Ai, saudades da palmatória!
Por Pedro Fernandes
“Ó palmatória, terror dos meus dias, tu que foste o compelle intrare com que um velho mestre, ossudo e calvo, me incutiu no cérebro o alfabeto, a prosódia, a sintaxe, e o mais que ele sabia, benta palmatória, tão praguejada dos modernos, quem me dera ter ficado sob o teu jugo, com a minha alma imberbe, as minhas ignorâncias, e o meu espadim, aquele espadim de 1814, tão superior à espada de Napoleão!”
– Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.
O caso se
deu nesta semana. Uma professora da rede estadual do Rio de Janeiro foi
condenada a pagar uma multa de R$ 5 mil por um puxão de orelha num
aluno. O fato me chama atenção por dois motivos: a bancarrota de uma
pedagogia do cetim fez do aluno uma figura intocável. Fato humano – quando não
é oito é oitenta. Houve o tempo em que apanhar de palmatória era útil para
a formação educacional. Era um corretivo necessário à docilização dos
corpos. Depois desse motivo primeiro, é fato que a pedagogia do cetim levou à
desfiguração da imagem do professor. Este é agora um-qualquer. Um sem-autonomias.
Há uma coisa
nos dois motivos que me faz perguntar qual tipo de educação, afinal, é a
correta. Desconheço, e me perdoem desde já pela ignorância, alguém que tenha vindo padecer de traumas graves por uma palmatória. Ouvi muitas vezes os
mais velhos recordarem do instrumento mesmo com certa nostalgia. E o fato é que
eles, que aprenderam sob custódia dos “bolos”, foram os que tiveram o melhor da
educação. Depois que transformaram a imagem do aluno em figura de cera tem
sujeito dando na cara de professor e quanto a isso ninguém nunca aplicou uma
multa aos pais pelo desastre do comportamento do filho.
Frequentei
escola com professor já sem a companhia da palmatória, mas eu sempre tive um
medo – que mais tarde fui entender que não era medo e sim respeito – pela sua
figura. E diante de qualquer professor sempre me portei como aluno, mesmo agora
depois de adulto, continuo aluno, de um curso superior, mas, aluno. Isso significa que, por mais proximidade e intimidade que eu possa desenvolver com eles, entendo que entre nós sempre haverá um degrau que me coloca numa posição um pouco abaixo dele. Meus pais sempre disseram
que, na ausência deles, na escola, era o professor quem fazia o papel de meus pais e a
ele devia respeitá-lo como se deve respeitar aos pais. Duvido que agora se faça
isso e se fizer as relações entre filhos e pais estão um bocado baldeadas.
Mas, diante do caso do Rio de Janeiro e de tantos outros reportados comumente pela mídia, eu
pergunto, quem tem esse zelo por aqueles que, por alguma razão, se diferenciam
um pouco de nós. A recorrência de episódios como o que aqui menciono me faz
dizer que nesses tempos a pedagogia da palmatória fará falta. E como fará! Não se
trata de defender uma violação do corpo. Nem sua repressão. Trata-se, sim, de
lembrar a todos que não se é uma sociedade sem hierarquias. Que, se não são respeitadas suas hierarquias, futuramente esses superprotegidos serão
levados a acreditar que tudo está à serviço de seu prazer, serão eles os donos do mundo e logo se sentirão capazes de passar por
cima de tudo e de todos.
A defesa de quem não viveu o tempo da palmatória é, obviamente, uma metáfora. Bem sabemos que se muitos se educaram sob seu jugo, outros tantos por ele se perderam. O retorno da palmatória como digo é que se faz necessário que os adultos responsáveis pela educação dos seus filhos não devem esperar da escola o trabalho que é da responsabilidade deles. Educação se faz diuturnamente. E dizer os limites, essa atitude que vai, cada vez, sendo mais desfeita ao ponto de cairmos não só no sentido oposto do termo como numa sociedade desleixada, como valores invertidos, é talvez a maior das necessidades do tempo vigente.
Se é má a pedagogia da palmatória, é também de igual valia a pedagogia do cetim; esta última talvez mais terrível para a nossa formação enquanto sociedade porque não aprendemos com o facilitismo que ela incita, nem com esse tipo de atitude verificada no Rio de Janeiro, aprendemos com o exercício de repensar com nossos erros, aceitando-os, revisando-os, sempre com o propósito de sairmos dele melhor que quando entramos; melhor no sentido de que aprendemos com ele e não que alguém aprendeu por nós. O mundo não só tem
como valores preciosos o que temos como nossos valores. Há os nossos e os alheios e deles cuidamos todos.
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