem descarregou o tiro enquanto o autor curava seu desengano com novos amores.

Uma breve relembrança autobiográfica onde relata sua relação com Goethe, elaborada pela própria Ulrike surpreende; é uma enigmática sentença com a qual conclui suas memórias: “Não pode dizer-se que não se tratasse de um amor”. É também enigmática a fotografia em que uma Ulrike já de idade avançada segura em sua mão uma caixa onde conserva as cartas de seu famoso pretendente. São questões que apontam a um “quem sabe se Goethe não devia ter insistido um pouco mais”. Mas ele nada mais tentou, talvez consciente de que, em troca das delícias já impossíveis, devia contentar-se com o dom divino de sua vigorosa inspiração que, filha do vivo sofrimento, ao invés de um complacente “sim, quero”, não o fez para sempre um desterrado. A jovem que recusou ao grande homem optou por ficar solteira o resto da vida.


* Este texto é uma versão livre “El último amor de Goethe”, publicado no El País.

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #607

Boletim Letras 360º #597

Han Kang, o romance como arte da deambulação

Rio sangue, de Ronaldo Correia de Brito

Boletim Letras 360º #596