8 ½, de Federico Fellini
Crise criativa conduz artista a romper amarras
e a se lançar numa viagem estética sem bússola
Em 1963, Federico Fellini
levou, com 8 ½, seu cinema a novos patamares. Se seus filmes “realistas”
dos aos de 1950 já possuíam forte carga onírica e pessoal (a protagonista de Noites
de Cabíria, de 1957, era uma referência às mulheres de rua que o diretor
conhecera), a partir de A Doce Vida (1960) a subjetividade do diretor
só se acentuou. Em 8 ½, seu filme assumidamente mais autobiográfico e
delirante, funde fantasias pessoais no universo do protagonista, Guido Anselmi
(Marcello Mastroianni).
Guido é um cineasta quarentão que vive um vazio
criativo (tal como Fellini, vítima da mesma situação) e parte para uma
instancia hidromineral a fim de encontrar o sentido de sua vida. Vários
flashbacks traçam momentos importantes de sua vida, como a repressão católica
(outro dado tirado da biografia felliniana) e suas aventuras com mulheres.
Estas, por sua vez, empurram-no às suas fantasias, onde as fêmeas seriam
perfeitas (sonho ilustrado na mais famosa sequencia do filme, quando Guido
chicoteia um rebelde que reclama contra o seu machismo). Por outro lado, 8
½ reverencia a mulher na figura iluminada da atriz Claudia Cardinale.
O
filme marca uma virada de percurso na carreira de Fellini, que alçaria voo
próprio além das exigências comerciais. A mudança é indicada quando Guido, a
certo momento, cansado da equipe que o persegue para ele logo iniciar as
filmagens de um grande longa-metragem, mata simbolicamente o grande produtor. Esteticamente,
trata-se do longa mais inventivo de Fellini, em que imagens quase surrealistas
entrecortam a história. Tamanha foi a ousadia para aqueles anos 1960 que 8
½, filmado em preto-e-branco, foi exibido no interior da Itália em cópias cujas
sequencias de delírio eram em sépia, a fim de não embaralhar a compreensão do
público. É, também, o trabalho mais ousado do fiel músico dos filmes do
diretor, Nino Rota, que usa a batida musical para dar ritmo ao frenesi de
Guido.
* Revista Bravo!, 2007, p. 23
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