O Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago
Por Pedro Fernandes
Edição brasileira de O evangelho segundo Jesus Cristo publicada pela Companhia das Letras |
Se tem uma coisa que tem intrigado muita gente que ainda se
vê enfiada nos cânones religiosos é mexer com o
sagrado; lembro-me bem de um congresso que fui neste ano e falei sobre as
personagens Deus e o Diabo dessa obra-prima da literatura portuguesa que é O
Evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago, e um senhor da platéia que
assistiu aos meus quinze mirrados minutos de apresentação... Saramago só não
recebeu o nome de Deus noutras conversas rápidas que tive com ele, depois, no
alojamento... Mas oh, tem uma coisa, cá pra nós, O Evangelho deveria
mesmo ser partilha nas homilias e cultos religiosos cristãos porque nunca li (e
olha que já li os quatro Evangelhos da Sagrada Escritura) obra com real beleza e
proximidade à figura do Cristo tão exorcizada do discurso religioso cristão: o Cristo antes de sê-lo. Um Jesus humano e porque humano mais convincente e interessante que este apresentado pelas religiões.
O livro O Evangelho segundo Jesus Cristo é dessas experiências de leitura indispensáveis a todo leitor interessado em se questionar melhor sobre as ordens dominantes. Ou sobre os discursos dominantes. Publicado em 1991, o livro tornou-se um dos mais polêmicos na carreira do
escritor. Um marco para tanto foi a retirada do escritor e sua obra da participação ao Prêmio Literário Europeu, um imbróglio que dividiu o parlamento português em longas discussões. Conta-se que este episódio foi um dos motivadores para o escritor ir-se de vez ir morar em Lanzarote, uma ilha
das Canárias. Por causa dele, Saramago foi duramente criticado e até
considerado sacrílego, mas isso apenas confirmou que sua obra mexe com o leitor
- basta ver que o livro polêmico está entre os mais vendidos da sua prolífica literatura.
Agora, quem imagina encontrar apenas crítica à religião está
muito enganado. O Evangelho... não é sobre religiões, aliás. É uma obra que põe em dúvida a sacralização da história
bíblica especificamente porque coloca seu protagonista como homem entre homens, tomado pelo medo, pela culpa, pelas dores, pelo prazer e em contínua interrogação sobre um destino para o qual ele próprio não pôde estabelecer qualquer opinião. Ora, esse último princípio, filosófico, diga-se, é a interrogação que nos move, cristãos ou não: afinal, qual a nossa culpa para merecermos a vida que merecemos, se atribulada, ou, principalmente, para que a vida resulte no nosso fracasso.
Sendo uma ficção com plano de organização histórico, mítico e também literário - se assim consideramos os textos bíblicos - todas essas dimensões são convocadas pelo escritor para a composição do romance. A tudo, acrescenta-se ainda a liberdade criativa da imaginação capaz de preencher passagens na biografia de Jesus que foram esquecidas, apagadas ou alteradas; ou ainda responder pelas cores da razão determinadas circunstâncias que o dogma transformou em acontecimento justificado pela fé. Um exemplo do primeiro exercício, é a passagem pela infância e pela adolescência de Jesus; no segundo, a sua concepção ou sua proximidade com Maria Madalena, aqui, convertida em Maria de Magdala, amante e iniciadora da vida adulta de Jesus.
Quem já leu José Saramago, reencontra seu estilo próprio de construção do seu narrador; sempre dotado de uma linguagem mais próxima
da falada (como se buscasse estabelecer com o plano exterior da narração um convívio amigável). No caso específico desse romance, além da autenticidade sobre o que se conta, tal gesto expande em diferenciação a própria linguagem
sagrada das escrituras. O evangelista não é uma criatura iluminada por inspiração divina, mas alguém que historiciza o que viu, soube ou leu. Não é, portanto, gratuita, a referência ao evangelista Lucas, logo na epígrafe do romance; Lucas é o mais imaginativo dos quatro autores que passaram para o livro sagrado. Saramago, no vasto manancial literário, certamente recorre ainda àqueles livros que figuram entre os apócrifos porque considerados fora dos interesses religiosos aquando da composição da Bíblia.
