Joaquim Manuel de Macedo
Antonio
Candido não exclui o nome de Joaquim Manuel de Macedo no cânone composto pelo
seu fundamental e sempre citado Formação da literatura brasileira. Mas
não poupa, naquela maneira elegante e sutil típicas do seu estilo, as críticas;
é notória a escolha do estudioso pela literatura de José de Alencar entre as
primeiras no rol da história do romance brasileiro. Não é o caso de julgar sua compreensão,
mas sempre ficará a pergunta sobre quais atributos o autor de Iracema
favorece uma posição acima do autor de A moreninha.
Preserve-se as
peculiaridades de cada escritor, mas um e outro se beneficiaram da força das
narrativas de folhetim e construíram uma obra marcada pelas mesmas deficiências:
“realidade, mas só nos dados iniciais; sonho, mas de rédea curta; incoerência,
à vontade; verossimilhança, ocasional; linguagem familiar e espraiada”, para
utilizar as mesmas expressões formadas pelo crítico brasileiro em relação à
obra de Joaquim Manuel de Macedo. É possível que tais características não
formem parte da totalidade da obra do escritor cearense, aparente mais
inventivo e interessado em construir uma psicologia do seu indivíduo, mas se o
leitor estiver situado apenas no âmbito dos chamados romances indianistas não
deixará de visualizar esses elementos acima citados.
José de
Alencar se apresenta como alguém movido por audácia política que tentou
transpor para a construção de um projeto literário capaz de situá-lo no papel
de pai da literatura brasileira – condição que parece ter vingado. Mas é autor
de uma literatura extremamente medíocre por se deixar conduzir exclusivamente
pelos ideais de homem preso a uma tradição de base exclusivamente colonizadora.
Abstém-se, como pontua Alfredo Bosi no seu Dialética da colonização de uma
rica dialética para se enveredar numa literatura de cartilha que desconsidera totalmente
as sequelas do doloroso processo de colonização. Isso justifica inclusive, em
parte, por qual razão sua obra se constituiu de forma quase unânime a pedra
fundamental do nosso cânone, este determinado por uma posição etnocêntrica e colonial.
Acomodado à
condição burguesa, qual o senador cearense, Joaquim Manuel de Macedo ao menos
conseguiu ousar ao se rir do nosso sistema político que nasceu já fracassado
por ser sustentado em sua quase totalidade por interesse de uma classe que
sempre colocou tudo em panos quentes e nunca conseguiu estabelecer uma
radical ruptura com um modelo danoso para nossa sociedade até o presente ou até
quando não conseguirmos, por alguma força do acaso conseguir nossa revolução. É
bem verdade que o escritor carioca, em grande parte de sua produção romanesca se
ateve na composição de um painel do comezinho burguês e ainda aplaina suas
incongruências, mas se situa numa vertente um tanto rara da nossa
literatura, que é a da denúncia social e política, como o leitor pode verificar
na duologia A carteira do meu tio e Memórias do sobrinho de
meu tio, duas crônicas satíricas dos anos da nossa primeira Constituição.
É verdade
que o Macedinho, como nomeia Antonio Candido, se coloca entre aqueles
escritores cuja escrita se marca mais pelos artifícios da retórica que pelos da
poética, mas isso ainda não o faz inferior a Alencar, por vezes igualmente
encantado pela excesso verbal, preferindo a sobriedade em relação ao efeito
cômico, um compromisso com a verossimilhança em relação à inventividade imaginativa.
O que prevalece na literatura de Joaquim Manuel de Macedo é também o
desenvolvimento de uma mitologia: a do amor burguês e a da unidade social de
acordo com um equilíbrio de forças, o que, ele próprio, sobretudo nesse último
quesito não vê se estabelecer no Brasil de seu tempo. Sua leitura parece
acentuar que a ordem social de então nos empurraria para uma revolta popular de
efeitos incontornáveis – continuamos a esperá-la.
Joaquim Manuel
de Macedo nasceu a 24 de junho de 1820, em Itaboraí, onde também morreu a 11 de
abril de 1882. Formado em Medicina no Rio de Janeiro, nunca exerceu a profissão.
Seu interesse foi sempre o da literatura. No mesmo ano que concluiu o curso
superior trouxe à lux sua obra mais lembrada A moreninha. Tornada um
sucesso quase imediato, justamente por se qualificar como uma crônica dos
costumes e do amor burguês, essa estreia fortaleceu seu gosto pelas letras.
Como por
aqui raros viveram ou vivem da literatura, o escritor fez de um tudo: foi
jornalista, professor de História do Brasil e Geografia, editor (é um dos
fundadores da revista Guanabara juntamente com Gonçalves Dias e Manuel
de Araújo Porto-Alegre) e figura carimbada na política pelo Partido Liberal,
pelo qual cumpriu funções como deputado provincial e deputado geral, claro,
pelas estreitas relações que manteve com a família imperial, de quem foi amigo
íntimo e confidente.
Antonio
Candido sublinha que sua obra se equilibra em pelo menos duas linhas: uma social
e outra mais atenta aos preceitos das escolas e estilos de seu tempo, o
romantismo e o romance urbano-social. Entre esses dois limites construiu uma
obra vasta que não finda n’A moreninha, nem nas duas sátiras citadas
acima: foram vinte romances, doze peças de teatro, um poema, mais dez volumes
de variedades. Logo, é sempre um pouco limitado persistirmos na leitura do romance
de 1844 – que é sim sua Magnum opus, mas não necessariamente sua única
obra. Talvez falte sempre, em autores mais antigos e de obra vasta, uma ampliação
do olhar para outras fronteiras a fim de não recairmos no eco das leituras
apresentadas por este ou aquele crítico. Afinal, apostar no sectarismo do cânone é uma ingenuidade pesada e um não-zelo para com a memória de uma cultura literária.
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