Otto Lara Resende
Versatilidade. Talvez essa palavra
possa ser tomada como uma definição ou mesmo uma síntese da intensa atividade criativa de Otto Lara Resende
com as letras. Sabe-se que nessa seara, o seu melhor foi o jornalismo e foi
também o trabalho com a crônica; mas, o leitor não deixará de observar a
vivência com a ficção, destacada como o autor de diversos livros de contos.
Otto Lara Resende nasceu a 1.º de
maio de 1922 em São João del-Rei, Minas Gerais. A vivência no universo das
letras começa desde muito cedo. Ainda na adolescência, por exemplo, inicia-se como
professor de francês e a escrever para o jornal O Diário, de Belo Horizonte,
cidade onde passa a morar quando entra para o curso de Direito na Faculdade de Ciências Sociais e Jurídicas, Universidade
Federal de Minas Gerais.
Data do período de estadia na
capital mineira os primeiros contatos com um grupo que se estabeleceria daí com
fina presença nas atividades literárias quando no Rio de Janeiro: Fernando Sabino,
Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino. Um grupo que o próprio Otto chamava de os
quatro mineiros de um íntimo apocalipse. Com estes, é possível acrescentar ainda outros nomes de Minas, como Carlos Drummond de Andrade.
A vida na então capital do Brasil
e o grupo de amigos aí enraizado deu substrato para experiências, certamente,
das mais marcantes numa existência que cobriu sete décadas. Otto Lara Resende
se dedicava avidamente a escrever para o Diário de Notícias, O
Globo, Correio da Manhã e Última Hora, para citar alguns dos
jornais que mais se colocou como colaborador em meio tempo da sua vida.
Mas, não foi apenas o homem de
atividade jornalística frenética. Experimentou as funções de adido cultural na
Embaixada do Brasil em Bruxelas; na Holanda, foi professor de Estudos Brasileiros
na Universidade de Utrecht e, no regresso ao Brasil, ainda exerceu atividades
acadêmicas na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ). No intervalo entre a
vida diplomática e a de professor, desempenhou as funções de advogado da
Procuradoria do Distrito Federal, dirigiu um tabloide semanal para o jornal Última
Hora, a revista Manchete, o Banco Mineiro da Produção e a
Rede Globo de Televisão, entre outras atividades.
Foi na emissora dos Marinho que se popularizou
com o programa de entrevistas Jornal Painel e um quadro do Jornal da Globo no
qual entrevistava personalidades literárias, um convívio ao que parece
interessantíssimo, porque um dos raros momentos em que a televisão brasileira dedicou
alguma atenção para a vida literária no país.
Com tantas atividades, imagina-se
um Otto aferrado ao trabalho, mas nunca terá deixado de se colocar muito
próximo da família e dos amigos. Dessa última relação, prova o vasto arquivo de
cartas que, dentre outras funções, filtra os trânsitos literários de uma parte
importante da nossa república das letras; basta dizer que além do seu grupo
íntimo, o escritor mineiro dialoga com figuras como Dalton Trevisan nos auspícios do começo de carreira, ou com Rubem
Braga, com quem fundou e dirigiu com Fernando Sabino a Editora do Autor.
Mas, não esqueçamos a atividade literária
de Otto com a ficção, espaço da criação que realiza sua estreia definitiva como
escritor e nele persevera até o último instante. O lado humano, uma coletânea de contos, sai em 1952; é o seu primeiro livro. O próximo do mesmo tipo esperará cinco anos para vir a luz; Boca do inferno foi
motivo de alguma celeuma por parte da crítica pela maneira como descreveria uma
infância dramática e não pura e feliz porque atormentada pela ideia de pecado.
Foi com O retrato na gaveta
(1962) que alcançou lugar de destaque entre os principais nomes do conto na
literatura brasileira, livro que ainda é para alguma parte da crítica, a sua Magnum
Opus. Este livro que sai pela Editora do Autor é bem recebido pela crítica,
dessa vez, sem celeumas; um articulista do jornal Correio da Manhã
reparava, no ano de publicação do livro, que chama atenção para o seu valor
como contista:
“Exatamente porque é um contista
que pode dar-se ao luxo de prescindir do assunto, da ficelle, o seu
clima não nos parece o das novelas (‘O carneirinho azul’, ‘Cigana’), mas antes
o dos pequenos contos (que também poderíamos chamar de crônicas) em que, com o
melhor humour, explora o absurdo ou o insólito de certas situações que a
vida moderna oferece a quem tenha olhos para ver (‘O gambá’), ou mostra ao
leitor ‘o lado humano’ de seus personagens (‘Os amores de Leocádia’).”
O escritor Otávio de Faria, no
entanto, repararia quase um ano depois, também no Correio da Manhã o
valor de Otto Lara Resende novelista:
“Outro aspecto pelo qual O Retrato
Na Gaveta me interessa — e julgo que deva provocar interesse e entusiasmo
dos leitores de Otto Lara Rezende — é o que incide na revelação do seu talento
novelístico. Até ontem, não conhecíamos nenhuma novela do contista mineiro. Quando
muito, podia-se dizer que alguns dos seus contos continham promessas de
novelas. Mas, ‘O Carneirinho Azul’, peça com que termina O Retrato Na Gaveta
é uma autêntica novela, não só pelo seu tamanho (cerca de cem páginas) como pela
sua contextura. E, diga-se logo, uma esplêndida novela, talvez mesmo, a melhor
peça do volume.”
É ainda nesta sua casa própria, a
Editora do Autor, que publicaria a primeira versão do seu único romance, O
braço direito (1963), também saudado por Otávio de Faria a melhor surpresa na literatura brasileira daquele ano. Cioso do seu ofício, a incursão pela ficção longa o
levaria a concluir outras quatro versões para este livro que conta a vida de
Laurindo Flores enquanto bedel de um orfanato do interior de Minas Gerais.
Ainda no conto, escreveu “A cilada”
para uma coletânea intitulada Os sete pecados capitais, da qual
participaram também nomes como Guimarães Rosa e Carlos Heitor Cony; e As
pompas do mundo (1975) e O elo partido e outras histórias (1991), este o último livro publicado em vida.
Ainda na ficção, saiu postumamente uma reunião com duas novelas sob o título A testemunha
silenciosa (1995).
Já a extensa atividade como
cronista só começa a aparecer em livro também depois da sua morte: Bom dia
para nascer, com textos publicados no jornal Folha de São Paulo numa
coluna que assinava diariamente intitulada “Rio de Janeiro”, é publicado em
1993; um ano depois, sai O príncipe e o sabiá e outros perfis. Em 2002,
publica-se Três Ottos por Otto Lara Resende com material de arquivo do
escritor organizado pela professora Tatiana Longo dos Santos.
A correspondência, um manancial com
mais de oito mil documentos, segundo dados do Instituto Moreira Salles (IMS), instituição que alberga seu arquivo, começa a ganhar forma com O Rio é tão longe,
em 2011. O livro organizado por Humberto Werneck, reúne a correspondência entre
Otto e Fernando Sabino. Cinco anos depois, Cleber Araújo Cabral organiza Mares interiores: correspondência de Murilo Rubião & Otto Lara Resende.
Otto Lara Resende morreu no dia 28
de dezembro de 1992, no Rio de Janeiro.
* Texto atualizado a 1.º de maio de 2022.
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