O Evangelho segundo Jesus Cristo não se trata de um livro realista e sim de
uma tentativa de contar uma história de um ponto de vista humano. Para isso, o
foco do livro é um Jesus Cristo humanizado, repito, mais autêntico do que o tecido pelo dogma religioso e por isso mesmo mais sagrado, mas, sem quaisquer pretensões de subjugar a fé alheia. Os que devotam seu ódio à obra (e mesmo ao escritor) padecem apenas de um desses dois problemas: a fé não é suficiente para alcançar a dimensão que fez desse homem criatura entre nós (como o próprio Evangelho sagrado enuncia); são incapazes de auferir as matizes do discurso ficcional e ao transferir o escrito apenas para a camada literal são incapazes de ler a Bíblia em sua complexidade igualmente metafórica, simbólica e criativa.
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A seguir, copio primeiro capítulo de O Evangelho segundo Jesus Cristo. Nesta passagem o narrador descreve a crucificação tomando emprestada uma das gravuras de Albrecht Dürer com o mesmo tema. É a oportunidade em que pela integração de dois discursos - se assim considerarmos também as artes plásticas - de apresentar que essa é uma história tão conhecida que se modela em feições diversas do imaginário coletivo e cultural. Para o próprio romance, é uma ocasião de, teatralmente, apresentar algumas das personagens principais da história.
***
O sol mostra-se num dos cantos
superiores do rectângulo, o que se encontra à esquerda de quem olha,
representando, o astro-rei, uma cabeça de homem donde jorram raios de aguda luz
e sinuosas labaredas, tal uma rosa-dos-ventos indecisa sobre a direcção dos
lugares para onde quer apontar, e essa cabeça tem um rosto que chora, crispado
de uma dor que não remite, lançando pela boca aberta um grito que não poderemos
ouvir, pois nenhuma destas coisas é real, o que temos diante de nós é papel e
tinta, mais nada. Por baixo do sol vemos um homem nu atado a um tronco de
árvore, cingidos os rins por um pano que lhe cobre as partes a que chamamos pudendas
ou vergonhosas, e os pés tem-nos assentes no que resta de um ramo lateral
cortado, porém, por maior firmeza, para que não resvalem desse suporte natural,
dois pregos os mantêm, cravados fundo. Pela expressão da cara, que é de
inspirado sofrimento, e pela direcção do olhar, erguido para o alto, deve de
ser o Bom Ladrão. O cabelo, todo aos caracóis, é outro indício que não engana,
sabendo-se que anjos e arcanjos assim o usam, e o criminoso arrependido, pelas
mostras, já está no caminho de ascender ao mundo das celestiais criaturas. Não
será possível averiguar se este tronco ainda é uma árvore, apenas adaptada, por
mutilação selectiva, a instrumento de suplício, mas continuando a alimentar-se
da terra pelas raízes, porquanto toda a parte inferior dela está tapada por um
homem de barba comprida, vestido de ricas, folgadas e abundantes roupas, que,
tendo embora levantada a cabeça, não é para o céu que olha. Esta postura
solene, este triste semblante, só podem ser de José de Arimateia, que Simão de
Cirene, sem dúvida outra hipótese possível, após o trabalho a que o tinham
forçado, ajudando o condenado no transporte do patíbulo, conforme os protocolos
destas execuções, fora à sua vida, muito mais preocupado com as consequências
do atraso para um negócio que trazia aprazado do que com as mortais aflições do
infeliz que iam crucificar. Ora, este
José de Arimateia é aquele bondoso e abastado homem que ofereceu os préstimos de
um túmulo seu para nele ser depositado o corpo principal, mas a generosidade
não lhe servirá de muito na hora das santificações, sequer das beatificações,
pois não tem, a envolver-lhe a cabeça, mais do que o turbante com que sai à rua
todos os dias, ao contrário desta mulher que aqui vemos em plano próximo, de
cabelos -soltos sobre o dorso curvo e dobrado, mas toucada com a glória suprema
duma auréola, no seu caso recortada como um bordado doméstico. De certeza que a
mulher ajoelhada se chama Maria, pois de antemão sabíamos que todas quantas
aqui vieram juntar-se usam esse nome, apenas uma delas, por ser ademais
Madalena, se distingue onomasticamente das outras, ora, qualquer observador, se
