Mídia, BBB e sociedade


Por Pedro Fernandes






Falar sobre a mídia na mídia apresenta-se como algo comedido, estrito. No entanto, não farei uso do comedido e estrito espaço dessa mídia para falar dela; como já está subentendido no "BBB" do título deste texto, levarei em consideração a mídia televisiva para falar sobre ela. Esta se apresenta socialmente como um monstro cibernético daqueles à Spielberg, que ameaça as esferas da produção cultural, arte, literatura, filosofia, ciência etc. E vou mais adiante. A mídia televisiva apresenta-se como sujeito fabricador de sujeitos a seu modo de agir, pensar (?). Não há necessidade de compará-la a uma arma no espaço social, afinal de contas, existe poder maior que entrar em nossa casa, livre e espontaneamente, tomar nossa fala e incutir idéias, modos? A mídia televisiva é algo invisível, silencioso e que detém um poder tamanho que no alto dessa silenciosidade e invisibilidade nos cala, nos cega a tal ponto de nós mesmos afogarmos nossas necessidades e nossos valores enquanto humanos. Basta que analisemos todas estas questões a partir do reality show Big Brother Brasil (cito-o porque é o que está em voga) para percebermos um construir, desconstruir e reconstruir de identidades na sociedade. O olhar que devemos lançar aqui não é um olhar falsamente crítico, mas uma análise verdadeira, ainda que breve, desse sujeito maior.

Hoje, graças ao avanço tecnológico, o objeto TV deixou de ser artigo de luxo e categorizou-se como o necessário, a tecnologia básica que todo alguém pode possuir; ela, por sua vez, invade lares sem nenhuma restrição ou alerta, porque a própria figura sua é algo encantador e hipnotizador. Ter ou não ter uma TV é algo estritamente particular, assistir ou não assistir dado programa não; as pessoas parecem preocupadas em ver o que as outras pessoas vêem.

A pergunta que surge é: por que, então, decidimos valorizar e endeusar o fútil, empurrado goela abaixo? É uma pergunta interessante que nos faz refletir até sobre nós mesmos. Sim, porque todo mundo já, uma vez ou outra, perdeu tempo vendo, nem que de zapping, algum besteirol na TV. Tenho impressão de que fazemos isto com o intuito de vermos a nós mesmos, enquanto tal, ainda que indiretamente. Não foi à toa que conquistamos a programação bestial que as emissoras abertas nos colocam. Um programa como Big Brother, que em sua sétima edição pára público e crítica é a mais concreta prova disto. Os corpos sarados, os diálogos tapados, a sexualidade aguçada ou o mundo uma eterna festa são, no fundo, no fundo, futilidades que todos nós enquanto humanos gostamos ou almejamos. É algo histórico, vire-se para a Grécia Antiga: o ser como algo superior a tudo. E como dizia Berkeley, "Ser é ser percebido". Participar de um programa como este, o Big Brother, ainda que fora da casa global, é a uma única forma fácil e pronta que encontramos contemporaneamente de ser percebido, nem que nas rodas diárias de conversa.

Mas voltemos a idéia primeira de que a TV constitui instrumento de poder e a mãe-perda de nossa autonomia enquanto humanos. É fato que, uma série de fatores proveniente de fatores diversos permeia uma assertiva como esta. A mídia televisiva pós-censura adquiriu um poder, uma autonomia e tornou-se aparelho, instrumento cerceador de opiniões. Exibir corpos sarados num reality show, por exemplo, é a maneira mais clara em que isto se manifesta. O narcisismo humano é mostrado enquanto coisa superior à nossa própria realidade, isso é um desconstruir de identidade, a realidade em que estamos inseridos é alheia à realidade da mídia. Nos cega, leva-nos a crer que o padrão de perfeição é algo comum, quando de fato não o é. A TV forja realidades e se as aparências é o fulcro do homem, por que não fazer uso delas? Sua missão comporta-se no fazer ver-crer das coisas, dos fatos sob um único viés; incita-nos à divisão de grupos sociais (o das crianças, o dos adolescentes, o dos advogados etc.) e conseqüentemente incita-nos ao preconceito para com o próprio humano. E isto se manifesta de forma tão propensa, que nos amordaça, paralisa e leva-nos ao conformismo político de que nada podemos fazer para mudar uma dada realidade ao não ser abaixar a cabeça e em posição semi-fetal obedecê-la. Quando é incitada, principalmente em nossa colônia Brasil, sente-se ameaçada e ameaça os sujeitos críticos, apelando logo para a censura vivida nos Anos de Chumbo. Ou seja, faz-nos de objeto, mas não gosta e nem se sente à vontade quando é manipulada como objeto.

Por todas estas reflexões e outras que ainda poderia colocar, concluo que a seleção pela busca do belo, do sensacional, e do espetacular constitui unicamente numa fórmula fácil de englobar o maior número de telespectadores e a ser a número um no formidável elemento audiência. Tudo por e pela audiência. Esse é um lema engessado em grande parte das emissoras. Então, expor um reality show é uma das maneiras mais viáveis de atingir um grande padrão social, todos gostam de fuxicar a vida alheia ou mesmo enxergarem-se enquanto reflexos. A telinha que nos seduz é o mesmo lago que seduziu Narciso. E é fazendo-nos Narcisos que a mídia televisiva, primeiro comuta as idéias alheias, tidas como conspiratórias; segundo, acomoda sujeitos, amordaça-os (obedecer sempre, lutar jamais!); e assim caminha a sociedade, plagiando e parafraseando o grande Lulu Santos, a passos de formiga e sem maldade, assim Narcisos.

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P.S. Bom, não estranhem: soube da existência de um novo Big Brother duas semanas depois que o mesmo já havia se iniciado; e isso porque ouvi comentários de um dos funcionários do setor onde trabalho. E por curiosidade, como diz o "fracassado" Pedro Bial, dei uma espiadinha e achei então que era hora de rever algumas coisas que havia escrito sobre e que já estavam no baú de meu currículo. São dois textos que foram publicados num jornal de circulação estadual, o Correio da Tarde por mesma essa época do ano passado, quando a nossa telinha exibia a edição não sei quanta do reality show. Nesta primeira postagem vem o primeiro, "Mídia, BBB e sociedade" escrito a partir de uma palestra de Pierre Bourdieu no Collège de France em que ele reflete sobra a mídia.


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