conhecedor bastante dos factos elementares da vida, jurará, à primeira vista,
que a mencionada Madalena é esta precisamente, porquanto só uma pessoa como
ela, de dissoluto passado, teria ousado apresentar-se, na hora trágica, com um
decote tão aberto, e um corpete de tal
maneira justo que lhe faz subir e altear a redondez dos seios, razão por que,
inevitavelmente, está atraindo e retendo a mirada sôfrega dos homens que passam,
com grave dano das almas, assim arrastadas à perdição pelo infame corpo. É,
porém, de compungida tristeza a expressão do seu rosto, e o abandono do corpo não
exprime senão a dor de uma alma, é certo que escondida por carnes tentadoras,
mas que é nosso dever ter em conta, falamos da alma, claro está, esta mulher poderia
até estar inteiramente nua, se em tal preparo tivessem escolhido representá-la,
que ainda assim haveríamos de demonstrar-lhe respeito e homenagem. Maria Madalena,
se ela é, ampara, e parece que vai beijar, num gesto de compaixão intraduzível
por palavras, a mão doutra mulher, esta sim, caída por terra, como desamparada de
forças ou ferida de morte. O seu nome também é Maria, segunda na ordem de
apresentação, mas, sem dúvida, primeiríssima na importância, se algo significa
o lugar central que ocupa na região inferior da composição. Tirando o rosto
lacrimoso e as mãos desfalecidas, nada se lhe alcança a ver do corpo, coberto
pelas pregas múltiplas do manto e da túnica, cingida na cintura por um cordão
cuja aspereza se adivinha. É mais idosa do que a outra Maria, e esta é uma boa
razão, provavelmente, mas não a única, para que a sua auréola tenha um desenho
mais complexo, assim, pelo menos, se acharia autorizado a pensar quem, não
dispondo de informações precisas acerca das precedências, patentes e hierarquias
em vigor neste mundo, estivesse obrigado a formular uma opinião. Porém, tendo
em conta o grau de divulgação, operada por artes maiores e menores, destas iconografias,
só um habitante doutro planeta, supondo que nele não se houvesse repetido
alguma vez, ou mesmo estreado, este drama, só esse em verdade inimaginável ser
ignoraria que a afligida mulher é a viúva de um carpinteiro chamado José e mãe
de numerosos filhos e filhas, embora só um deles, por imperativos do destino ou
de quem o governa, tenha vindo a prosperar, em vida mediocremente, mas
maiormente depois da morte. Reclinada sobre o seu lado esquerdo, Maria, mãe de
Jesus, esse mesmo a quem acabamos de aludir, apoia o antebraço na coxa de uma
outra mulher, também ajoelhada, também Maria de seu nome, e afinal, apesar de
não lhe podermos ver nem fantasiar o
decote, talvez verdadeira Madalena. Tal como a primeira desta trindade de
mulheres, mostra os longos cabelos soltos, caídos pelas costas, mas estes têm
todo o ar de serem louros, se não foi pura casualidade a diferença do traço,
mais leve neste caso e deixando espaços vazios no sentido das madeixas, o que, obviamente,
serviu ao gravador para aclarar o tom geral da cabeleira representada. Com tais
razões não pretendemos afirmar que Maria Madalena tivesse sido, de facto,
loura, apenas nos estamos conformando com a corrente de opinião maioritária que
insiste em ver nas louras, tanto as de natureza como as de tinta, os mais eficazes
instrumentos de pecado e perdição. Tendo sido Maria Madalena, como é geralmente sabido, tão
pecadora mulher, perdida como as que mais o foram, teria também de ser loura
para não desmentir as convicções, em bem
e em mal adquiridas, de metade do género humano. Não é, porém, por parecer esta terceira Maria,
em comparação com a outra, mais clara na
tez e no tom do cabelo, que insinuamos e propomos, contra as arrasadoras evidências
de um decote profundo e de um peito que se exibe, ser ela a Madalena. Outra
prova, esta fortíssima, robustece e afirma a identificação, e vem a ser que a
dita mulher, ainda que um pouco amparando, com distraída mão, a extenuada mãe
de Jesus, levanta, sim, para o alto o olhar, e este olhar, que é de autêntico e
arrebatado amor, ascende com tal força que parece levar consigo o corpo todo,
todo o seu ser carnal, como uma irradiante auréola capaz de fazer empalidecer o
halo que já lhe está rodeando a cabeça e reduzindo pensamentos e emoções.
Apenas uma mulher que tivesse amado tanto quanto imaginamos que Maria Madalena
amou poderia olhar desta maneira, com o que, derradeiramente, fica feita a
prova de ser ela esta, só esta, e nenhuma outra, excluída portanto a que ao
lado se encontra, Maria quarta, de pé, meio levantadas as mãos, em piedosa demonstração,
mas de olhar vago, fazendo companhia, neste lado da gravura, a um homem novo,
pouco mais que adolescente, que de modo amaneirado a perna esquerda flecte,
assim, pelo joelho, enquanto a mão direita, aberta, exibe, numa atitude
afectada e teatral, o grupo de mulheres a quem coube representar, no chão, a acção
dramática. Este personagem, tão novinho, com o seu cabelo aos cachos e o lábio
trémulo, é João. Tal como José de Arimateia, também esconde com o corpo o pé
desta outra árvore que, lá em cima, no lugar dos ninhos, levanta ao ar um
segundo homem nu, atado e pregado como o primeiro, mas este é de cabelos lisos,
deixa pender a cabeça para olhar, se ainda pode, o chão, e a sua cara, magra e
esquálida, dá pena, ao contrário do ladrão do outro lado, que mesmo no transe
final, de sofrimento agónico, ainda tem valor para mostrar-nos um rosto que
facilmente imaginamos rubicundo, corria-lhe bem a vida quando roubava, não
obstante a falta que fazem as cores aqui. Magro, de cabelos lisos, de cabeça caída
para a terra que o há-de comer, duas vezes condenado, à morte e ao inferno,
este mísero despojo só pode ser o Mau Ladrão, rectíssimo homem afinal, a quem
sobrou consciência para não fingir acreditar, a coberto de leis divinas e
humanas, que um minuto de arrependimento basta para resgatar uma vida inteira
de maldade ou uma simples hora de fraqueza. Por cima dele, também chorando e
clamando como o sol que em frente está, vemos a lua em figura de mulher, com
uma incongruente argola a enfeitar-lhe a orelha, licença que nenhum artista ou
poeta se terá permitido antes e é duvidoso que se tenha permitido depois,
apesar do exemplo. Este sol e esta lua iluminam por igual a terra, mas a luz
ambiente é circular, sem sombras, por isso pode ser tão nitidamente visto o que
está no horizonte, ao fundo, torres e muralhas, uma ponte levadiça sobre um
fosso onde brilha água, umas empenas góticas, e lá por trás, no testo duma
última colina, as asas paradas de um moinho. Cá mais perto, pela ilusão da
perspectiva, quatro cavaleiros de elmo, lança e armadura fazem voltear as montadas
em alardes de alta escola, mas os seus gestos sugerem que chegaram ao fim da
exibição, estão saudando, por assim dizer, um público invisível. A mesma
impressão de final de festa é dada por aquele soldado de infantaria que já dá
um passo para retirar-se, levando, suspenso da mão direita, o que, a esta
distância, parece um pano, mas que
também pode ser manto ou túnica, enquanto dois outros militares dão sinais de
imitação e despeito, se é possível, de tão longe, decifrar nos minúsculos rostos
um sentimento, como de quem jogou e perdeu. Por cima destas vulgaridades de
milícia e de cidade muralhada pairam quatro anjos, sendo dois dos de corpo inteiro,
que choram, e protestam, e se lastimam, não assim um deles, de perfil grave,
absorto no trabalho de recolher numa taça, até à última gota, o jorro de sangue
que sai do lado direito do Crucificado. Neste lugar, a que chamam Gólgota,
muitos são os que tiveram o mesmo destino fatal e outros muitos o virão a ter,
mas este homem, nu, cravado de pés e mãos numa cruz, filho de José e de Maria, Jesus de seu nome, é o único
a quem o futuro concederá a honra da maiúscula inicial, os mais nunca passarão
de crucificados menores. É ele, finalmente, este para quem apenas olham José de
Arimateia e Maria Madalena, este que faz chorar o sol e a lua, este que ainda
agora louvou o Bom Ladrão e desprezou o Mau, por não compreender que não há
nenhuma diferença entre um e outro, ou, se diferença há, não é essa, pois o Bem
e o Mal não existem em si mesmos, cada um deles é somente a ausência do outro.
Tem por cima da cabeça, resplandecente de mil raios, mais do que, juntos, o sol
e a lua, um cartaz escrito em romanas letras que o proclamam Rei dos Judeus, e,
cingindo-a, uma dolorosa coroa de espinhos, como a levam, e não sabem, mesmo
quando não sangram para fora do corpo, aqueles homens a quem não se permite que
sejam reis em suas próprias pessoas. Não goza Jesus de um descanso para os pés,
como o têm os ladrões, todo o peso do seu corpo estaria suspenso das mãos
pregadas no madeiro se não fosse restar-lhe ainda alguma vida, a bastante para
o manter erecto sobre os joelhos retesados, mas que cedo se lhe acabará, a
vida, continuando o sangue a saltar-lhe da ferida do peito, como já foi dito.
Entre as duas cunhas que firmam a cruz a prumo, como ela introduzidas numa
escura fenda do chão, ferida da terra não mais incurável que qualquer sepultura
de homem, está um crânio, e também uma tíbia e uma omoplata, mas o crânio é que
nos importa, porque é isso o que Gólgota significa, crânio, não parece ser uma
palavra o mesmo que a outra, mas alguma diferença lhes notaríamos se em vez de
escrever crânio e Gólgota escrevêssemos gólgota e Crânio. Não se sabe quem aqui
pôs estes restos e com que fim o teria feito, se é apenas um irónico e macabro aviso
aos infelizes supliciados sobre o seu estado futuro, antes de se tornarem em
terra, pó e coisa nenhuma. Mas também há quem afirme que este é o próprio
crânio de Adão, subido do negrume profundo das camadas geológicas arcaicas, e
agora, porque a elas não pode voltar, condenado eternamente a ter diante dos
olhos a terra, seu único paraíso possível e para sempre perdido. Lá atrás, no
mesmo campo onde os cavaleiros executam um último volteio, um homem afasta-se,
virando ainda a cabeça para este lado. Leva na mão esquerda um balde e uma cana
na mão direita. Na extremidade da cana deve haver uma esponja, é difícil ver
daqui, e o balde, quase apostaríamos, contém água com vinagre. Este homem, um
dia, e depois para sempre, será vítima de uma calúnia, a de, por malícia ou
escárnio, ter dado vinagre a Jesus ao pedir ele água, quando o certo foi
ter-lhe dado da mistura que traz, vinagre e água, refresco dos mais soberanos para
matar a sede, como ao tempo se sabia e praticava. Vai-se embora, não fica até
ao fim, fez o que podia para aliviar as securas mortais dos três condenados, e
não fez diferença entre Jesus e os Ladrões, pela simples razão de que tudo isto
são coisas da terra, que vão ficar na terra, e delas se faz a única história
possível.
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